31 de outubro de 2006

No mínimo Mayra

ExampleDá a maior vontade de cravar aquele lugar comum: “você ainda vai ouvir falar de Mayra Andrade”. Como não sou bobo nem nada, vou me abster. Mas enquanto escrevo este post, o dedo coça quando volto a alguma faixa de “Navega”, o disco de estréia desta caboverdeana de 21 anos, com talento e beleza suficientes para tornar-se musa instantânea. (Como o disco foi lançado na França em julho deste ano pela Sony, tenho minhas esperanças de que aporte por aqui e, mais ainda, faço campanha para que isso aconteça o mais rápido) ...

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27 de outubro de 2006

Só pamodi bó

Só pamodi bó (um recordai pa Luís Morais) é o título de uma exposição do Mito inaugurada, ontem, na Biblioteca Municipal Orlando Ribeiro, em Lisboa. Os momentos aproveitou a deixa e ensaiou um dedo de prosa com o artista plástico.

Sendo as tuas exposições temáticas, qual o fio condutor a que assiste a todos os teus trabalhos? Haverá um tema maior que seja o denominador comum da tua Arte?
O meu bordão é a minha condição de CV e a forma de lidar com o mundo. A partir deste mote vou abordando as várias nuances desta mesma temática. Todavia, a música é um pólo sempre presente em todos eles. Podemos chamar a isto tudo: a cor do som.
O tributo a Luís Morais conota aqui a uma grande identificação com esse Artista. O que representa para ti a vida e a obra de Luís Morais?
Quando tinha os meus 4 anos (mais coisa, menos coisa), enamorei-me da música do Luís Morais, que na altura era muito popular. Ficava colado à rádio, nos serões em família, torcendo, para que tocasse uma faixa do Luís Morais. Sempre adorei a energia da música dele e, quando pela 1ª vez tive a oportunidade de o ver ao vivo, em 1974, tocando o seu instrumento às fatias, como ele fazia sempre nos shows ao vivo, fiquei extasiado. Em casa comecei a imitar o mestre, fabricando cornetas de PVC, com teia de aranha. A minha 1ª experiência pelo universo do scat, foi imitando os sons do seu clarinete.
Utilizas técnicas mistas e recursos combinados na feitura dos teus quadros. Em que medida os elementos compostos são meio ou fim da tua linguagem plástica?
Nos tempos que correm o mixed media parece ser a técnica ideal para se comunicar. Sempre utilizei todas as ferramentas q me estivessem ao dispor. Fotocópias, stencil, betão armado, computadores, os recursos são vários e todos eles servem. Por uma questão de sobrevivência, não existe em mim uma opção estanque.
És muita coisa – pintor, poeta, gráfico, fotógrafo, documentarista, enfim. Como definir o Mito em uma palavra? Já agora, um artista é definível em uma palavra? Justifica-te.
Em inglês diz-se: visual artist - uma definição particularmente feliz, para definir os propósitos da profissão de quem trabalha a imagem. Em português não soa tão bem. Artista visual em português, dá sensação de ser, quem ensina ballet aos ceguinhos, com o devido respeito aos portadores da deficiência. Por isso, digo sempre que sou um artista da imagem. Desde pequeno soube que seria um artista da imagem quando crescesse. Não sabia porém, os caminjos turtuosos a que isso me obriga a trilhar. Ter que lidar com um mundo desleal, oportunista, invejoso, desinformado, e pouco dado à reflexão. Sou apenas um artista visual, e não um insuspeitado anjo branco polifacetado.
O Mito é uma artista plástico cabo-verdiano ou apenas de Cabo Verde? Há elementos intrínsecos da cabo-verdianidade nos teus traços e na tua linguagem?
As duas coisas servem. Todo o meu trabalho é uma busca incessante da espiritualidade CV, sem no entanto, recorrer ao cromo postal ou ao zouk visual.
"Só pamodi bó" é um título enigmático. Qual a história ou a lenda por trás deste título? Estamos aqui perante um Mito a dizer algo que o mundo desconhece?
Nada que seja muito complicado ou subliminar. Apenas uma prova de amor, para alguém que sempre admirei, embora tivesse privado com ele, apenas meia dúzia de vezes. Apenas um cartão postal para o mestre Luís Morais, ele q quando se aproxima a época do natal, brinda-nos sempre com a sua música festiva. Quando se fala de boas festas, lembramo-nos todos, nem que por um instante o nosso barba branca – Luís Morais. Não me esqueço, de q no dia 8 de Maio 1995, no Mindelo, encontrei-o num boteco q fica junto do palácio do povo, onde ía inaugurar a minha exposição MITOmorfoses, convidei-o a tomar parte e confessei pra ele de que seria uma honra. Ele foi pontual, visitou a exposição, escreveu no livro de visitas e à saída deu-me um grande abraço e disse-me: BÔ Ê UM BULDÔNHE! Esta é uma forma de retribuir o amor e o carinho com q ele sempre nos brindou.
Quais são as outras causas do Mito, para além da Arte?
Família, desporto, comida vegetariana, computadores (...)

