31 de outubro de 2007

Traduzir-se

Uma parte de mim é todo mundo:
outra parte é ninguém:
fundo sem fundo.

Uma parte de mim é multidão:
outra parte estranheza e solidão.

Uma parte de mim pesa, pondera:
outra parte delira.

Uma parte de mim almoça e janta:
outra parte se espanta.

Uma parte de mim é permanente:
outra parte se sabe de repente.

Uma parte de mim é só vertigem:
outra parte, linguagem.

Traduzir uma parte na outra parte
- que é uma questão de vida ou morte –
Será arte?

Gullar em mim

Sei que me repito. A matéria da matéria é inalienável, e pouco ou nada muda, dependendo do ínfimo dos ventos. Na permanência da dor, procuro os meus, entre a vida e a morte, onde tu estás...

Traduzir-se (poema de Ferreira Gullar-foto-)
Gullar em mim (a minha declaração de amor)

27 de outubro de 2007

Cinema, Geo traffic...

ExampleDepois da morte do sueco Ingman Bergman(foto), e do italiano Michelangelo Antonioni, associada a outras perdas na sétima arte, instalou-se o debate sobre o futuro do cinema. A arena tem estado aberta a prognósticos: o futuro, os essenciais, quem serão os futuros Buñuel, Bergman, Hitchcock e Godard do cinema? A última edição da revista brasileira Bravo! Aposta em 10 nomes, tendo David Lynch à cabeça. Quentin Tarantino e Pedro Almodôvar fazem parte dessa lista, sendo a argentina Lucrécia Martel (com apenas duas longas) a única mulher do grupo. Um dos fóruns a estender esse debate é a 31ª Mostra Internacional de Cinema em S. Paulo – 19 a 1º de Novembro com 300 filmes em cartaz.

Entre nós

O primeiro e único filme de ficção rodado em Cabo-Verde com a total presença de actores cabo-verdianos e realizado por uma cabo-verdiana tem suscitado debates, e dividido opiniões. As opiniões têm movido por terrenos estéticos, em torno da pertinência do argumento, e um pouco da qualidade narrativa. A actuação dos actores (todos amadores) tem sido parcialmente poupada. Como ainda não tive a oportunidade de ver mais esse trabalho da Realizadora Ana Lisboa, demito-me dos conteúdos, e remeto os meus amigos leitores aos debates que acontecem aqui, aqui e aqui. Abraçando a atitude, nunca deixaria de frisar a ousadia de Ana Lisboa, por ter tido a coragem de levantar a bandeira da ficção nestas ilhas. Um terreno onde a perspicácia de um realizador é apenas um grão de milho, uma semente, se quisermos. Antes de tudo, parabéns Ana!

Geo traffic

Nos últimos dias tenho acompanhado através deste mapa a origem e a frequência das visitas a este blog. É interessante fazer notar que o Brasil está no topo da lista, a rondar, em média, os 40 % das visitas. A seguir vem Portugal, e depois Cabo Verde com uma média de 25% e 19 %, respectivamente. Visitas da Grécia, do Vaticano e da Ucrânia também são de notar, sem descurar os países mais próximos, da Europa e da África. Importa evidenciar que esta ferramenta da Freedjit mostra os caminhos, tanto de chegada como de partida, percorridos pelos internautas. Esse motor tipifica ainda as visitas expressas ao blog e “os encontros”, por acaso, através dos sites de busca. São elementos importantes a reter, caso alguém se interesse em aprofundar estudos sobre os conteúdos dos blog´s entre nós.

26 de outubro de 2007

Tcheka lança Lonji
















Depois de Argui, e Nu Monda, Tcheka lança Lonji, o terceiro disco de uma carreira de cinco anos. Um trabalho marcadamente acústico, de voz, percussão e guitarra que nos transporta a paisagens reais. Realidades matizadas, recortadas por Tcheka, através de um lirismo poético original. São 14 temas, todos compostos por Tcheka que deixam a nu vivências. Como a faixa Primeru Bes Kin ba Cinema, por exemplo. Lirismo que nos remete à infância deste músico, nascido na Ribeira da Barca.
Lonji foi produzido inteiramente pelo nomeado nome do rock acústico brasileiro, Lenine. De recordar que em Novembro de 2005 noticiamos aqui o encontro desse músico com o Tcheka.
A aposta de Lenine neste artista, que além de produzir Lonji, meteu voz na música Telemóvel, atesta o prestígio de Tcheka fora de Cabo Verde.
Lonji foi gravado em estúdios brasileiros de prestígio como Nas Nuvens e Toca do Bandido, e contou com a participação de nomes sonantes da música desse pais.

25 de outubro de 2007

Assine esta petição

Um artista da Costa Rica, Guillermo Habacuc Vargas, expôs um cão vadio faminto numa galeria de arte. Ninguém o alimentou ou lhe deu água e morreu durante a exposição. Guillermo Habacuc Vargas foi o artista escolhido para representar o seu país na "Bienal Centroamericana Honduras 2008". Existe uma petição onde é pedido que ele não receba este prémio. Por favor acesse esta página e assine a petição preenchendo o seu nome, e-mail, localidade e país. Acesse também um dos links onde esta história pode ser lida.

