27 de julho de 2010

Sobre o livro de Françoise Asher

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Uma comunidade que, apesar de diferente, vivia o seu tempo numa realidade que apenas carecia de uma contextualização, principalmente por aqueles que a viam de fora. Foi esse trabalho que, de espírito aberto e de forma aturada, faz Françoise Asher no livro “Os Rabelados de Cabo Verde”.

Está-se perante uma obra de investigação jornalística, por conseguinte de pesquisa científica, pelos métodos que apresenta e pelo claro desafio ao empirismo que a temática tende a impor aos leitores.

Indo para além da tentação da mistificação do fenómeno antropológico e sociológico dos Rabelados, a autora faz um autêntico trabalho de campo e problematiza, a partir dos dados que obtém, as causas, as origens, a forma de ser e de estar dessa comunidade que ainda se mantém à margem do fulcro social cabo-verdiano.

Do cruzamento das fontes várias, Françoise Asher informa sobre uma franja de cabo-verdianos que, em certa medida, decidiu valer-se de reminiscências como argumentos de afirmação de uma identidade religiosa, social e familiar.

Entretanto, fazendo jus à ciência jornalística, que é área não conclusiva das problemáticas levantadas, a obra permanece um campo aberto de outras interrogações, desafiando os leitores para a procura de novas respostas e dando pistas para conhecimentos inusitados.

A autora, seguindo o fio condutor do livro, faz uma abordagem polifónica. Isto é, coloca vários instrumentos de busca e outras tantas técnicas de investigação para a releitura de uma realidade que a muitos se aparenta primitiva e simples, mas que, aos seus meandros, se nos vai revelando complexa e, até certo ponto, definidora de aspectos matriciais, senão mesmo fundacionais, da sociedade cabo-verdiana.
Vale a pena conferir. O livro foi editado em francês pela L´Harmattan, mas a autora promete uma versão em português brevemente.

foto: daqui

São tantos momentos...

dor























1. “Nesse contexto social em que a democracia é mais senso-comum e ambiência cotidiana do que paixão ideológica, os meios de comunicação adquirem um novo estatuto cultural e uma posição de poder sem precedentes na História do mundo(Sodré 1996:70).

Este debate não existe neste país onde as televisões (do mundo e da terra juntos) representam poderes (sem vontade fundadora) e interesses incalculáveis, e confrontam-se impulsivamente para o eterno inconformismo dos telespectadores que têm aquilo que não querem, e estão longe de ter o que precisam.

2. Enquanto isso, a RTP África emite no Repórter África uma peça com José Maria Neves, em que este fala da sua adesão ao facebook, e “dos grandes propósitos desse feito”. Um desses propósitos é quebrar o “isolamento” do primeiro-ministro que na rede partilha grandes decisões, de poesia às questões de governação, admite. Já atingiu o limite das amizades na rede social, e cogita a possibilidade de criar um club de fãs, à moda dos grandes artistas. Confessou, ainda, ter tido há dias "um grande debate" com uma estudante na Áustria sobre poesia e literatura. Já agora, o primeiro-ministro não tem se dedicado em escala similar ao blog que abriu há meses.

3. Quintana não gosta daqueles que só fazem poesia em momentos de dor

21 de julho de 2010

Jornalismo para quem precisa

provedor

























1. Nos últimos dias temos sido varridos por uma vaga de acusações vinda do jornal Liberal, e ontem das hostes do MPD, relacionadas ao cerceamento da liberdade de imprensa. Todas as balas estão sendo gastas com a TV Pública, tendo como alvo os serviços noticiosos do canal. Nesse avalanche de críticas, houve, e ouve-se muito equívocos: relativamente ao trabalho dos jornalistas, o papel dos media publicos e privados, os meandros do serviço público, os sujeitos... e o mais grave, uma tirada partidária sem o mínimo de preparo, num debate que deveria interpelar, em primeira instância, a classe jornalística, (quando se pensa no foco do problema). Razões existem ... a começar, por exemplo, pelo (s) lugar(res) da informação, (o conceito; os sujeitos; os interesses;), e termina nos limites e implicações da publicidade institucional do governo nos órgãos públicos. Se o momento é quase eleitoral, o recorte da problemática é ainda maior.

2. Nessas horas, em que os ânimos partidários se levantam, e pouco esclarecem, e num debate onde a regulação ninguém sabe onde pára, pensa-se no mínimo numa entidade como a AJOC, Associação dos Jornalistas de Cabo Verde, cuja missão é proteger “os pobres jornalistas”. Ademais, os receptores, aqueles menos incautos, quererão saber as razões de tanto barulho.

3. Mino Carta é um jornalista de renome que dirige a melhor revista brasileira “A Carta Capital”. Uma vez assisti a uma conferência proferida por ele em Salvador da Bahia, nos finais dos anos 90. O público era maioritariamente estudante de jornalismo. A dada altura nos aconselhou a nunca, nos mais frios intervalos dos dias, deixarmos de ser vigilantes jornalistas, e sugeriu-nos, “se não estiverem disponíveis, ou não tiverem suficiente coragem, plantem batatas, estariam a contribuir para alguma coisa.” Nunca esquecerei Mino Carta, nem da sua sugestão. Os meus avôs viveram plantando batatas e morreram felizes...

