16 de dezembro de 2010

Aos amigos


















Se não vejo o mar
sinto falta de ti,
e do sol que nos une,
sinto falta da vida
e desta viagem ausente.

Si no veo el mar
te echo de menos,
y echo de menos el sol que
nos une,
echo en falta la vida
y este viaje ausente.


pura eu: aos amigos desta longa e ausente viagem virtual, com votos de festas felizes.

15 de dezembro de 2010

As Eleições e a passividade (selectiva) da CNE

























A entrevista concedida terça-feira pela Presidente da Comissão Nacional de Eleições (CNE) à TCV, deixou a nu a passividade preocupante desse imprescindível e superior órgão eleitoral. O primeiro pronunciamento oficial da CNE relativamente às eleições legislativas de 2011 resultou da interpretação do Código Eleitoral, nomeadamente da lei que proíbe, dois meses antes das eleições, a propaganda dos partidos em meios comerciais. Uma lei que visa garantir igualdade de oportunidade, já que nem todos os partidos dispõem dos mesmos meios financeiros. A CNE activou ainda a lei que exige a imparcialidade e a neutralidade das entidades públicas até ao dia 6 de Fevereiro, dia das eleições. E aqui entram os serviços públicos, todos, incluindo a comunicação social do estado. (ler aqui)

Depois do primeiro comunicado, os partidos retiraram os outdoors das ruas, mas os do governo continuaram. O Movimento para a Democracia já reclamou, tendo, inclusive, apresentado queixa à CNE, palavras da própria presidente. A pergunta é: porque é que a CNE precisa de uma queixa para só depois cogitar (a instrução do processo) e a retirada dessas propagandas?

Outra situação de extrema preocupação tem a ver com o recenseamento na diáspora. A CNE encara com naturalidade o facto das Comissões de Recenseamento Eleitoral (CRES), em alguns círculos, terem tomado posse com atraso, os seus orçamentos terem sido aprovados com atraso, porque “são as burocracias do país”, e “os recursos não abundam”. A Presidente da CNE conforma-se, e não consegue colocar em cheque as prioridades de um país que há mais de ano tem gasto rios de dinheiro em propaganda em todos os meios possíveis, em vez de investir seria e profundamente na garantia do voto consciente. O próprio apelo ao recenseamento no país foi deficitário, pouco activo...

Essa mesma CNE desdobra-se para dar lição de imparcialidade e neutralidade aos jornalistas; o segundo comunicado oficial da CNE diz respeito ao tratamento jornalístico dos candidatos. Como se os agentes da propaganda se restringissem aos candidatos e/ou partidos políticos!!! (ler aqui)

Finalmente é de se saber: terminou a propaganda nas instituições públicas do país? À Comissão Nacional de Eleições vale averiguar, indo um pouco além das letras do Código Eleitoral.

9 de dezembro de 2010

Em busca da cidade perdida




















A Igreja de Nossa Senhora da Luz (foto), Concelho de São Domingos, Ilha de Santiago, é o único vestígio notório da antiga sede da Capitania - donatária de Alcatrazes. O histórico e simbólico monumento vai ser finalmente reabilitado.

A Capitania dos Alcatrazes, actualmente “Baía” é a cidade perdida de Cabo Verde. Foi criada nos anos de 1460, aquando do povoamento das ilhas. Por testamento de 28 de Outubro de 1460 legava o Infante D. Henrique a seu sobrinho, Infante D. Fernando, todos os privilégio que lhe haviam sido concedidos sobre as terras de África. Na Ilha de Santiago foram criadas duas Capitanias: a primeira a sul com Sede na Ribeira Grande – Cidade Velha era atribuída a António de Noli. A segunda a norte, com sede na Baía dos Alcatrazes, era concedida a Diogo Afonso como recompensa dos seus trabalhos no reconhecimento das restantes 7 Ilhas, descobertas posteriormente.

Arqueólogos cabo-verdianos e ingleses escavam vestígios de toda essa história no âmbito do início da recuperação da igreja. Num primeiro momento o objectivo é encontrar o piso original da capela.
Esta é de certeza a segunda cidade. Temos vindo para aqui durante anos tentando descobrir onde fica a cidade perdida: existem casas novas construídas perto daqui. Mas se supõe que existia aqui uma cidade maior, e nós tentámos encontrá-la. Portanto, esta igreja é uma espécie de símbolo da cidade perdida, disse-nos Christopher Evans, director executivo do Departamento de arqueologia da Universidade de Cambridge, Inglaterra.

Depois de reabilitada, a igreja retoma a sua função original: lugar de culto, mas o projecto do IIPC e da Paróquia de Nossa Senhora da Luz prevê transformar o sítio em lugar de peregrinação, potenciado toda a sua carga histórica e patrimonial.

