30 de setembro de 2010

Liberdade

Example
























Aqui nesta praia onde
Não há nenhum vestígio de impureza,
Aqui onde há somente
Ondas tombando ininterruptamente,
Puro espaço e lúcida unidade,
Aqui o tempo apaixonadamente
Encontra a própria liberdade.

23 de setembro de 2010

Project Salt – preservando a música tradicional de Cabo Verde































“A minha relação com Cabo Verde surgiu a partir do dia em que escutei um CD de Cesária Évora. Comprei um bilhete de avião e decidi que queria conhecer este país.” Foram mais ou menos nesses termos que Johnny Fernandes me respondeu, quando o interpelei sobre o seu intenso interesse por Cabo Verde. Antes pensava tratar-se de mais um cabo-verdiano da diáspora que não sabia se expressar em crioulo. Mas estava enganada.
Fernandes é moçambicano, nasceu em Zimbabué e a partir de um certo momento de sua vida decidiu trabalhar em prol das crianças mais necessitadas um pouco pelo mundo. Em Cabo Verde, mais concretamente no Sal, criou o Project Salt - preserving the rich musical traditions of cabo verde e trabalha em parceria com a Câmara Municipal apoiando, por meios diversos, a formação de crianças e jovens na área musical.
A vinda do grupo Publish The Quest ao Festival de Santa Maria 2010, enquadra-se nesse plano pedagógico, multicultural e humano que, para além da arte pura, move os projectos de Johnny Fernandes. Esse crioulo adoptivo é um apaixonado pela música, onde entra de forma incontornável a cabo-verdiana, pela fotografia (é autor da capa do ultimo disco de Maria de Barros). No seu site exibe semblantes infantis e humanos marcantes de algumas ilhas de Cabo Verde. E o sonho de Johnny Fernandes não fica pelo Sal. Pretende levar/trazer essa experiência bem sucedida para outras ilhas de Cabo Verde, sempre acreditando no poder transformador da arte, a começar pela tenra idade. Fernandes, dos tantos projectos que já criou, trabalha também com os orfãos de Sida em Zimbabué.

You never know who you´re gonna meet


















“A tradição” de há 21 anos se cumpriu e aconteceu mais um festival de música de Santa Maria, nos dias 17 e 18 deste mês. Um evento que ficou marcado por uma diversidade de estilos e de presenças musicais, a par de um ambiente humano e natural notáveis (incluindo a chuva). Há dez anos, quando conheci o festival guardei comigo as melhores impressões desse certame. O espírito persiste. A chuva melindrou o segundo dia e a sua insistência na manhã de domingo obrigou a que se cancelasse a actuação do colectivo da Holanda, onde se previa a actuação de Grace, Zé Delgado e Kino. Pena!
Gilito, Kido, Cordas do Sol, Cabossom, Tecla 2, Boss AC e outros brindaram os festivaleiros de Santa Maria com uma bonita “celebração” da música.

Intercâmbio

Um dos fundadores dos Kings, o emblemático grupo dos anos 70, de fresco nas lides dos festivais, é da opinião de que a festa deveria explorar mais a componente intercâmbio artistas/artistas. Um facto que, entretanto, também se altera, com iniciativas dos próprios produtores e artistas. Nesse pormenor, o certame do Sal já foi melhor. Todos os anos a Câmara Municipal organizava um convívio entre artistas vindos e residentes, antes do arranque do festival, perseguindo essa ideia de aproximação e contactos.

You never know

You never know who you´re gonna meet é nome de uma das músicas do segundo CD, Then What? (a sair brevemente) do grupo Publish The Quest:(foto) a coqueluche e a grande surpresa do Festival de Santa Maria 2010. O grupo veio de Seatle, Estados Unidos, e chegou a Cabo Verde pelas mãos do moçambicano Johnny Fernandes (ler post acima). O Publish the Quest movimenta-se entre o funk, afro beat, fulk, usando muitas palavras nas suas canções, mas nem por isso reivindica tiques do rap (os tais rótulos): confessa-se, em alguns caminhos, reminiscente de Fela Kuti. Antes de chegar ao Sal, a banda deu shows e recolheu instrumentos musicais para apoiar jovens estudantes de música na ilha, os mesmos meninos para quem organizou workshops numa busca de troca, provocação e arte...Valeu, rapazes de Seatle! Festival é também o que fica, e o pedaço de Cabo Verde que se espalha com as pegadas daqueles que vieram...

13 de setembro de 2010

Momentos Cafeanos do Jornalismo Cultural


















nota pura: o debate sobre o Jornalismo Cultural começou, ganhou tentáculos no Café Margoso, e, à par dos mimos de sempre, e de reacções mais circunstanciais, eis que surgiram boas sugestões que, do meu ponto de vista, desbravam o caminho, e ajudam a estreitar os olhares sobre o próprio jornalismo e a sua endogeneização. Confiram!