Um e-mail assinado por Filipe Moreira da Culturgest.pt

24 de outubro de 2007

Slow Food em Santo Antão
















Há uns tempos, albatrozberdiano fez um post sobre a associação internacional Slow Food, fundada em 1986. No ano passado fiz uma nota sobre o mesmo assunto. O movimento cujas raízes estão em Roma, congrega cerca de 100.000 pessoas no seu seio, e está presente em 104 países e nos cinco continentes. Promove a educação do gosto, luta pela preservação da biodiversidade agrícola, organiza manifestações, publica livros, revistas, e como o próprio nome indicia combate o Fast Food.
Em África, a Slow Food está presente em seis países, e acaba de chegar a Cabo Verde. Um dos seus objectivos é apoiar pequenos agricultores na preservação da produção artesanal de qualidade, garantindo, ao mesmo tempo, o futuro da comunidade local.
O queijo de cabra produzido no planalto da Bolona, em Santo Antão, vai ser o primeiro convivium (expressão da filosofia da associação) da Slow Food em Cabo Verde. Bolona é uma área montanhosa e árida; os queijos são produzidos com técnicas artesanais (com o mínimo de água possível), em condições ambientais muito adversas, e são pouco conhecidos.
A intervenção da Associação Slow Food consistirá no aperfeiçoamento da técnica de feitura do queijo, mantendo o sabor, e vai contribuir para o conhecimento deste produto no mundo. Ao criar um circuito comercial para o queijo de Bolona, a associação estará a garantir a permanência das pessoas na localidade.
O projecto de Bolona é financiado pela Região de Piemonte, Itália, e pelo programa do melhoramento da produção agro-zootécnica na Ilha de Santo Antão. O trabalho técnico será executado pelo Departamento de Patologia Animal da Universidade de Torino, cuja missão chega a Santo Antão no próximo mês.
De recordar que outra iniciativa, igualmente de Santo Antão, (transformação de alimentos em Lajedos), esteve presente, este ano, numa feira mundial promovida pela Slow Food em Itália.

22 de outubro de 2007

Tangibilidades


















O mesmo cão peludo jogado a seus pés e aquele menino eterno que lhe pertence. A semana que começa quase sempre igual: melancólica, flutuante, intrigante, sem incisão. Diferente é a poesia, a música, e (l´amore ci cambia la vita): são sempre outros. Os caminhos também são novos, difinem-se sob perspectivas surpreendentes, fugindo da contramão. Uma vida normal... e propriamente especial.

Melancolia

Estado de alma (também físico) que nos deixa pouco actuantes, imobilizantes, aparentemente tristes, e nada espontâneos. Doce a melancolia que da saudade vive.

19 de outubro de 2007

Uma viagem espiritual

Um outro texto que ontem escrevi sobre este mesmo assunto, para um público diferente, leva, entretanto, o mesmo título, por razões que espero venha o leitor apreender.
O primeiro contacto, o primeiro choque: Centro missionário dos Capuchinhos na Cidade de Fossano, Itália. Pessoas, entre missionários e profissionais, que trabalham exclusivamente para Cabo Verde. Fazem tudo para manter dezenas de Jardins de Infância criados e patrocinados pelos Padres Capuchinhos. A falta de medicamentos, ou a avaria dos equipamentos no Hospital São Francisco, na cidade de São Filipe, na ilha do Fogo, mobiliza de imediato a equipa que empreende esforços faraónicos para solucionar os problemas. O trabalho periódico e voluntário dos médicos especializados para esse centro hospitalar, fundamental para a região Fogo e Brava, é outra ocupação dessa equipa que trabalha por Cabo Verde, sem falar das dezenas de jovens a especializarem-se e a formarem-se nas Universidades Italianas a cargo desse secretariado. A vinha de Chã das Caldeiras, o Centro social de Santa Cruz (na ilha de Santiago), o projecto em prol da energia renovável para Cabo Verde e a criação de uma produtora de televisão (Praia) são ideias novas que energizam o quotidiano dessa gente, soberanamente humana. Essa missão em Itália (gestão de projectos, financiamentos) faz a ponte local com a ASD (Associação para o Desenvolvimento), de cariz mais operacional.
A nossa viagem teve por objectivo conhecer os fundamentos de um projecto de fundação de uma produtora de televisão em Cabo Verde. O nosso primeiro projecto já está na forja: um documentário que conta a história incomensurável dos 60 anos de missão dos Capuchinhos em Cabo Verde. Um projecto espiritual imparável. Essa congregação religiosa, muito aberta e profundamente humana, fundou na Itália, há 25 anos, a Nova T, um centro de produção com centenas de produções documentais em países diversos, e com experiências também na área de ficção. A título de curiosidade, diria que o edifício que alberga a Nova T em Turim foi uma paróquia, onde Dom Bosco dispunha de um quarto para os seus momentos de repouso. Estamos em tempos medievais...

