27 de setembro de 2007

O ambiente, o turismo e a melodia















1.Praia Baixo, zona balnear situada a uma distância de 30 minutos da Cidade da Praia, vai ter “Casa do Mar”. Projecta-se para o espaço um centro de educação ambiental, para os formadores, virado para as tartarugas marinhas. Esse “laboratório vivo” será inaugurado em Abril do próximo ano, e todas as condições para isso já estão criadas. Projecto aprovado, financiamento garantido, parcerias, inclusive com o Oceanário de Lisboa. O professor da Universidade do Algarve, Nuno Loureiro, é o mentor desse projecto que nasceu no âmbito da geminação existente entre a Câmara Municipal de S. Domingos e o Município de Lagoas do Algarve. A ideia, segundo o professor, é criar riquezas endógenas, através de um turismo ecológico, e ao mesmo tempo contribuir para a consciencialização das populações face às ameaças ambientais, nomeadamente a protecção das tartarugas marinhas. Esse mesmo projecto abarca Achada Baleia, outra praia de desova das tartarugas na Ilha de Santiago. Nesse sítio, menos visitado pelos banhistas, vai ser construída uma reserva marinha.

2. De sessenta e tal mil turistas em 2001, se a memória não nos falha, aumentou para 280 mil, em 2006, a entrada de turistas em Cabo Verde. Um crescimento interessante e ao mesmo tempo intrigante. Precisamos de uma pesquisa que demonstre com que incidência essa gente regressa às nossas ilhas, e qual o seu grau de satisfação. Seria importante...
Os dados nos mostram que os italianos continuam a ser os que mais nos visitam, e que tem aumentado turistas do Reino Unido entre nós.

3. Comemora-se, hoje, o dia internacional do turismo sob o lema «O Turismo abre as portas às mulheres», escolhido pela Organização Mundial do Turismo (OMT). Em Cabo Verde, principalmente em Santiago, as praias continuam a ser devastadas. Todos os dias, quando a maré baixar, mulheres e homens lançam-se literalmente ao mar. Uns cavam e outras transportam na cabeça, em voltas incontáveis, uma média de 80 “banheiras” de areia, quantidade suficiente para encher um camião. Algumas andam nisso há mais de trinta anos...

4. Noto que as nossas rádios nunca deixaram de tocar Phil Collins...

19 de setembro de 2007

A emigração e o frio

















1. Creio que devemos fazer notar com preocupação as notícias que ontem deram conta do cerco que a Europa tem, vergonhosamente, fechado aos emigrantes. Desde criancinha que aprendemos, uníssono, a dizer que os cabo-verdianos, entenda-se pobres, saem para fora à procura de uma vida melhor. Portugal vai restringir-se à entrada de imigrantes com curso médio ou superior. França só admite poliglotas, ou seja o imigrante que, além da sua língua, domine o francês, além de criar barreiras ao agrupamento familiar. Será, certamente, mais comedido fechar os serviços consulares de visto, em vez de estar a zombar com a dignidade alheia.
A preocupação redobra quando um país de emigrantes (com e sem documentos), e, recorde-se, aberto ao mundo, queda em silêncio, e segue prestando colaboração no que se convencionou chamar “emigração ilegal”.

2. No rádio Djavan nos remete ao frio que vem lá do sul....

17 de setembro de 2007

N dour, Bergman e a minha canção

1. Yossou N dour actuou no Festival de Santa Maria, na Ilha do Sal, e regressou, ontem à noite, ao Senegal, depois de uma paragem de algumas horas na Capital. É a terceira vez que esse músico senegalês actua em Cabo Verde. A primeira foi no Club Naútico, em 1999, e a segunda no Fesquintal, Festival de Jazz, em 2002. Les super étoiles (a banda) disseram que no Sal foi tudo magnifique. No nosso segundo espectáculo chovia, lembra? E haveria de esquecer esse dia memorável! Perguntam se se conhece por cá o seu Live à Bercy, DVD gravado em 2005, em França, num espectáculo inesquecível. Claro, passa na TCV.
Poderia escrever, concretamene, sobre a forma nada apoteótica como conseguimos receber um dos artistas mais nomeados da actual arena musical africana. Mas não…
Youssou N dour começou na música em 1978, ao lado do exímio percussionista Babacar Faye, que continua com ele até hoje. Faye, além de percussionista, é o responsável pela animação dos momentos que intercalam os espectáculos. Yossou N´dour começou a atrair os holofones do mundo, depois do encontro com Peter Gabriel em finais dos anos 80. J´aime ta voix, foi esta a frase dita por Gabriel a N´dour, e que selou o início de uma longa parceria. Yossou N´dour é conhecido como o homem do mbalax, pela ousadia nos arranjos que, com os seus músicos, imprimiu a esse ritmo tradicional. Com o passar dos anos, algumas correntes mais puristas o tem acusado de um certo desvio universalista. Mas vale ressaltar, que esse músico possui outras grandezas, à par da sua arte. É considerado uma personalidade africana, pela forma descomplexada como assume as causas do continente negro.