O anexo à capela, construído posteriormente, onde, normalmente funciona a missa, vai permanecer e terá um fim a ser determinado pela paróquia.

3 de dezembro de 2010

Poesia na (p)raia




















O silêncio em nós
é um vazio preenchido.

Sereno e testemunho dos dias.
A noite é mais veloz nos trópicos, já dizia o poeta.

Para não mais falarmos do tempo.

Amigo: pura eu

1 de dezembro de 2010

MarkGmania





















Basta estar atento aos novos lançamentos discográficos em França, Holanda, Estados Unidos e Cabo Verde para se perceber um denominador comum que se desponta nesses trabalhos: o teclado, a guitarra e o cavaquinho (algumas vezes) unem-se e exibem-se aos nossos ouvidos com um estilo peculiar entre os ritmos todos. Falamos da marca do jovem cabo-verdiano, 31, Mark Gonçalves. O produtor residente nos Estados Unidos trabalha com músicos de diferentes latitudes.

Começou cedo na música, para depois ingressar na Universidade de Berkeley em Boston. Depois de dois anos a estudar música, decidiu partir para o mundo da experimentação, tendo os ritmos cabo-verdianos como inspiração, ao mesmo tempo que fazia incursões em outros sons e cheiros culturais. Tocou numa banda haitiana, a ponto de ser confundido com um deles. É homem do teclado, da guitarra, do trompete...

Com essa busca, Mark G tornou-se um artista de todos “os domínios”: foi, por exemplo, produtor do segundo disco do músico e tamboreiro Talulu, um trabalho aturado de ritmos tradicionais foguenses; ao mesmo tempo que trabalha em estreita sintonia com Dj´s. O trabalho de masterização que fez no CD/DVD “the lights kings” com Dj Guelas, Dj Mastermind, DJ Baby T, Dj Chris e Dj Lefty é disso exemplo.

Nesses 10 anos de muito trabalho, o produtor percorreu um longo caminho e construiu com ares próprios uma lista consistente de produções. Trabalhos de artistas como Kaysha, Nelson Freitas, MC malcriados, Mika Mendes, Loony Johnson e tantos outros já passaram pelas suas mãos.

Esta semana o produtor lançou uma colectânea com cerca de 20 artistas (Mark G. and the Heavy Hitters): uma espécie de selo Mark G. Encontra-se em Cabo Verde para algumas actuações nas ilhas do Fogo e Santiago. Soube que está entre os nomeados do Cvmusic Award para o prémio de melhor produtor, o que o deixa satisfeito.

25 de novembro de 2010

Comunicar com Ética
















O mundo político procura a sua via entre um ideal da argumentação cooperativa inatingível no plano prático, mas justo no plano ético, e a renúncia à eficácia bem real, mas inaceitável, das técnicas de propaganda e de manipulação da opinião.
Philippe Breton e Serge Proulx, in: (A explosão da comunicação)


1. A frente propagandística montada pelo Governo não para de surpreender. Sem falar das incontornáveis ladainhas infra-estruturais, e outros "imponderáveis"… há dois dias seguidos que somos brindados na TV Pública (com as responsabilidade do autor devidamente salvaguardadas?!) com curtas publi-reportagens (a passos largos das eleições, nota-se) a seguir ao Jornal da Noite. Não se conhece ainda a dimensão da investida, (será diária?) apenas vê-se que começou com as obras da Secretaria de Estado da Juventude: com a clara intenção de atingir a maioria do eleitorado do país: os jovens! Uma bela democracia!

2. O televisor sem som é um belíssimo quadro,,, (CAZUZA)

24 de novembro de 2010

A Crioulização, o Candidato e os dias

























A música (e as suas nuances) vem sendo um factor primordial na internacionalização de Cabo Verde. Esse fenómeno dá-se de formas diversas, quer pelos músicos cabo-verdianos que levam o nome do país para os quatro cantos do mundo, quer pelo encanto que amiúde a nossa música vem despertando entre as pessoas (artistas, inclusive) por esse mundo ao longe. No caminho encontramos vários casos.

Desta feita, escolhemos falar de ATIM (foto): um jovem marroquino nascido em França que convive durante toda a vida com cabo-verdianos. Por causa dessa convivência, Atim conseguiu não apenas dominar perfeitamente o crioulo, como também inclinar-se completamente para uma “vida artística crioula”. Ou seja, grava o seu primeiro disco com músicas cantadas grande parte em crioulo, com músicos também quase todos de Cabo Verde, e como título para o seu disco de estreia exibe “Tudo pa Bó”: um título que diz tudo, afiança.


A última música do CD de 19 faixas é um Funaná, e será certamente o sinal mais indelével que retrata ATIM como um caso sério de crioulização. Algo muito para além da constação “morabi” para o povo destas ilhas.

