1 de junho de 2023

É Meio-dia



É meio-dia na cidade

Neste sul saheliano

Há muito não olhava a vida deste planalto 

O sol, o trânsito, os sotaques e os estrangeiros com cara de crioulos 

O mundo caminha ao ritmo dos ventos. Atravessa tudo, apaga sonhos, e distrai amores. 

São tantas partidas e chegadas, investidores, capitais, crianças, misérias e traumas digitais 

Escapa-nos a simplicidade das meninas com olhares enfeitados de sonhos 

Está dormente na rua esquecida a tardinha como ela foi um dia 

O novo consome, 

O mundo intima a partir, 

Vir à praça, passear no mercado, sentar-se no banquinho, comer pastéis, beber o café do vizinho e olhar para a igreja defronte … são apenas lembranças. 

 

Meio-dia na cidade, 

Temos encontro com o passado, sorrimos com timidez diante do tempo, e rezamos pelas verdades urdidas por calejados dedos

O destino não nos pertence e pouco sobre ele sabemos 

Outros saberão mais. Aqueles que nos observam, que nos seguem, gostando ou não de nós. 

 

Passamos pela vida e, nas viagens ao vento, vamos deixando de viver

De repente, é meio-dia e olhamos à volta para depois sentar-se e escrever um poema:

É meio-dia. 


Margarida Fontes 


 

23 de maio de 2023

A PANDEMIA QUASE ESQUECIDA E A NECESSÁRIA ESCOLHA DOS PROBLEMAS


Foto: Existencial Mirror - Chaos by Primedia

O mundo jogou a toalha durante a pandemia, tirou as vestes, esteve nú, vulnerável, mergulhado num verdadeiro pânico, e volta a vestir-se aos poucos. Nós, homens, mulheres, crianças e velhos, pequeníssimas partículas desta imensa casa comum, os métodos das previsões sobre o futuro tremiam, as manhãs iam perdendo sentido diante dos nossos olhos fixados nos noticiários, enquanto éramos assaltados pela angústia, a cada encerramento de aeroportos. Do outro lado, dos tantos lados existentes nesta vida, havia alguém na antecâmera da situação, em busca de soluções, a investigar as vacinas, a procurar, a tentar, a correr contra a corrente das incertezas que o desconhecido provoca. Outros só tinham ouvido falar de Pandemia nos livros de história, e acreditavam ser um episódio do passado.

A fragilidade da vida é um dado. Nos aventuramos, a cada amanhecer, quando saímos para ir trabalhar, quando regressamos a casa, quando pensamos nos nossos. O telefone toca, os carros transitam em curvas e linhas retas, numa espécie de cruzada existencial. As ruas enchem-se, e todos os dias voltam a ficar desertas. Anoitece, em todo lado. Há campos, aldeias, ilhas, e montanhas que só conhecem o silêncio.

Longe da Pandemia, e com as novas vestes que recolocamos aos poucos, regressam os dias, de desafios, encontros e desencontros, Os problemas, como diz o poema, são necessários: como viver sem eles? Como seria? Mas eles, os problemas, devem ser cuidadosamente escolhidos por nós, e nunca inventados. Devem também ser resolvidos, com razão e sensibilidade, porque foram selecionados por nós pela sua promessa e relevância latente.  

Um dos apports expressivos da nossa ancestralidade apregoava a celebração do tempo do outro, como um ritual de espera, ambientada numa serenidade necessária à gesta de um novo tempo. Não vale a pena engolir o outro.