1. Vejam a Cultura como um todo e não como uma elite. O mal é precisamente esse e continua a ser.Não queiram trazer modelos europeus do que é ou deve ser o modelo de jornalismo cultural. Deixa o país encontrar o seu próprio modelo porque a questão da abordagem ao povo para o poderes formar, aos poucos, é que interessa. (anónimo)

2. ... em Cabo Verde, ainda estamos muuuuito longe. A nossa realidade, são redacções ‘pressionadas’ pelos ‘donos’ (que vão desde Governos, Partidos, a grupos económicos, religiosos…) sem a vontade e nem os meios necessários – humanos, financeiros – que ‘tratam’ o que ‘mais interessa ao respectivo’, normalmente a política e interesses económicos e de grupos… e só depois - se não lesar o ‘dito cujo’ - podem acabar de encher o espaço, com outras matérias. E é aí que entra o cultural. (Fonseca Soares)

3. Como é que as rádios, as televisões, os jornais, as revistas, os blogs expõem e disseminam a Cultura? E como é que a Cultura tem estado a reestruturar e a reformatar os jornais, as revistas, os blogs? As potencialidades de parte a parte estão à vista e tendem a uma harmonização, à luz do respeito pelos campos de actuação. (...) A mediatização das realidades antropológicas, ilustradas, patrimoniais (materiais e imateriais) e performativas, bem como das manifestações culturais e folclóricas, carece, ao meu modesto ver, de maior profundidade, análise e especialização. Igualmente, reconheço que os produtores, agentes e os activos da Cultura não têm estado a potenciar, a ampliar e a optimizar parcerias no campo mediático, um hiato cujo ónus também recairia sobre a cadeia produtiva da Cultura. (Filinto Elísio)

4. … para mim isto é fundamental, existe um grande e profundo constrangimento, que muitas vezes é ignorado: o financeiro. (realce nosso)
A pequena economia nacional, pouca dada a grandes investimentos publicitários, inviabiliza ou condiciona, de maneira altamente estrutural, o surgimento de projectos de comunicação social sérios e rigorosos, com um grau de independência relativo, que permita assegurar um jornalismo diferente daquele que temos agora.
Finalmente, à margem de tudo isto (e muito fica por dizer), a qualidade do trabalho realizado e apresentado ao público - o público, e não a vaidade pessoal, é o destinatário da mensagem jornalística - dependerá sempre da atitude do próprio jornalista. (Nuno Andrade Ferreira)

8 de setembro de 2010

Do Jornalismo Cultural




















nota pura 1: Depois de semanas de interregno, passei pelo blog de João Branco e deparei-me com uma entrevista que fizera a Alex Silva no Jornal A Nação. Nela encontro duas questões repetentes nas entrevistas que o autor de Café Margoso tem feito ultimamente, não sei se como jornalista ou como alguém que entende de cultura.

João Branco: Costuma-se dizer que Cabo Verde é um lugar onde os artistas nascem com demasiada facilidade por via da comunicação social...

Alex Silva: A comunicação social tem uma grande responsabilidade no actual estado de coisas. Não sabem diferenciar, não há especialização, acabam por gerar mal-entendidos. Vê-se um miúdo a tocar e temos a comunicação social a dizer que é dos melhores guitarristas de Cabo Verde. Não há pessoas formadas nessa área cultural. Especializadas nessa área. Um jornalista que muitas vezes está a entrevistar um jogador de futebol é o mesmo jornalista que vai entrevistar um artista. Acaba por ser natural que ele tenha as suas limitações.

João Branco: Isso passa pela falta de formação em jornalismo cultural...

Alex Silva: Exactamente. Ou seja, existem uma série de elementos que são importantes e não são considerados hoje. Não basta haver produção artística. Não basta que esta tenha qualidade. Tem que existir todo um acompanhamento. Na comunicação social tem que haver gente especializada. Tem que haver ao mesmo tempo curadores, tem que haver críticos, quer dizer, faltam todos estes elementos que poderiam contribuir para que pudesse haver em Cabo Verde um pensamento voltado para a arte.


nota pura 2: Nunca cheguei a perceber o que João Branco pretende alcançar sempre que se refere a uma formação em jornalismo cultural: essa afirmação é outra das situações cabo-verdianas que também provocam as suas confusões na cabeça das pessoas, e talvez seja por isso que temos assistido, impávidos e serenos, a muitos artistas a fazerem jornalismo porque entendem de cultura. Uma situação diametralmente proporcional aos jornalistas que falam de cultura sem saber do que estão a falar.

O jornalismo cultural (ainda que esteja na génese do próprio jornalismo) consta, enquanto disciplina, do currículum das escolas e faculdades de comunicação/jornalismo de todo o mundo, assim como comunicação política, comunitária, e outros campos pertinentes. A especialização de que tanto fala João Branco acontece, se quiser, a partir dessa base, começando pelo interesse do estudante, passando, posteriormente, pela dedicação do profissional, que vai depender completamente da orientação e organização das redacções. As abordagens mais densas, subjectivamente elaboradas, (para além do narrar para todos os públicos os bens culturais) entendeu-se (quando no século XVII o jornalismo tornou-se um campo) reservar aos espaços de crónica, normalmente feitos por jornalistas/escritores, artistas e críticos.

Portanto, não existem profissionais do jornalismo em Cabo Verde inacessíveis às coisas da cultura, assim como não existem incompreensões absolutas relativamente a outras matérias sociais (no senso objectivo do termo). As lacunas que existem, todos os extremos aqui apontados, são o espelho da falta de rigor, de definição e de agressividade editorial reinantes em alguns órgãos de comunicação deste país. E, mais, não é invertendo os papéis que haveremos de resolver o problema.

3 de setembro de 2010

Tarde no mar

tendresse




























A tarde é de oiro rútilo: esbraseia.
O horizonte: um cacto purpurino.
E a vaga esbelta que palpita e ondeia,
Com uma frágil graça de menino,

Pousa o manto de arminho na areia
E lá vai, e lá segue o seu destino!
E o sol, nas casas brancas que incendeia,
Desenha mãos sangrentas de assassino!

Que linda tarde aberta sobre o mar!
Vai deitando do céu molhos de rosas
Que Apolo se entretém a desfolhar...

E, sobre mim, em gestos palpitantes,
As tuas mãos morenas, milagrosas,
São as asas do sol, agonizantes...

Florbela Espanca

note pure: bonne weekend a tous mes amis