2. Gosto de um filme, pelo sabor de sua história, e pela sua narrativa, seja ela linear ou não. Parece-me algo difícil de conciliar e admiro aqueles que o fazem com mestria. Aprecio as histórias do Bergman, a forma como ele reduz o ser humano à sua condição (exercício complexo): Um verão com Mónica, O Sétimo Selo, como exemplos; o seu distanciamento perante os detalhes existenciais é total. E consegue tudo isso com belos, e por vezes, longos planos, muito silêncio, toques de camera... Porque é que agora tem de ser tudo a velocidade de um chip?! Exemplo disso é o filme Firewall (2006) com Harisson Ford. Num enredo veloz desses, fica a história e as suas implicações actuais, mas dificilmente retemos as ambiências que sempre contam, para uma boa sessão de cinema.

3. Canção minha

Ligo o rádio e perco o controle do som,
momentos de aflição, aqueles.
Tudo regressa ao lugar,
quando oiço a canção que mora aqui dentro.

12 de setembro de 2007

Para além do trivial















Este texto dá-nos conta de uma parceria firmada entre a Universidade de Cabo Verde (Uni-CV) e a Universidade Federal da Bahia (UFBA) do Brasil. A notícia que era do meu conhecimento foi reforçada, em pormenor, com um e-mail cheio de saudades do Adenor Gondim. Para além de um post informativo, quero selar o meu contentamento por mais esta conquista da Uni-CV. Sem conotação alguma, como cantava o grande Cazuza.

Música, artes plásticas e dança vão ser as áreas privilegiadas da parceria entre a Uni-CV e a UFBA. Para além da Instituição, está Salvador da Bahia: a cidade mais negra fora da África, e tida como o elo que liga o Brasil ao Continente negro. Um espaço místico que, pelas suas especificidades históricas e culturais, funcionou sempre como uma espécie de convexo para as várias artes, a investigação, e outras experimentações.

A terra que deu ao mundo Gilberto Gil, Caetano Veloso, Jorge Amado, Caribé (ilustração), Mãe Minininha, Dorival Caymmi, Gal Costa e muitos outros. A terra que pela sua complexidade sociológica acolheu imortais como o jesuíta Jorge Benci e os sociólogos Piérre Verger e Roger Bastide.

7 de setembro de 2007

Porto Madeira 2008

No próximo ano vai acontecer em Porto – Madeira, no Concelho de Santa Cruz, Ilha de Santiago, um mega encontro de arte. O projecto começou a ganhar corpo há um mês quando a artista plástica Misá organizou uma exposição de arte, inédita, na Cidade da Praia. Nesse evento, foi exposta uma diversidade de quadros, livros, fotografias, esculturas e discos, de vários pontos do mundo, à escolha dos participantes e amantes de arte. Ou seja, aqueles que aderiram ao projecto, levaram para as suas casas um objecto, que depois de uma semana deveria seguir para as mãos de um amigo em qualquer ponto do globo. O receptor da peça deve ser uma pessoa com sensibilidade e disponibilidade, de modo a não quebrar a corrente. O que quer dizer que todas as pessoas que recebem o objecto/arte devem proceder do mesmo modo. Neste blog os participantes devem deixar a sua opinião sobre o projecto, descrever o trajecto da peça, e deixar impressões outras. Depois de correr o mundo, a peça deve voltar a Porto Madeira até Agosto de 2008, para um encontro Transatlântico de arte. Há já alguns anos que a artista plástica Misá, através da ONG ABIDJAN, acalenta esta ideia, e agora as coisas parecem ter tomado um rumo. O objectivo desse projecto é incluir Porto Madeira no circuito artístico e turístico nacional, em parceria com outras organizações para o desenvolvimento, melhorando, em consequência, a vida das populações.

6 de setembro de 2007

A diluição do mercado

É no mínimo intrigante aquela publicidade da margarina Planta emitida diariamente na nossa TV pública. O leitor já viu? Uma família não cabo-verdiana a tomar o seu pequeno-almoço, com um ar de satisfação. Outra incompreensão é a voz off, anunciando a certificação do produto “nacional”, pelo Instituto Superior de Ciências da Saúde Egas Moniz.
O título acima foi a expressão encontrada para sintetizar esse quadro: um nonsense e puro descarte da inteligência dos consumidores. Se o spot, que em momento algum se refere ao mercado cabo-verdiano, contribui para a venda do produto, então algo está errado entre nós. O normal seria associar o produto a uma imagem nacional. Vejamos o exemplo da Coca-Cola. E caso a margarina Planta tenha escoamento no nosso mercado, sem o efeito da publicidade, que se prescinda dessa bizantinice.
Um cereal de marca Nacional é igualmente deste modo propagandeado nas nossas telas como sendo um “produto nacional”.
Falta de respeito e de atitude das partes envolvidas, respectivamente.

