31 de agosto de 2004

26 de agosto de 2004

ILHA

Tu vives — mãe adormecida —
nua e esquecida,
seca, fustigada pelos ventos,
ao som de músicas sem música
das águas que nos prendem…

Ilha:
teus montes e teus vales
não sentiram passar os tempos
e ficaram no mundo dos teus sonhos
— os sonhos dos teus filhos —
a clamar aos ventos que passam,
e às aves que voam, livres,
as tuas ânsias!

Ilha:
colina sem fim de terra vermelha
— terra dura —
rochas escarpadas tapando os horizontes,
mas aos quatro ventos prendendo as nossas ânsias!

Amilcar Cabral



E AGORA?

Jornalista que se preza não perde viagem. Se a pauta fracassa, o profissional procura um tema para não voltar à redação de mãos vazias. Há casos em que a notícia nova é melhor que a pautada. Por conta desta regra não escrita, entrou na galeria dos casos pitorescos da imprensa a história de um repórter de esporte que, em 1965, foi cobrir um jogo do Santos na Argélia. O país, que se libertara do jugo francês em memorável revolta, celebrada no filme A Batalha de Argel, do cineasta Gillo Pontecorvo, ainda era presidido por Ahmed Ben Bella. Ex-guerrilheiro, governante de orientação socialista, Ben Bella era, como Fidel Castro hoje, assunto obrigatório da imprensa. Mas as coisas não saíram conforme a pauta. Surpreendido por um golpe de Estado, o repórter telegrafou para a redação:– Jogo adiado. Ben Bella caiu.

Ao pesquisar sobre o argelino, Ahmed Ben Bella encontrei esta pérola...

23 de agosto de 2004

HISTÓRIA, Dire Straits... uma dentre tantas outras da minha banda preferida

Com uma harmonia perfeita de guitarra, teclados, bateria e músicas originais o DIRE STRAITS coloca o seu nome na história como uma das maiores bandas de todos os tempos.
Tudo começa quando os irmão Mark e David Knopfler resolvem formar uma banda de rock um tanto diferente das demais (pois estavam na época da plenitude do punk rock). Até então MK já tinha tido outras experiências em outras bandas (na época de formação da banda MK era um professor de inglês) e DK era funcionario público. David(guitarra), Mark(guitarra e vocal), John Illsley(baixo) e Pick Withers(bateria) que se integraram ao grupo, formaram uma banda chamada Cafe Racers que mais tarde passou a se chamar DIRE STRAITS. Juntos fizeram uma demo que incluia um, até então, futuro sucesso do grupo "Sultans of Swing", mais tarde assinaram com o selo Vertigo e conheceram Ed Bicknell que seria o empresária da banda brevemente. Logo lançaram em 1977 o seu primeiro álbum que intulava-se com o nome do grande sucesso da banda que já fora dito aqui.
Em 1979 lançaram o Communiqué que se tornou um sucesso ainda maior do que foi o primeiro alcançando o TOP 10 nos EUA. Após o lançamento deste albúm um dos irmãos Knopfler sai da banda, David, e no seu lugar entra Hal Lindes e junto com ele entra o tecladista Alan Clark. Com essa formação fazem o álbum Making Movies embalado pelos hits Romeo and Juliet e Tunnel of Love, apesar da presença marcande de Romeo and Juliet nas paradas o disco não repete o sucesso.
Em 1982 a banda lança Love Over God que chega a ser o nº 1 nas paradas inglesas e americanas, Terry Willians assume a bateria. Em 1983 MK lança Local Hero e mais tarde a banda lança o compacto Twisting by the Pool. A exemplo de outros lançamentos a banda segue fazendo turnês aonde chegam a bater recordes de público. Em 1984 a banda lança o duplo ao vivo Alchemy que chega a ter um sucesso expressivo (Guy Fletcher integra-se a banda como 2º tecladista). Inicia-se na banda uma produção de vídeos que tem um incentivo maior por parte da MTV.
Em 1985 a banda lança o álbum de maior sucesso de sua carreira e um dos melhores álbuns já de todos os tempos, Brothers in Arms que inova em tecnologia (lançado em CD) e emplaca como o disco mais vendido em todo mundo na época e um dos mais vendidos de todos os tempos consolidando o DIRE STRAITS como uma das maiores bandas de todos os tempos. As músicas do álbum quase todas estoram como grandes sucessos, inclusive Money for Nothing que emplaca com o clip que mais vezes passou na MTV, recordes de público, vendagem e audiência, a banda realiza tantas turnês que se torna a banda que mais tempo realizou turnês no mundo até então (221 shows em 366 dias). Neste álbum a banda tem um novo guitarrista Jack Sonni e um saxofonista, Chris White.
Depois do enorme sucesso de Brothers in Arms a banda dá uma parada e volta a gravar em 1990 (não contando alguns álbuns por fora de integrantes, compactos e trilhas sonoras) com o álbum On Every Street. A banda prossegue com as turnês que resulta no álbum ao vivo On The night. Em 1996 Mark Knopfler encerrou de vez com a banda (mas ninguém tem certeza mesmo), MK seguiu fazendo carreira solo onde dentre os ex-integrantes vem se destacando.