25 de outubro de 2006

O dia que passa


O percurso de alguém é feito de momentos, de emoções e de memórias. Nós somos a amálgama do que vivemos: o nosso passado, o partilharmos histórias, o encontramo-nos e o separamo-nos. Somos o que sorrimos e choramos... e tudo isso passa no tempo, sobrevivendo no nosso íntimo e nos molda para a vida.

Em verdade, somos o que vivemos e bastam pequenos sinais, sons fugazes - um halo apenas - para que haja em nós a confluência entre o passado e o presente. E nesse momento, nos apercebemos que nada passa, mas apenas adormece na bruma do tempo... na imensidão da existência, em espírito ou matéria. Os verdadeiros sentimentos perduram por toda a eternidade e se alimentam pela voz do passado.

21 de outubro de 2006

Laura ki sta mánda

Existem amigos e amigas, cujos convites funcionam como uma "doce intimação". Respondendo a um desses apelos, fui, ontem à noite, à Cidade Velha para assistir ao show do Beto Dias na “Gruta”. Era a primeira vez que ouvia falar nesse espaço, e andava curiosa com relação ao aspecto do novel empreendimento, erguido no berço das ilhas… modismos, diria.

A surpresa foi grande! O open space que pode ser um bar, um restaurante, ou outra coisa qualquer, nasceu no coração de um pedaço de rocha e sobranceia o mar, numa imponência admirável. A vista convida a uma viagem histórica transatlântica, ou não fosse a partir daquele mar o ataque do Corsário Inglês, Francis Drake, à Cidade Velha! Ao lado, entre casas e guentis di Cidade ergue-se uma pensão rústica, parte do projecto em andamento e com propósitos ambiciosos. A dona desse belíssimo empreendimento é uma jornalista italiana, com uma longa carreira na área desportiva, que depois de escrever histórias e mais histórias sobre estas ilhas, resolveu ser parte deste puzzle.

Laura reside na Cidade Velha e promove, dentre outras pérolas, autênticos bailes populares que já arrastam muita gente da Capital. O espaço "Gruta" merece um olhar demorado, porque é, no meu ponto de vista, um dos poucos projectos integradores existentes na Cidade Velha. Todos conseguem pagar pelos churrasquinhos, pelos ponches e pelos enérgicos bailes da “Gruta”.

Laura ki sta manda, dizem pelas bandas da Ribeira Grande de Santiago.

18 de outubro de 2006

Brava Cultura

A esta ilha nunca chegará a guerra,
A antítese do canto.
Aqui a beleza foi radical e silvestre
E num princípio não coube no rosto
Nem na mão
Nem na palavra


Aprecio muito o Nascimento do Mundo, obra de Mário Lúcio, que descreve com amor táctil as ilhas de Cabo Verde. Toca-me na alma esse trecho referente à Ilha Brava, terra de Eugénio Tavares, ali conhecido por Nhô Eugénio. Hoje, Dia da Cultura é forçoso fazer referência (e reverência) a essa figura, patrono da efeméride.
Os estudiosos consideram Eugénio Tavares como um dos grandes cultores da língua portuguesa, trabalhada em suas diversas formas. Exímio na prosa e no verso, mas também como polemista consequente de panfletos cívicos e políticos, ele é sem dúvida um dos nossos grandes patrimónios humanos. Era igualmente um cultor singular, senão mesmo figura modal, da língua cabo-verdiana, sobretudo nas suas defesas em prol da língua materna e nas suas composições musicais.

Eugénio Tavares considerava o reconhecimento da língua crioula, à par da portuguesa, como uma questão da cidadania. O bilinguismo que simboliza, em todos os títulos, a complementaridade do homem cabo-verdiano, mas que até hoje, apesar do discurso político, não foi assumido oficialmente.
Em verdade, Eugénio Tavares interpela-nos a um olhar não apenas historiográfico como também mítico. Entre sua gente, ele foi bem mais do que poeta, compositor ou polemista. Ele é lembrado, sobretudo, como uma figura mítica, protagonista de vários episódios lendários na ilha.