Exvanere

















O verde e o azul
O castanho de permeio
E o que esvai

5 de setembro de 2007

Grace Évora – full of grace

A imagem de um artista constrói-se num percurso e emerge num puzzle onde cada peça conta muito. Em primeiro lugar está a música, que pode ser boa ou má, ou simplesmente agradável, quando o artista não almeja mais do que isso. É nesse bojo médio e soft que se enquadra, dentro da música nacional, um artista como Grace Évora, por exemplo. Não se vislumbram nele outras ambições, que não a de agradar o vasto público com a sua música e, de olhos postos nessa meta, consegue, e muito bem, o seu tento. Grace, nome artístico, surgido de Gracindo é um filho de Salamansa, zona pescatória e pobre de S.Vicente. Na Holanda, fez-se músico, primeiro na bateria, depois com a voz no grupo Livity. Após a desintegração da banda (ora reerguida), Grace continuou activo na música com o grupo Splash e uma carreira a sólo. À par da música que sobrevive à merce do subjectivismo daqueles que a consomem, é nossa intenção realçar a imagem construída de Grace. Um indivíduo discreto, de gostos sóbrios, fala mansa, e senhor de bom coração, mais do que isso, um homem de bom feelling. Tudo isso é patente no balanço das suas melodias, definidoras de um estilo próprio e inconfundível. A sua voz, sem pretensiosismo, consegue agradar; os seus videoclipes, dentro da tabua-rasa estética nacional, não são de todo desprezíveis. Muito cedo, bem antes da febre di terra, soube valorizar o seu padoss di tchom e promover, à sua maneira. É o que ficou para nós, e para muitos fans, certamente, da imagem que Grace Évora vem construindo ao longo de uma carreira de quase duas décadas.

3 de setembro de 2007

A Família, o Renascimento, e o Poder

ExampleOuvir falar de Mário Puzo - 1920 -1999 (foto), conduz invariavelmente ao Padrinho (a saga da família Corleone), romance, adaptado ao cinema pelo realizador, Francis Capola. A abordagem da máfia italiana é retomada no último livro desse americano de origem italiana, A Família. Uma obra que narra a vida da lendária família Borgia, mais centradamente do cardeal Rodrigo Bórgia (Papa Alexandre VI). Um livro fausto e perturbante sobre os primórdios da máfia na Itália. Puzo, valendo-se do seu conhecimento da Itália profunda e da história (em colaboração com o historiador Bert Fields) e de um árduo trabalho de elaboração, deixa para a posteridade “um livro fundamental”. Em plena peste negra na Europa do Séc. XIV, com a população a ser dizimada, os homens começam a perder esperança no poder celestial e depositam a sua confiança no imediatismo terreno. Pertencer à igreja católica romana não era necessariamente sinónimo de profecia de fé e temor a Deus. Era um meio de exercer o poder, para o qual, contavam todos os subornos e favores envolvendo a aristocracia e a cúpula da igreja. A família Rodrigo Bórgia marca o Renascimento. Subornos, incesto, ambição, assassínios, traição, conspiração e luxo são os meios através dos quais os reinos, o Vaticano, as Cidade-estados que hoje fazem parte da Itália e países como França e Espanha, chegaram, mantiveram o poder e estabeleceram alianças, a todo o custo.
Puzo retrata a saga de “mais uma família italiana”, através da guerra, da arte (Miguel Ângelo, Da Vinci...), da estratégia florentina do poder (Maquiavel) e da igreja, num livro único.

Segundo todas as aparências, dir-se-iam que apreciavam a companhia um do outro e um espectador não teria adivinhado o que ia no coração de cada um dos religiosos.Todavia o cardeal, sempre alerta e desconfiado dos Bórgia, recusou-se a beber o vinho, não fosse ter sido envenenado. Não obstante, vendo que o Papa comia com gosto, comeu também com fartura, pedindo apenas água fresca em lugar de vinho, pois a água era transparente e qualquer intenção menos clara não lhe passaria despercebida.Terminada o jantar, no preciso momento em que o Papa convidava o cardeal a reunir-se-lhe no escritório, o cardeal António Orsini agarrou-se ao estômago, amarfanhou-se na cadeira e caiu redondo no chão, com os olhos a rebolarem nas órbitas como os mares nos frescos das paredes dos aposentos do Papa. - Eu não bebi vinho, sussurou roucamente o cardeal
- Mas comeste os chocos com tinta – retorquiu o Papa
.
Nessa mesma noite o cardeal Orsini foi levado pelos guardas papais a fim de ser sepultado. Durante uma missa na capela, no dia seguinte, o próprio Papa proferiu orações pela alma do cardeal e mandou-o para o céu com a sua benção.”

Mario Puzo faleceu antes de terminar este livro, o que acabou por ser feito pela esposa, Carol Gino. Esta escreve no posfácio que “Mário sentia fascínio pela Itália renascentista e especialmente pela família Bórgia. Garantia que eles eram a família do crime original... Estava convencido de que os Papas tinham sido os primeiros Dons, sendo o Papa Alexandre, o maior de todos eles”.