In: dedilhos de um fan algures neste vasto mundo cibernético

22 de agosto de 2004

Mais um disco de Beto Dias


O quarto CD a sólo do artista cabo-verdiano, Beto Dias, já está entre nós. ”Quase Perfeito” é o título. Um disco de 10 faixas essencialmente romântico que desnuda um artista sentimental e firme nas suas composições. Uma firmeza que também encontrou tradução na expressão vocal do artista.
Neste disco Beto Dias segue a sua linha habitual interpretando funaná, kolazouk e música lenta, todas da sua autoria.
Beto Dias do seu nome próprio Alberto Dias vai estar provavelmente no final do mês de Setembro em Cabo Verde para a divulgação do seu mais recente álbum, “Quase Perfeito”. O álbum chegou a Cabo Verde esta semana e já é presença frequente nas rádios nacionais. “Quase perfeito” é para Beto Dias mais um passo na busca incessante da perfeição, ainda que seja inatingível para o artista. Em entrevista a partir de Holanda à RCV, Dias, assumiu este axioma como parte do percurso do artista e da sua obra.
Neste disco, Beto dias prioriza ritmos como funaná, música lenta, colazouk de que a música “Quase perfeito” é exemplo acabado.
A produção deste trabalho esteve a cargo de Manuel da Silva da Kings Record, a produtora oficial do artista, e a qualidade dos arranjos, além de Dias contou com o forte empenho do baixista Danilo Tavares, o companheiro de sempre de Beto Dias desde as andanças do grupo “Rabelados” que deu o seu último espectáculo em Cabo Verde em 1996.
A contribuição de Beto Dias para a música cabo-verdiana na diáspora, vem desde a década de 80. Dias foi um dos fundadores do grupo “Rabelados”, um dos primeiros conjuntos da diáspora que, sem complexos, assumiu e trouxe ao público destas ilhas o funaná estilizado como marca.
Beto Dias conta já com quatro discos, a solo, “Sodadi”, “Sol Harmonia e Fé”, “Nós 2”, e “Quase Perfeito”. Os seus trabalhos com marca de originalidade com relação a alguns artistas jovens, residentes na diáspora, são esperados e apreciados por jovens e adultos. A cada lançamento, Beto Dias brinda o público cabo-verdiano com a sua voz firme e bonita e com composições que tocam a alma do mais simples camponês ao mais exigente dos cosmopolitas. O Jovem artista cabo-verdiano nasceu na Ribeira das Pratas no Concelho do Tarrafal, Ilha de Santiago e reside na Holanda há mais de duas décadas.

Margarida Fontes ( Num domingo, num momento, num lugar... )