O Candidato

O Ministro das Infraestruturas, Transportes e Telecomunicações, Manuel Inocêncio, já sorri mais diante das cameras de TV, apresenta-se mais solto. Substituiu as gravatas clássicas para umas de seda, deu grandes entrevistas assumindo-se como candidato do PAICV. É ele que todos os dias aparece na televisão devidamente acompanhado pelo Primeiro-Ministro a inaugurar troços de estradas, pontes, portos, aeroportos em todos os cantos do país. Sobre ele, José Maria Neves disse: "Nunca um homem trabalhou tanto por Cabo Verde como este ministro". Sem considerandos de ordem subjectiva, ele é o Candidato do partido tambarina para os próximos embates presidenciais!

Os dias

Os dias fazem-se como o pão no forno: é esta simplicidade profunda que me fez cair de amores por Pablo Neruda, e aprender a ser vigilante para com o pão e cuidar sempre do forno.

11 de novembro de 2010

Chico é prémio PT 2010

























(…) A MEMÓRIA É DEVERAS um pandemónio, mas está tudo lá dentro, depois de fuçar um pouco o dono é capaz de encontrar todas as coisas. Não pode é alguém de fora se intrometer, como a empregada que remove a papelada para espanar o escritório. Ou como a filha que pretende dispor minha memória na ordem dela, cronológica, alfabética, ou por assunto (…)


Este é um passeio pelo enredo de “Leite derramado”, último livro de Chico Buarque. Quando terminei de o ler balbuciei para os meus botões: espectáculo! Assim reajo quando um livro me extravasa as expectativas. As latitudes que me prenderam: a forma como o autor conta o percurso de um país, (O Brasil) através das memórias de um velho aristocrata decadente, num monólogo absoluto, nele despontando a narrativa.

Num leito do hospital do Rio de Janeiro, um velho da linhagem D`Assumpção, genealogia de família tradicional, resiste em desperdiçar os seus últimos dias como um anónimo e decide contar as suas lembranças a quem o quisesse ouvir - os médicos, a enfermeira a quem chega inclusive a prometer casamento e à filha que o manda internar, entre outros.

O velho Eulálio, narrador e protagonista, por sua vez, escolhe um alter-ego, a esposa Matilde, de quem guarda as mais belas e tristes recordações. Igualmente, retive como brilhante o retrato de todo o fausto e requinte vivido entre Brasil e Europa, passando pela política, pelas relações entre classe e raça, em que o amor de Eulálio e Matilde fenece com a sensação de desolação eterna e absoluta. Diz o texto que Matilde foge, se apaixona por outro, morre num manicómio… enfim, meandros da imaginação de um velho derrotado pela vida.

“Leite derramado” não é (auto) biográfico. É narrativa existencialista. Com tudo o que de realista e de fantástico se nos empresta a existência. As lembranças do velho Eulálio são desconexas, anacrónicas sem o mínimo esforço cronológico, mas a sua força psicológica é existencial.

Chico Buarque reafirma, neste romance, que, para além de conhecedor profundo do processo histórico brasileiro, é um “caçador de heranças” culturais, sociais e familiares. Ironizando sobre o manancial das heranças com que promove o seu processo criativo, ele próprio diria que “tenho uma mãe centenária”, o que, na minha opinião, mexe com qualquer pandemónio da memória.

nota pura: texto publicado neste blog em julho de 2009. Leite Derramado acaba de ganhar o Prémio PT Literatura 2010

O jornalismo e as legislativas de 2011

















1. Os dois maiores partidos cabo-verdianos estão, há meses, em campanha eleitoral valendo-se, ambos, de todos os meios a seu dispor: tempos de antena, comícios, festivais, inaugurações, programas institucionais na televisão, facebook, autodoors, tudo… Sobre este momento particular do cenário político nacional (os dois partidos se declararam publicamente em campanha), nunca se ouviu uma única palavra (pedagógica que seja) da Comissão Nacional de Eleições.

2. Por esses dias, entretanto, essa mesma comissão está a ministrar uma formação à classe jornalística. A ideia, segundo a presidente da CNE, é ajudar os jornalistas a melhor fazerem o seu trabalho que, segundo diz, não se trata apenas de informar, mas também orientar as pessoas para o voto consciente. O facto é que os jornalistas já começaram a perder terreno no seu desafio de “orientar”, senhora presidente, simplesmente, porque os cidadãos cabo-verdianos já estão a ser bombardeados por quezílias eleitoralistas, antes da hora, pelos partidos políticos e pelo próprio governo. A dita formação, além do conhecimento das leis, reserva algum capítulo sobre essa questão??!!


3. Num certo parâmetro, é no mínimo caricato termos uma sala de jornalistas a ouvirem de uma jurista qual deve ser o seu papel na cobertura de umas eleições, sabendo todos que os critérios em jogo devem ser estritamente jornalísticos.