14 de julho de 2010

Ode ao Tempo

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1. Patrícia pressente o viver como o vagar por uma estranha e imprevisível estrada: nunca encara as vias; algumas, ela ignora, pisa, e o caudal arrasta-se, prossegue, persegue-a, para em seguida desviar-se do estarrecido fim. Nunca escreveu uma história, nunca viveu uma história, nunca subiu a um palco, tal o pavor que lhe encerra os finais. Decidiu estar num lugar qualquer onde o princípio e o fim são um nada entrelaçados e desvanecidos num tempo acabado.

2. Olha, parada, o horizonte que se recusa a alcançar: o que faz dela uma alma conformada com o tempo que nunca se abriu.

3. Um dia decidiu partir sem destino, mas com a certeza do tempo e do nada que nele paira.

4. Enquanto os dias passam, com ele junto...

13 de julho de 2010

Patrícia: dias ao largo

menina mulher





























1. Retomo as histórias de Patrícia.

2. Ela continua a viver o mundo, mas em toda e qualquer avenida apenas alcança as calçadas da sua ruela, as ribeiras do seu chão, e os olhares familiares que a viram sendo. Insiste naquele tempo inicial só dela, que não pertence a mais ninguém, insiste em ser menina, hoje, entre rugas e tempos cruzados, entre dores e alegrias vividas. As derrotas, e também as vitórias, para a jovem mulher, continuam indiferentes. É como sente a própria vida: dias que passam ao largo de tudo.

12 de julho de 2010

Uma experiência privada (da vida pública de Arendt)

Hannah Arendt
























“No seu estilo inimitável, Heidegger escreveu a Arendt que o reatar da amizade entre ambos se devia a Elfride, e que o amor dos dois era sustido pelo amor da esposa. A imagem das duas mulheres a abraçarem-se à despedida era a imagem que ele idealizada para o futuro: um vínculo emocional entre as duas alimentado pelo amor que tinham por ele. Depois disso, Elfride estava presente em quase todas as cartas de Heidegger, enviando beijos, saudações, cumprimentos a Hannah. Os três encontravam-se no limiar de uma nova experiência, em que Hannah Arendt pertenceria a Martin e a Elfride Heidegger.”*

nota pura: Martin e Elfride Heidegger (nazi) eram marido e mulher, e Arendt (alemã judia) aluna e amante do filósofo alemão. Anos depois de um caso amoroso secreto, desafiante e movido a impulsos, (que chegou a terminar, Arendt (foto) teve outros casamentos de permeio) Heidegger ensaia uma aproximação entre as duas mulheres de sua vida, e chega a idealizar uma cumplicidade a três que se revela no fim de sua vida a salvação para a sua alma. Histórias de fragilidades e redenção que delaceram tudo para depois botar ordem na vida da gente... na nossa, inclusive. A eterna discípula de Heidegger tornou-se teórica política e escreveu dentre outros livros "A Condição Humana".

*trecho de Hannah Arendt e Martin Heidegger”:

9 de julho de 2010

Sentimento 35 (e outros)

velho morto






























1. Uma certa azáfama à volta das comemorações do 35º aniversário da Independência Nacional fez-me lembrar Caetano Veloso e o seu dito em relação aos que desejam matar amanhã o “velho” que morreu ontem. O espavento, em plena bonança, deixa a descoberto aqueles que não se deram conta do vendaval, e alguns que só agora ouviram falar des "femmes" e des "hommes". À par do resto, que é sempre igual e que, inclusive, já teve mais brilho, a valer mesmo será nos abraçarmos todos aos reptos com equilíbrio, diga-se de passagem, no acto solene: (lucidez, pés no chão, futuro, juventude, emprego, combate à pobreza, etc.), sendo a história dinâmica e, por isso mesmo, de se lhe reinventar compromissos novos; a independência nacional (já) foi uma etapa decisiva na história de Cabo Verde, porque a soberania de um povo é vital para a sua consciência. Os personagens desse momento histórico, muitos deles, tomaram rumos diferentes. Outros, também muitos, engendraram novas e importantes frentes: a democratização do país, o pluralismo, a igualdade de oportunidade. Celebrar a Independência Nacional passa por uma capacidade desabrida de olhar, sem conformismos e idolatrias, a todos esses actores com sentido de reconhecimento e regozijo.

2. Acontece na Praia mais uma feira do livro em português. Fui ter com os meus: a delícia de vida de Chico Buarque (através) da “História das canções”; “Verão” de J.M Coetzee; as cumplicidades de vida de Hannah Arendt e Heidegger. Fiquei de voltar para pegar uma colectânea nova de Osório (o meu outro poeta).

3. As coisas são como são, Arménio Vieira já dizia…e contra elas nada podemos.