19 de agosto de 2004

ENTREVISTA RELÂMPAGO COM PABLO NERUDA

Cheguei à porta do edifício de apartamentos onde mora Rubem Braga e onde Pablo Neruda e sua esposa Matilde se hospedavam - cheguei à porta exatamente quando o carro parava e retiravam a grande bagagem dos visitantes. O que fez Rubem dizer: "É grande a bagagem literária do poeta". Ao que o poeta retrucou: "Minha bagagem literária deve pesar uns dois ou três quilos".
Neruda é extremamente simpático, sobretudo quando usa o seu boné ("tenho poucos cabelos, mas muitos bonés"). Não brinca porém em serviço: disse-me que se me desse a entrevista naquela noite mesma só responderia a três perguntas, mas se no dia seguinte de manhã eu quisesse falar com ele, responderia a maior número. E pediu para ver as perguntas que eu iria fazer. Inteiramente sem confiança em mim mesma, dei-lhe a página onde anotara as perguntas, esperando só Deus sabe o quê. Mas o quê foi um conforto. Disse-me que eram muito boas e que me esperaria no dia seguinte. Saí com alívio no coração porque estava adiada a minha timidez em fazer perguntas. Mas sou uma tímida ousada e é assim que tenho vivido, o que, se me traz dissabores, tem-me trazido também alguma recompensa. Quem sofre de timidez ousada entenderá o que quero dizer.
Antes de reproduzir o diálogo, um breve esboço sobre sua carga literária. Publicou Crepusculário quando tinha 19 anos. Um ano depois publicava Vinte poemas de amor e uma canção desesperada, que até hoje é gravado, reeditado, lido e amado. Em seguida escreveu Residência na terra, que reúne poemas de 1925 a 1931, em fase surrealista. A terceira residência, com poemas até 1945, é um intermediário com uma parte da Espanha no coração, onde é chorada a morte de Lorca, e a guerra civil em geral que o tocou profundamente e despertou-o para os problemas políticos e sociais. Em 1950, Canto geral, tentativa de reunir todos os problemas políticos, éticos e sociais da América Latina. Em 1954: Odes elementares, em que o estilo fica mais sóbrio, buscando simplicidade maior, e onde se encontra, por exemplo, Ode à cebola. Em 1956, novas odes elementares que ele descobre nos temas elementares que não tinham sido tocados. Em 1957, Terceiro livro das odes, continuando na mesma linha. A partir de 1958, publica Estravagario, navegações e regressos, Cem sonetos de amor, Contos cerimoniais e Memorial de Isla Negra.
No dia seguinte de manhã, fui vê-lo. Já havia respondido às minhas perguntas, infelizmente: pois, a partir de uma resposta, é sempre ou quase sempre provocada outra pergunta, às vezes aquela a que se queria chegar. As respostas eram sucintas. Tão frustrador receber resposta curta a uma pergunta longa.
Contei-lhe sobre a minha timidez em pedir entrevistas, ao que ele respondeu: "Que tolice!"
Perguntei-lhe de qual de seus livros ele mais gostava e por quê. Respondeu-me:
- Tu sabes bem que tudo o que fazemos nos agrada porque somos nós - tu e eu - que o fizemos.
- Você se considera mais um poeta chileno ou da América Latina?
- Poeta local do Chile, provinciano da América Latina.
- O que é angústia? - indaguei-lhe.
- Sou feliz - Foi a resposta.
- Escrever melhora a angústia de viver?
- Sim, naturalmente. Trabalhar em teu ofício, se amas teu ofício, é celestial. Senão é infernal.
- Quem é Deus?
- Todos, algumas vezes. Nada, sempre.
- Como é que você descreve um ser humano o mais complexo possível?
- Político, poético. Físico.
- Como é uma mulher bonita?
- Feita de muitas mulheres.
- Escreva aqui o seu podema predileto, pelo menos predileto neste exato momento?
- Estou escrevendo. Você pode esperar por mim dez anos?
- Em que lugar gostaria de viver, se não vivesse no Chile?
- Acredite-me tolo ou patriótico, mas eu há algum tempo escrevi um poema:
Se tivesse que nascer mil vezes.Ali quero nascer.Se tivesse que morrer mil vezes.Ali quero morrer...

