31 de julho de 2007

A crítica ao lócus claridoso

O Movimento Claridoso, que tanto paradigma marcou à Cultura Cabo-verdiana, em geral, e às letras das ilhas, em particular, gerou cedo críticas ao seu fundamento, embora o seu retrato aparente paire até hoje no imaginário dos cabo-verdianos.

Em 1951, Manuel Duarte criticou a Claridade, mais tarde, Amílcar Cabral (foto) analisou a obra dos Claridosos também numa perspectiva crítica. Há uma matriz nas críticas desses intelectuais. Todas elas têm a ver com o facto de que os Claridosos não teriam tido um pensamento agente, transformador da realidade política vigente. As entrelinhas dos críticos afirmam que os Claridosos não tiveram engajamento político. O texto “Consciencialização na Literatura Cabo-verdiana” de Onésimo Silveira marcou este momento dialéctico.

Mais recentemente, académicos como José Carlos Gomes dos Anjos e Gabriel Fernandes analisaram nas suas obras, sob perspectivas críticas e novas, o momento claridoso no debate da cabo-verdianidade.

Conheça as posições desses intelectuais, divergentes em vários pontos, hoje, no programa Claridade Incandescente, da TCV, após a telenovela Belíssima.

28 de julho de 2007

A reinvenção funciona?











Porque é que uma nação se volta ao passado para reinventar um futuro? Quem fala em nações, poderia falar de uma pessoa, ou até de uma banda musical. Há dias, numa entrevista ao sociólogo José Carlos Gomes dos Anjos, este respondia que "todas as nações fazem isso", reinventam passados de acordo com os seus interesses em presença e projectam o futuro. A conversa girava em torno da Claridade. Porque é que a elite política/intelectual que elaborou as primeiras críticas contra a Claridade, vem hoje proceder à sua sacralização? Serão interesses estratégicos, políticos, e económicos, entre outros, a motivar certas posições...

Desse nicho a outro, assistimos, em outros moldes, a uma outra reinvenção: o regresso do grupo musical Livity. Lembremo-nos que nenhum livro ou brochura sobre a música de Cabo Verde, dos inícios dos anos 90 a esta parte, se furtou de uma referência, ainda que fugaz, a essa banda. Marcou uma época, pela experimentação (estilização, fusão rítmica, influências assumidas) e representação (a mobilidade de Jorge Neto no palco, por exemplo), sem descurarmos da procedência dos seus integrantes (jovens filhos de emigrantes, ou que emigraram muito novos para a Holanda).

Dentro da música, também caseira, sabemos do já anunciado regresso do grupo Bulimundo. Este conjunto marcou, durante quase uma década, a música de Cabo Verde. Recriou e projectou, graças à liderança inicial de Katchás, e de forma continuada, com todos os integrantes da banda, o Funaná (rapicado e lento) e o Batuque. Mais: contribuiu para que uma boa parcela da identidade musical das ilhas ganhasse notoriedade e firmasse o seu lugar na história cultural deste arquipélago.
Foram, sem dúvida, contribuições marcantes, e que devem permanecer na memória colectiva dos cabo-verdianos e no panteão da Cultura de Cabo Verde.
A questão é saber se existe uma dose acertada de reinvenção, ou seja: até que ponto, e de que forma se deve fazer uso das glórias do passado? Não estaria nessa reinvenção a própria anulação desse passado? Essa volta poderá ser interpretada como ausência de perspectiva?

As respostas não são consensuais, mas são, decerto, todas válidas. Incitando, no mínimo, à reflexão.

24 de julho de 2007

O equilíbrio...

Há males que vêm por bem” é uma expressão corriqueira e muito fechada. Diz muito! O facto é que todos somos resistentes a ela e fugimos incessantemente dos seus tentáculos. Só depois da tempestade, bem depois, é que nos quedamos perante essa máxima. A vida comprova que os bens que vêm depois dos males têm um sabor especial, e é normalmente nessas experiências que paramos para pensar nos instantes, nos silêncios, e nos actos que nos fazem.
Essa máxima sintetiza a dialéctica circular da existência humana, e obriga-nos a reflectir sobre o real significado da palavra fim. Na verdade, reinventamo-nos a cada instante, e criamos o nosso próprio casulo com os erros e acertos que cometemos enquanto seres humanos falíveis, fracos, dependentes, carentes, tristes, e outras vezes fortes, maus, prepotentes, arrogantes e bestas. Há quem consiga o equilíbrio…

Melody

Quero cantar a tua canção/Until the end.

Saber-te

Muitas vezes me surpreendo querendo viver outras vidas. Gosto de me colocar no lugar dos outros... vivenciar em outra pele alguns sentimentos que são meus. Não sei se aquela voz em ti provoca arrepios... nem se gostas daquelas ruas e ladeiras. Não imagino o que sentes ao cruzar com ele na rua.... mas queria saber.