Mais do que experiências subjectivas, entendi ser pertinente dar a conhecer essa energia positiva que existe na região de Piemonte, Itália, em direcção a Cabo Verde. São famílias, personalidades, instituições que aprenderam a gostar destas ilhas e consideram-nas suas segundas casas.

Na volta

Escuto sem parar Danielle Pino, Renato Zero, Antonello Venditti, Luigi Tenco. Comigo veieram Per Nascere son nato de Pablo Neruda, e Le Settimane Sociali (1907 – 2007), Un confronto per la crescida dell, Itália, de Giovanni Quaglia . Outros momentos…

9 de outubro de 2007

Intangibilidades

1.
Repetidas vezes, em situações indefinidas, pensei em mudar de blog e trilhar novos caminhos no universo virtual, mas, quase sempre, dei conta das possibilidades de abordagens temáticas que este blog me permite, devido ao seu lato nome. Uma simplicidade que atravessa as minhas expressões mais existênciais, mas nem por isso se demite do circulo mais ao largo. Aqui já escrevi sobre tudo. Marcadamente sobre as minhas paixões: o jornalismo, a imagem, a poesia, a História, as estórias, a música, o cinema, a literatura, a minha ilha, o meu arquipélago e Salvador da Bahia. Nos próximos dias escreverei mais sobre o turismo e o ambiente. Primeiramente, por razões profissionais, mas também por uma necessidade imperativa de continuar a olhar e a tematizar as pequenas coisas. Penso igualmente levar estes momentos para outros espaços, falar para outros leitores, pensar em novos ângulos, com a condição de continuarem a ser apenas simples momentos.
2.
Durante uma semana, não garanto a minha presença nesta página, embora prometa esforçar-me para isso. Dentre outras coisas, terei o enorme privilégio de visitar o Museu do Cinema de Turim. Essa típica cidade italiana significou para o cinema, o que significa hoje o Hollywood americano.
3.
Existem horas únicas, imprevisíveis, improváveis, impensáveis e incompreensíveis que brotam sentimentos incapazes de ser. Laivos...
4.
Já se debate as vantagens e as desvantagens da nova política (?) de emigração europeia: o chamado cartão azul. Além de reivindicar a mão-de-obra qualificada, condiciona a mobilidade dos que chegam à Europa. Alguns eurodeputados defendem essa política em nome de um certo controlo demográfico. Blasfémia…

8 de outubro de 2007

As cores da minha terra

Terminou no final da semana passada o IIIº EITU (Encontro Internacional do Turismo), ocorrido na Ilha do Sal. Foram três dias de importantes reflexões sobre temas muito pertinentes, organizados pela UNOTUR (União nacional do operadores turisticos). O painel “Imobiliária Turística e Aquitectura em Cabo Verde”, da autoria do arquitecto Luis Carvalho foi a exposição que mais me tocou, e pensei, cá dentro, quão bom seria para Cabo Verde se tivéssemos muitos outros arquitectos com a sensibilidade desse filho de caboverdeanos nascido em Cabinda.
Muito perspicaz, o arquitecto começou a sua explananação com um trecho poético de Jorge Barbosa, para no final concluir, em analogia, que efectivamente andamos perdidos neste arquipélago. Retive da sua comunicação que toda a abordagem do espaço é complexa, porque atenta aos múltiplos elementos que o compõe: as pessoas e o seu modo de vida, as cores da terra, os ventos, o clima, os sorrisos, ou seja, qualquer intervenção a esse nível demanda uma arrojada disponibilidade estética. A arquitectura tradicional (ou se quisermos, as construções que os nossos pedreiros e mestres de obra sempre fizeram) não deve ser desprezada; ela tem uma razão, ou múltiplas razões de ser.
O espírito da comunicação de Luís Carvalho conduz à necessidade premente de um equilíbrio estético na construção urbana. Um resort não pode ser eficaz, nem bem-vindo, do ponto de vista ambiental e sociológico, se a vila que o recebe não tiver as condições desejáveis de saneamento, segurança e económicas. Esse equilíbrio que perpassa necessariamente a vida das pessoas, é fundamental numa perspectiva de desenvolvimento a longo prazo.
Quando o arquitecto vinha para Cabo Verde, no avião, perguntou a uma jovem caboverdeana se conhecia S.Francisco e ela respondeu, sim, uma praia linda, super interessante. O arquitecto insistia, e a jovem só falava da praia de mar. Para Carvalho, S.Francisco é, antes de mais, uma localidade com pessoas, com especificidades, mas que também dispõe de uma bonita praia. O caboverdeano está a perder a sua capacidade de observação, ou precisa ganhá-la. Precisa recuperar a sua sensibilidade estética, ou, de contrário, procurá-la.