- Qual foi a maior alegria que teve pelo fato de escrever?
- Ler a minha poesia e ser ouvido em lugares desolados: no deserto aos mineiros do norte do Chile, no Estreito de Magalhães aos tosquiadores de ovelha, num galpão com cheiro de lã suja, suor e solidão.
- Em você o qeu precede a criação, é a angústia ou um estado de graça?
- Não conheço bem esses sentimentos. Mas não me creia insensível.
- Diga alguma coisa que me surpreenda.
- 748.
(E eu realmente surpreendi-me, não esperava uma harmonia de números).
- Você está a par da poesia brasileira? Quem é que você prefere na nossa poesia?
- Admiro Drummond, Vinícius e aquele grande poeta católico, claudelino, Jorge de Lima. Não conheço os mais jovens e só chego a Paulo Mendes Campos e Geir Campos. O poema que me agrada é o "Defunto", de Pedro Nava. Sempre o leio em voz alta aos meus amigos, em todos os lugares.
- Que acha da literatura engajada?
- Toda literatura é engajada.
- Qual de seus livros você mais gosta?
- O próximo.
- A que você atribui o fato de que os seus leitores acham você o 'vulcão da América Latina'?
- Não sabia disso, talvez eles não conheçam os vulcões.
- Qual é o seu poema mais recente?
- "Fim do Mundo". Trata do século XX.
- Como se processa em você a criação?
- Com papel e tinta. Pelo menos essa é a minha receita.
- A crítica constrói?
- Para os outros, não para o criador.
- Você já fez algum poema de encomenda? Se o fez faça um agora, mesmo que seja um bem curto.
- Muitos. São os melhores. Este é um poema.
- O nome Neruda foi casual ou inspirado em Juan Neruda, poeta da liberdade tcheca?
- Ninguém conseguiu até agora averiguá-lo.
- Qual é a coisa mais importante do mundo?
- Tratar de que o mundo seja digno para que todas as vidas humanas, não só para algumas.
- O que é que você mais deseja para você mesmo como indivíduo?
- Depende da hora do dia.
- O que é amor? Qualquer tipo de amor.
- A melhor definição seria: o amor é o amor.
- Você já sofreu muito por amor?
- Estou disposto a sofrer mais.
- Quanto tempo gostaria você de ficar no Brasil?
- Um ano, mas depende de meus trabalhos.
E assim terminou uma entrevista com Pablo Nerudo. Antes falasse ele é mais. Eu poderia prolongá-la quase que indefinidamente, mesmo recebendo como resposta uma única seta de resposta. Mas era a primeira entrevista que ele dava no dia seguinte à sua chegada, e sei quanto uma entrevista pode ser cansativa. Espontaneamente, deu-me um livro. Cem sonetos de amor. E depois de meu nome, na dedicatória, assinou: "De seu amigo Pablo". Eu também sinto que ele poderia se tornar meu amigo, se as circunstâncias facilitassem. Na contracapa do livro diz: "Um todo manifestado com uma espécie de sensualidade casta e pagã: o amor como uma vocação do homem e a poesia como sua tarefa".
Eis um retrato de corpo inteiro de Pablo Neruda nestas últimas frases.

Clarice Lispector

16 de agosto de 2004

Esses são os momentos...

A entrevista com Vinícius foi feita pela escritora brasileira, Clarice Lispector...Tão de repente Clarice também entrevistou Pablo Neruda no Brasil, certa vez....
Nota de momentos

Entrevista com Vinícius de Morais

VINÍCIUS DE MORAIS
"Detesto tudo que oprime o homem, inclusive a gravata."


