5 de dezembro de 2006
Para além da arte
O livro Kab Verd Band do jornalista, Carlos Gonçalves, tem como mérito trazer a questão musical da perspectiva não só de um músico, mas de um musicólogo. Diferenciar esses dois espaços terá sido o grande desafio com que o autor se terá deparado ao longo das suas pesquisas e dos seus escritos, aspecto que não deixará de saltar à vista do leitor mais atento. Abordar a música, para além da arte, mas assente na ciência, nos recoloca a novos olhares da música cabo-verdiana contemporânea. A todos os títulos, importa ler este livro, tal curiosidade levou-nos a entrevistar o seu autor.
Que razões o motivaram para um olhar científico, acrescido ao seu olhar artístico sobre a questão musical?
Esta é uma questão difícil de responder em poucas palavras. Julgo que na introdução ao livro respondo a esta questão em pormenor. Mas vou dizendo que foi um processo... primeiro fazia programas e escrevia sobre música por uma questão artística, mas a pouco e pouco foram surgindo questões e eu queria saber as respostas... E foi na procura das respostas que acabei por vestir um pouco a pele de investigador... Mas considero-me um curioso que quiz compartilhar com o grande publico muitas respostas que fui encontrando... ao longo da minha vida profissional.
Como foi o processo de pesquisa para a escrita de Kab Verd Band? Que desafios enfrentou?
Bem, Kab Verd Band é antes de mais uma compilação de muitos escritos que fui produzindo desde 1975 até sensivelmente 1996. Como digo na introdução do livro, depois de ter classificado toda a documentação que eu tinha guardado, verifiquei que faltavam algumas respostas, alguns elos.... Fui então à procura das respostas. É o caso dos capítulos sobre os géneros musicais, onde andei à procura de respostas. Mas as respostas não são definitivas, trata-se apenas do começo de uma grande aventura, pois eu esboço caminhos, indico pistas... aos mais jovens e mais curiosos que continuem à procura e a investigar.
Como encara a música cabo-verdiana nesta era contemporânea? Quais são os seus grandes desafios?
Olha toda gente anda neste momento apreensiva, com o Zouk, o Rap e o Hip Hop etc. A grande verdade é que ao longo dos tempos desde o século XIX, que esta preocupação tem perseguido a música de Cabo Verde. Mas a nossa música sempre tem resistido... digo tem digirido toda as espécie de influências e aí é que está a sua vitalidade. Devemos lembrar que a nossa cultura é fruto do cruzamento de diversas culturas, um processo que julgo continua nos nossos dias... a verdade é que as influências forçadas acabam por ser rejeitadas... é o caso de músicos que fazem experiências forçadas (tentando inovações) que não pegam... Olha lembro-me agora, num artigo escrito em meados dos anos 90, eu perguntava: Quem será o Carlos Alberto Martins dos anos 90? Qual será a próxima revoluçao? A resposta surgiu nos finais dos anos 90 com Orlando Pantera e a eclosão da moda do Batuque... Portanto, há-de surgir novidade e inovação nos próximos tempos.
A música ocupa um lugar destacado no mosaico cultural de Cabo Verde. A que se deve esta força?
Julgo que só agora é que nos tomamos consciência da força da nossa música, a potência que nós somos, porque antes, havia a noção do clássico... a literatura era arte nobre, a música nobre seria a música clássica e nós não tinhamos a música clássica, música erudita.... É após a independência que surgem movimentos, por um lado de valorização do tradicional (criar uma nova música para sair do binómio estreito Morna-Coladeira) e por outro visando criar uma música erudita ou então uma música segundo as últimas correntes estéticas em voga pelo mundo (caso de Vasco Martins que começa primeiro com o clássico "tout court" e depois se envereda por outras linguagens). Mais tarde, depois do sucesso do movimento de revalorização do tradicional (movimento Funaná) e o triunfo do "pau e corda" (Cesária e o binómio Morna-Coladeira), a força da nossa música revela-se com tal amplitude que ultrapassa outros géneros artísticos... O trabalho abnegado de muitos músicos e compositores, o seu talento, aliado a grandes intérpretes, o profissionalismo, uma abertura de horizontes e muita ousadia, julgo está na base deste destaque da música de Cabo Verde.
Lançamento: 7 de Dezembro, Quinta-Feira, 18:30, Centro Cultural Português
Apresentadores: Manuel Brito Semedo e José Maria Semedo
Edição: Arquivo Histórico Nacional
Distribuição: Biblioteca Nacional
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