É nessa ilha, hoje marginalizada, que está a ser assinalado o Dia da Cultura, iniciativa que merece ser louvada. As inaugurações da casa/museu Eugénio Tavares e de uma estátua feita por Domingos Luísa são os pontos altos da comemoração. Um atelier cultural montado pelo Ministério da Cultura e seus institutos também faz parte do programa.

Do meu ponto de vista, creio ser pertinente analisarmos alguns sinais. Pensar efectivamente a Cultura, através dos seus vários agentes, conhecer a matriz cultural crioula, na sua diversidade e intensidade, olhar a Cultura como uma disciplina transversal e incontornável no desenvolvimento do país. Não apenas evocar de forma simplista a vertente mercantil, ou industrial, deste sector numa realidade como a nossa, em que comer e o emprego ainda são os grandes desafios.

Um recuo ao passado com a perspectiva do futuro é outro grande desafio. Perdemo-nos, muitas vezes, porque não conhecemos suficientemente o nosso passado. Não olhamos na sua plenitude legados como os de Eugénio Tavares, Pedro Cardoso, Baltazar Lopes da Silva, Amílcar Cabral e tantos outros. Precisamos cuidar dos nossos patrimónios, quer humanos, quer materiais. Com respeito e competência. Amor, principalmente.

E por que o desenvolvimento sócio integrado passa também pela Cultura, olhemos a Brava, ilha que recusa a antítese do canto, com outro senso e sentido. Um arquipélago frágil, como Cabo Verde, não pode cultivar tantas assimetrias. É desintegrador. Perigoso!

11 de outubro de 2006

Lugares


Ontem conversava com alguém sobre a emotividade. Confesso que fora uma conversa desconcertante. Susceptibilidades à parte, mas os lugares também são sujeitos de reflexão e diálogo. Ocorrem-me sempre os lugares, sobretudo aqueles que vou seleccionando como "meus lugares". São uma espécie de contrapartida aos "meus momentos". Quem sabe até sejam a mesma coisa.
Cabo-verdiana de condição, e sobretudo de opção, amo de forma muito própria os pedaços desta terra. Tenho sido recorrente, senão mesmo obstinada, no expressar o meu amor pelo Fogo, ilha que me viu nascer e crescer. Também amo, de paixão por resolver, as ilhas de Santiago, Maio e Brava. Por sinal, todas de Sotavento, mas "sem conotação alguma", como dizia o músico Cazuza.
A esses lugares, me ligam todos os sentidos a funcionar. Percepção total. Ou quase total, pois o absoluto, além de improvável, é detestável.

Guardo réstias de encontros e diálogos. Com os mais velhos. Com as histórias incríveis. Das catequeses. Das festas. Com as bandeiras e as cavalhadas. E os tambores que ainda repicam na minha lembrança…

Confessei, na referida conversa, que achava mágico o anoitecer em São Filipe. Na Ilha de Santiago, a Ribeira da Barca me faz recuar aos tempos das ligações marítimas com a ilha do Fogo. Veleiros fantásticos que sulcavam mares heróicos dos anos de antanho. Penso também no meu amor memorial pela Achada Falcão, pronunciada em quilombos, revoltas e quadras da escravatura. Talvez isso me tenha impelido a editar um documentário sobre as revoltas de Santiago. As tais razões que a Razão não explica…

Falando nisso, adoro o Porto Inglês, no Maio. O navio Essex ali parado no tempo, em escala para a longa saga da pesca da baleia. Os ianques e os cabo-verdianos, juntos, na conquista do Pacífico. No cristalino da Calheta, ainda no Maio, a aridez sisuda de Lém Tavares...a terra ulterior de Horace Silver. Aquele pianista…"The Capeverdean Blues", diria.

6 de outubro de 2006

Djarfogo na net

Ultimamente tem-se falado muito no turismo rural em Cabo Verde. Um turismo atento às especificidades locais, garante de tranquilidade, do silêncio que tanto precisamos, e de um "ar de vida" mais terra à terra. Alguns privados solitários tem dado passos nesse sentido, mas nem sempre conseguem ir longe. Há ilhas onde o transporte ainda é um problema e as infraestruturas não se adequam minimamente às exigências do turismo. Apesar disso, existem casos de sucesso. O Djarfogo, na Ilha do Fogo é um deles. Uma empresa de turismo personalizado, cujas ofertas centram-se basicamente nas valências locais. Agnelo Vieira Andrade, um filho da ilha que viveu muitos anos em Lisboa, regressou para mostrar ao mundo o que é que o Fogo tem: um património natural e construído riquíssimo, paisagens únicas, um café como poucos, e uma tranquilidade que convida a tudo de bom. Djarfogo já tem un site na Internet. Aqui, pode fazer uma visita virtual a uma das casas mais antigas da ilha, pertencente à família Vieira Andrade. O sítio à volta é fabuloso. Só vendo! A empresa também promove tours pela ilha, por circuítos vários. Quero voltar a tomar o café da manhã na Quinta das Saudade em Achada Lapa, e tenho cá uma ideia...