MULHER, POESIA, MÚSICA

- Vinícius, acho que vamos conversar sobre mulheres, poesia e música. Sobre mulheres porque corre a fama de que você é um grande amante. Sobre poesia porque você é um dos nossos grandes poetas. Sobre música porque você é o nosso menestrel. Vinícius, você amou realmente alguém na vida? Telefonei para uma das mulheres com quem você casou, e ela disse que você ama tudo, a tudo você se dá inteiro: a crianças, a mulheres, a amizades. Então me veio a idéia de que você ama o amor, e nele inclui as mulheres.
- Que eu amo o amor é verdade. Mas por esse amor eu compreendo a soma de todos os amores, ou seja, o amor de homem para mulher, de mulher para homem, o amor de mulher por mulher, o amor de homem para homem e o amor de ser humano pela comunidade de seus semelhantes. Eu amo esse amor mas isso não quer dizer que eu não tenha amado as mulheres que tive. Tenho a impressão que, àquelas que amei realmente, me dei todo.
- Acredito, Vinícius. Acredito mesmo. Embora eu também acredite que quando um homem e uma mulher se encontram num amor verdadeiro, a união é sempre renovada, pouco importam as brigas e os desentendimentos: duas pessoas nunca são permanentemente iguais e isso pode criar no mesmo par novos amores.
- É claro, mas eu ainda acho que o amor que constrói para a eternidade é o amor paixão, o mais precário, o mais perigoso, certamente o mais doloroso. Esse amor é o único que tem a dimensão do infinito.
- Você já amou desse modo?
- Eu só tenho amado desse modo.
- Você acaba um caso porque encontra outra mulher ou porque se cansa da primeira?
- Na minha vida tem sido como se uma mulher me depositasse nos braços de outra. Isso talvez porque esse amor paixão pela sua própria intensidade não tem condições de sobreviver. Isso acho que está expresso com felicidade no dístico final do meu soneto "Fidelidade": "que não seja imortal posto que é chama / mas que seja infinito enquanto dure".
- Você sabe que é um ídolo para a juventude? Será que agora que apareceu o Chico, as mocinhas trocaram de ídolo, as mocinhas e os mocinhos?
- Acho que é diferente. A juventude procura em mim o pai amigo, que viveu e que tem uma experiência a transmitir. Chico não, é ídolo mesmo, trata-se de idolatria.
- Você suporta ser ídolo? Eu não suportaria.
- Às vezes fico mal-humorado. Mas uma dessas moças explicou: é que você, Vinícius, vive nas estantes dos nossos livros, nas canções que todo mundo canta, na televisão. Você vive conosco, em nossa casa.
- Qual é a artista de cinema que você amaria?
- Marilyn Monroe. Foi um dos seres mais lindos que já nasceram. Se só exisitisse ela, já justificaria a existência dos Estados Unidos. Eu casaria com ela e certamente não daria certo porque é difícil amar uma mulher tão célebre. Só sou ciumento fisicamente, é o ciúme de bicho, não tenho outro.
- Fale-me sobre sua música.
- Não falo de mim como músico, mas como poeta. Não separo a poesia que está nos livros da que está nas canções.
- Vinícius, você já se sentiu sozinho na vida? Já sentiu algum desamparo?
- Acho que sou um homem bastante sozinho. Ou pelo menos eu tenho um sentimento muito agudo da solidão.
- Isso explicaria o fato de você amar tanto, Vinícius.
- O fato de querer me comunicar tanto.
- Você sabe que admiro muito seus poemas, e, mais do que gostar, eu os amo. O que é a poesia para você?
- Não sei, eu nunca escrevo poemas abstratos, talvez seja o modo de tornar a realidade mágica aos meus próprios olhos. De envolvê-la com esse tecido que dá uma dimensão mais profunda e conseqüentemente mais bela.
- Reflita um pouco e me diga qual é a coisa mais importante do mundo, Vinícius?
- Para mim é a mulher, certamente.
- Você quer falar sobre sua música? Estou esperando.
- Dizem, na minha família, que eu cantei antes de falar. E havia uma cançãozinha que eu repetia e que tinha um leve tema de sons. Fui criado no mundo da música, minha mãe e minha avó tocavam piano, eu me lembro de como me machucavam aquelas valsas antigas.
- Meu pai também tocava violão, cresci ouvindo música. Depois a poesia fez o resto.
Fizemos uma pausa. Ele continuou:
- Tenho tanta ternura pela sua mão queimada...
(Emocionei-me e entendi que este homem envolve uma mulher de carinho.) Vinícius disse, tomando um gole de uísque:
- É curioso, a alegria não é um sentimento nem uma atmosfera de vida nada criadora. Eu só sei criar na dor e na tristeza, mesmo que as coisas que resultem sejam alegres. Não me considero uma pessoa negativa, quer dizer, eu não deprimo o ser humano. É por isso que acho que estou vivendo num momento de equilíbrio infecundo do qual estou tentando me libertar. O paradigma máxima para mim seria: a calma no seio da paixão. Mas realmente não sei se é um ideal humanamente atingível.
- Como é que você se deu dentro da vida diplomática, você que é o antiformal por excelência, você que é livre por excelência?
- Acontece que detesto tudo o que oprime o homem, inclusive a gravata. Ora, é notório que o diplomata é um homem que usa gravata. Dentro da diplomacia fiz bons amigos até hoje. Depois houve outro fato: as raízes e o sangue falaram mais alto. Acho muito difícil um homem que não volta ao seu quintal, para chegar ou pelo menos aproximar-se do conhecimento de si mesmo.
- Como pessoa, Vinícius, o que é que desejaria alcançar?
- Eu desejaria alcançar outra coisa. Isso de calma no seio da paixão. Mas desejaria alcançar uma tal capacidade de amar que me pudesse fazer útil aos meus semelhantes.
- Quero lhe pedir um favor: faça um poema agora mesmo. Tenho certeza de que não será banal. Se você quiser, Menestrel, fale o seu poema.
- Meu poema é em duas linhas: você escreve uma palavra em cima e outra embaixo porque é um verso.
É assim:
Clarice Lispector
- Acho lindo o teu nome, Clarice.
- Você poderia me dizer quais as maiores emoções que já teve? Eu, por exemplo, tive tantas e tantas, boas e péssimas, que não ousaria falar delas.
- Minhas maiores emoções foram ligadas ao amor. O nascimento de filhos, as primeiras posses e os últimos adeuses. Mesmo tendo duas experiências de quase morte - desastre de avião e de carro - mesmo essa experiência de quase morte nem de longe se aproximou dessas emoções de que te falei.
- Você se sente feliz? Essa, Vinícius, é uma pergunta idiota, mas que eu gostaria que você respondesse.
- Se a felicidade existe, eu só sou feliz enquanto me queimo e quando a pessoa se queima não é feliz. A própria felicidade é dolorosa.
Meditamos um pouco, conversamos mais ainda., Vinícius saiu.
Então telefonei para cada uma das esposas de Vinícius.
- Como é que você se sente casada com Vinícius?
Ela respondeu com aquela voz que é um murmúrio de pássaro:
- Muito bem. Ele me dá muito. E mais importante do que isso, ele me ajuda a viver, a conhecer a vida, a gostar das pessoas.
Depois conversei com uma mocinha inteligente:
- A música de Vinícius, disse ela, fala muito de amor e a gente se identifica sempre com ela.
- Você teria um 'caso' com ele?
- Não, porque apesar de achar Vinícius amorável, eu amo um outro homem. E Vinícius me revela ainda mais que eu amo aquele homem. A música dele faz a gente gostar ainda mais do amor. E "de repente, não mais que de repente", ele se transforma em outro: e é o nosso poetinha como o chamamos.
Eis pois alguns segredos de uma figura humana grande e que vive a todo risco. Porque há grandeza em Vinícius de Morais.