Outra vez...

…a canção.

Freefind

No report semanal do motor de busca, constatei, à exaustão, algumas palavras-chave, o que demonstra que alguém quer muito reler algum texto que escrevi aqui faz tempo. Queria apenas indicar o e-mail acima, e me disponibilizar a ceder todas as informações que aqui publico… O pá, não vou por aí.

23 de julho de 2007

a place for us

AQUI está o pão, o vinho, a mesa, a morada:
o ofício do homem, a mulher e a vida:
a este lugar corria a paz vertiginosa,
por esta luz ardeu a comum queimadura.

poem: Neruda

19 de julho de 2007

Gullar (ainda)


Jean d´Ormesson , citando Paul Valérie, disse, numa recente entrevista, que o escritor é motivado pela morte, e o jornalista tem na vida o seu motor. Essa afirmação levou-me de imediato aos poemas de Ferreira Gullar. O poeta que reinventa a morte.
Admiro a forma cerebral e natural como ele encara o sopro final à vida. Os poemas de Gullar saboreiam, em concreto, a vida, e cultivam intimidades com a morte. A sua abordagem do espaço, e de instantes é algo de conclusivo. Encanta-me de forma sublime o seu enquadramento da eternidade... nesse particular é emblemático como ele revisita incessantemente a atemporalidade da fotografia, enquanto registo, ou sujeito infinito.
Sente-se ainda nos poemas de Gullar alguma paixão frutal, às podres, inclusive. Amigos morrem/ as ruas morrem/ as casas morrem./ Os homens se amparam em retratos./ Ou no coração dos outros homens./ *

*Trecho do Improviso ordinário sobre a Cidade Maravilhosa (Rio)

18 de julho de 2007

Despedida

Eu deixarei o mundo com fúria.
Não importa o que aparentemente aconteça,
se docemente me retiro.

De fato
nesse momento
estarão de mim se arrebentando
Raízes tão fundas
quanto esses céus brasileiros.
Num alarido de gente e ventania
olhos que amei
rostos amigos tardes e verões vividos
estarão gritando a meus ouvidos
para que eu fique
para que eu fique

Não chorarei.
Não há soluço maior que despedir-se da vida.

Com esse poema final de Ferreira Gullar, Os momentos sela o seu profundo pesar pelas vítimas do acidente aéreo ocorrido, ontem à noite, em S.Paulo, Brasil. Morreram 170 passageiros e outros trabalhadores do prédio da Companhia aérea TAM, em que embateu o avião.

imagem: Sadness, Picasso

11 de julho de 2007

(Mal)dita Morabeza


Nunca paramos para pensar no simbolismo da palavra morabeza, o termo que, para muitos, caracteriza o modo de ser dos homens e mulheres destas ilhas. O certo é que sempre fugimos de aprofundar a semântica dessa expressão. Sem esforço suplementar, vê-se (lê-se) no cabo-verdiano morabi (uma expressão muito usada na Brava…será da morabeza?) um ser cordial, manso; um povo hospitaleiro e tudo o mais. Lá isso sempre fomos, se se reparar no modo aberto e doce como lidamos com os Europeus que nos visitam. Sim, porque com os nossos irmãos da Costa Ocidental Africana não somos tão morabis assim!... Numa sondagem, daremos conta que esses homens e mulheres do continente, ao contrário dos turistas do Norte, não nos acham morabis.
Não nos compete aqui avaliar, ou julgar a morabeza cabo-verdiana, mas sim demonstrar a sua inconstância e contextualizar a sua invenção. A duplicidade a que nos referimos comprova, apenas, que essa condição de morabi dos cabo-verdianos é uma construção até certo ponto mítica. Na concepção crítica do sociólogo José Carlos Gomes do Anjos, a "supercordialidade" empregando o termo de Gabriel Mariano (um dos maiores ideólogos da teoria da mestiçagem em Cabo-Verde) tem o seu ápice no Mindelo, considerado pelo sociólogo como o espaço de eleição para "o recrutamento de mediadores para o processo colonial".
Dos Anjos escreve que "a concepção do mestiço como cordial é um dos desdobramentos do mito da "evolução racial", que, opondo às virtudes da africanidade (a emoção) àqueles da europeidade (a intelectualidade), produz uma síntese que tem no porto do Mindelo e na sua pretensa morabeza o seu lugar simbólico e seu emblema – o lugar e o resultado do encontro cordial de raças”.
O discurso de Cabo Verde mestiço teve eco no seio dos intelectuais portugueses, e teve presença efectiva nas suas múltiplas abordagens em relação a Cabo Verde.
Aos 32 anos depois da proclamação da Independência, continuam de pé (e vão surgindo mais) as máquinas de lavagem a reproduzir a tão aclamada morabeza crioula. É por essas e outras que o poeta Kauberdiano Dambará diz que a ilha da Madeira, graças ao autonomismo do tipo João Jardim, é muito mais independente de Portugal do que Cabo Verde. Afirmação controversa, mas que não deixa de demandar alguma reflexão.
Foto origem