4 de outubro de 2006

Da imagem


Ontem assistia com prazer à entrevista do infecciologista brasileiro, Anástácio Queirós Sousa, no Jornal da Noite, da TCV. Este demonstrou ser um profissional de referência na sua área, estando de parabéns todos aqueles que estiveram por detrás da sua vinda a Cabo Verde, sobretudo nesta hora crítica para a Saúde Pública. Mas o homem surpreendeu-me também pela sua postura frente às câmaras de televisão: respostas curtas e fechadas, e sentido atento à jornalista. O entrevistado que dá respostas longas e cheias de ideias intercalares, o que se tornou norma nestas paragens, diga-se, cansa o público e quebra o ritmo da entrevista. Forçoso que se saiba que o entrevistado que olha para a câmara em vez de olhar para a jornalista está mal assessorado.

E falando em assessoria, dá para perceber que existe uma lacuna crescente nesta matéria em Cabo Verde, o que tem dado azo a outras leituras, um tanto ou quanto errôneas, do meu ponto de vista. Pessoalmente, gostaria de direcionar a atenção para a música, por exemplo. Todos os profissionais de comunicação que tiveram um mínimo de experiência no exterior (ainda que em estágio) perceberam, por exemplo, o nível de exigência marqueteiro que envolve a produção e o lançamento de um disco. Qualquer artista digno desse nome nunca pensaria em lançar um disco, sem antes ter preparado um package press e uma estratégia de mediatização do mesmo.

Não basta ser jornalista para fazer boas reportagens sobre música, sobre religião ou sobre saúde. Exige algo mais, embora a técnica profissional e domínio acadêmico sejam condições importantes. A especialização é outra coisa, e isso acontece na maioria das vezes no exercício da profissão. Mas para isso, há que existir ambiente. Ou seja, quem produz deve estar em sintonia com quem intermedeia o consumo. Uma sintonia, não necessariamente de mestre, mas sim, de parceria - tipo cada um faz a sua parte. A interdisciplinaridade e a complementaridade. Os músicos precisam de se equipar para vender o seu produto. Hoje é assim. Os jornalistas, estes devem ser interessados, muito interessados, e investigar sobre o campo, mas os músicos, os políticos, os economistas, devem, hoje mais do que nunca, equipar a sua assessoria especializada, ao invés da “deseconomia” de apontar o dedo para o vazio bizantino...do nada.

3 de outubro de 2006

Baden Powell


Todas as quintas feiras, à tardinha, o Centro cultural Francês da Praia organiza um Open Bar Café com projecções, no âmbito do Ciclo de Música Brasileira. Nesta quinta vai ser exibido o documentário Velho amigo - O Universo musical de Baden Powell. Um trabalho do realizador francês Jean Claude Guiter, velho amigo do artista. Baden Powell foi um exímio e respeitado guitarrista que conseguiu com suas pesquisas e execuções que muitos ritmos brasileiros, predominantemente de raízes negras, não caíssem no esquecimento. O documentário foi produzido durante três anos, e revela o percurso de um homem notável. Baden Powell já fez parcerias musicais com Vinícius de Morais, Pixinguinha, João da Bahiana só para citar alguns nomes. Morreu aos 63 anos, no dia 26 de Setembro de 2000.

2 de outubro de 2006

Outubro



sem margens
Roubei de ti o titulo acima, diante de uma assumida preguiça de nomear a minha livre, dir-se-ia que pássara, condição neste blog. Reservar-me ao direito de nada dizer, e sorrir apenas, quando assim me der na telha. Sorrio para as boas almas que me visitam, simplesmente.

fragmentos
Decididamente não sei se fazer anos, significa, de facto, algo nas nossas vidas. Juro que não sei. Já pensei muito neste assunto, e até já tentei ler algo a esse respeito. Nunca soube de nada. Não sei se com os anos tornamo-nos mais felizes ou infelizes, mais maduras ou amargas, mais calmas ou receosas, mais bonitas ou nem por isso. De repente, dei-me conta que não tenho grandes noções dos anos que passaram por mim. Tenho lembranças fragmentadas de momentos importantes da minha vida... também não sei se cresço com a idade. Apenas sei que do menino poeta recuso fragmentos... quero tudo, até ao fim da linha. Meus parabéns, sempre.

ainda fragmentos
A eles e elas que conseguiram surpreender.

p.s
Bem vindo Outubro. És o começo e o fim... em mim.