13 de agosto de 2004

"Jornalistas comprados com simples nota de 100 dólares”

O SECRETÁRIO-GERAL do Sindicato dos Jornalistas Angolanos, o antigo jornalista da RDP-África Ismael Mateus, lamentou a falta de consciência profissional que torna a classe vulnerável a pressões, defendendo que os jornalistas devem ter uma "formação superior" que garanta condições para o exercício da profissão.

Ismael Mateus fez estas declarações a propósito da convocação dum congresso extraordinário do sindicato, a realizar entre 15 e 17 de Novembro, cerca dum ano antes de terminar o mandato da actual direcção.

"A classe jornalística angolana está vulnerável porque não possui consciência profissional. As pessoas são compradas com uma simples nota de 100 dólares, e isso fragiliza a classe", afirmou Ismael Mateus Para o dirigente sindical, a situação poderia ser diferente se os jornalistas possuíssem formação superior e se existisse uma carteira profissional "que permitisse saber quem é jornalista e quem não é".

"Os profissionais não estão bem preparados, porque lhes falta uma formação superior", frisou.

O actual secretário-geral do sindicato anunciou que não tenciona recandidatar-se ao cargo, mas manifestou esperança de que o seu sucessor possa "continuar o trabalho desenvolvido para bem da classe".

A expansão do sindicato a todo o país, a publicação da Lei de Imprensa e a definição do estatuto dos jornalistas e do código deontológico são, na opinião de Ismael Mateus, as tarefas em que a próxima direcção deve empenhar-se.

Relativamente ao próximo congresso, o dirigente sindical salientou que ele vai permitir "um debate em torno dos actuais desafios da classe face às grandes questões nacionais".

"Vamos analisar o desenvolvimento da comunicação social no país e suas perspectivas para o futuro, fazendo também uma abordagem exaustiva das condições económicas dos jornalistas", disse.

Segundo Ismael Mateus, a sindicalização dos jornalistas será outra questão em análise no congresso.

O sindicato tem actualmente cerca de 1.500 profissionais inscritos.