6 de julho de 2007

Gabo para os amigos

ExampleGabo é o nominho de Gabriel García Márquez, o autor de Cem anos de Solidão, O Amor nos Tempos do Cólera e outras nomeadas. Num jantar com amigos e familiares, recebeu uma repórter da revista brasileira Caros Amigos para uma conversa, o que foi considerada pela publicação nada mais, nada menos do que um furo fantástico. E é, de facto, se lembrarmos que o Prémio Nobel da literatura de 1982 não tem dado entrevistas faz tempo. A conversa aconteceu em Cartagena de Índias, Colômbia, cidade onde García Márques nascera há 80 anos, e não pisara há anos. Transcrevo em baixo umas linhas cheias de encanto da entrevista que García Márques concedeu à jornalista Ana Luiza Moulatlet (Foto).

Respeito sacramental

"(…) Foi um momento único. Afinal de contas, Gabo nem mais telefone quer atender. A única pessoa com quem ainda fala na linha é Mercedes, sua esposa, com quem vive no México. E porque Gabo está de volta? Quem responde primeiro é seu velho amigo Bernardo Hoyos, único a quem ele dedica, entre os 19 participantes do jantar, dois beijos no rosto. “Todos os amigos do Gabo ou morreram ou estão morando longe, na Europa”. Por exemplo: o escritor Carlos Fuentes, de quem gosta há muito tempo, está morando em Londres. Aqui em Cartagena ele tem dois amigos inseparáveis: o Jaime Abello e o seu irmão Jaime Garcia Marques.
Mas quem é Gabo para seu velho amigo? “Conheço-o desde os anos 50. Posso te dizer que é uma pessoa com uma determinação e um rigor muito acima do que qualquer outra. É rigoroso até com sua ficção e fantasia. Se exige muito, é muito autocrítico. Venceu e voou tão alto porque, eu vi isso acontecer, desde os anos 50 já sabia que é um grande escritor. Mas tem alguma mágoa, por exemplo, do finado escritor argentino Jorge Luís Borges. Borges foi muito injusto com Gabo. Eu o conheci, e ele disse uma vez que “a obra de Gabo é boa somente nos seus primeiros 50 anos”, e acho que isso deixou Gabo muito magoado.
Qual a obra literária que Gabo gostaria de ter escrito? “Ele sempre me disse esses anos todos que a obra que gostaria de ter escrito era Pedro Páramo, do mexicano Juan Rulfo, um livro que sem dúvida muito o influenciou na confecção de Cem anos de Solidão”, responde, de pronto, Bernado Hoyous. E qual a obra que ele mais gostou de ler? “Foi Grande Sertão: Veredas, do brasileiro João Guimarães Rosa. É o livro que ele mais admira em toda a sua vida”, diz Hoyos. (…)"

In: Caros Amigos, Junho 2007

4 de julho de 2007

Pontes em mim... o que junta

Tenho uma disposição particular para momentos e atitudes que emergem de encontros. Nesse bojo entram as artes, nas suas múltiplas manifestações, a cultura, em si como matriz identitária, e outras confluências.
Neste momento, percebe-se que a música de Cabo Verde tem sido a variante mais utilizada para a universalização da "coisa" cabo-verdiana. O disco Das Ilhas Mestiças do bandolinista brasileiro Rodrigo Lessa, é exemplo disso. São treze sons musicados num espírito eminentemente marítimo, porque nos transporta de Cabo Verde, mais precisamente do Calango Mindelo (a primeira faixa do disco) para o Brasil, de onde seguimos viagem para Cuba e Caribe.
No disco, Lessa legitima esse diálogo cultural com motivos históricos que, como sabemos, fazem de nós “seres atlânticos”. Um mundo com suas "afinidades e diferenças".
O disco contou com a participação dos cabo-verdianos Toy Vieira e Vaiss. A brisa caribenha do disco surge do trompetista cubano Júlio Padron. E nunca é demais acrescentar que Das Ilhas Mestiças contou com a participação especial de João Donato, o homem d´a paz.*

...A paz fez o mar da revolução
Invadir meu destino, a paz

Eu pensei em mim
Eu pensei em ti
Eu chorei por nós
...

* João Donato escreveu essa canção em parceria com Gilberto Gil e este interpretou-a maravilhosamente.