4. Mais estranho ainda, é pensar que o grosso desta mesma classe que necessita de “conhecer noções sobre as leis” para fazer o seu trabalho, está classificada em 26º lugar no relatório dos Repórteres Sem Fronteira, no quesito Liberdade de Imprensa, tendo ficado à frente de países como Portugal, Espanha, Itália e outros.


5. O que os jornalistas e alguns órgãos precisam para fazer o seu trabalho no sentido do voto consciente, como pretende a presidente da CNE, é de ambiente e de espaço: um ambiente que está a ser, a cada dia que passa, sufocado por propaganda e desinformação; um ambiente que não dilua a informação jornalística; um ambiente que propicíe um espaço crítico e coeso de informação e debate. Um ambiente que diga não à propaganda e a toda e qualquer tentativa de manipulação da informação. Sem esse ambiente, e sem esse espaço, o conhecimento das leis não passa de cansaço e número da CNE.

6. Finalmente, a ONG Repórteres Sem Fronteira terá de rever a sua lista de questionários, porque, pelo desenrolar da situação, estaremos a ocupar, qualquer dia, o 1º lugar na lista dos países mais livres do mundo.

9 de novembro de 2010

SETEMBRO





















Repentina trovoada de Setembro
e depois chuvas exaustas;
ainda na praia a corrida
juvenil das ondas;
o abandono dos medronhos caídos
e um súbito olhar grave dum filho de dois anos;
vinhas que sangram,
uvas caminhando para o seu fim;
algumas folhas que descem
e as árvores, como as flores, esperando
a partida silenciosa dos insectos
e o sopro de uma breve chegada.

António Osório

3 de novembro de 2010

Filhos da diáspora...


Interrompe a universidade onde fazia um curso de gestão de empresas, sem, no entanto, desligar-se do mundo musical que conheceu na adolescência; dá um tempo nos estudos, grava o seu primeiro single, e ruma a Cabo Verde para conhecer a terra dos pais, e apresentar-se aos crioulos no show do Akon.
Falamos de Chris Barbosa, um filho da diáspora, mais concretamente dos Estados Unidos. Os pais são do Fogo, e ao contrário do tendencial, Barbosa é pouco fluente em crioulo.
O primeiro CD do jovem músico intitulado “Grown” estará pronto ainda este mês. Um CD que nasce de um laboratório de emoções musicais protagonizado por Barbosa e outros jovens americanos: Fine Print Music, um projecto de escrita e catalogação de composições para géneros, estilos, e ritmos variados.

“Meu primeiro álbum... sairá entre 15 e 17 de Novembro... nessa semana. Já tenho um single com três canções: "Hear that song", "So fine", e "Dance with me”, o mais novo. Vai ser um bom álbum, terá uma música zouk, em crioulo, que ainda estou a terminar de escrever”, disse-nos.

“Grown” é um álbum de Rithm and Blues, com incursões em inglês e crioulo. "Hear That Song" ... aqui.



Delano...


















Delano Barbosa é irmão do Chris Barbosa. É a terceira vez que visita a terra dos pais, fala um crioulo de forte sotaque foguense. É actor, vive em Nova Iorque, onde faz cinema e teatro. Paixão que agora decidiu conciliar com a música. O seu primeiro CD intitulado “Descubrin” sai em Janeiro do próximo ano. “Descubrin nha alma, nha persona: um conceito ambíguo, ku significadu filosófico e físico, sexual até”, descreve Delano. Zouk, Rithm and Blues, em inglês e crioulo são o forte do álbum.

Como actor, Delano Barbosa é dono de uma força expressiva notável, e uma fina sensibilidade que fazem dele uma grande promessa cénica. Confira aqui...

20 de outubro de 2010

Caetano Veloso canta "You don't know me" com Karina Zeviani.



nota pura: "you don´t know me" and "you´ll never get to know me"

A propaganda, o prestígio, a reacção bomba, e o salve-se quem puder

máscara partida




















Semanas antes do debate parlamentar sobre o Estado da Nacão, numa investida de propaganda sem precedentes, o Governo produziu programas televisivos mostrando trabalhos de ministério a ministério; na mesma senda, os embaixadores (na contramão da diplomacia) apareceram no programa palaciano, em fila de rosário, tecendo rasgados elogios a Cabo Verde, sub-entende-se governação de José Maria Neves. Em toda essa empreitada, não adivinhava o governo que estava a dar um tiro no pé (em democracia actos do género são um tiro no pé, porque a reacção não tarda e o efeito se desarma). O mais insólito desta sanha política foi a ideia de eleger os embaixadores como vozes da legitimação do sucesso governativo, e eco do prestígio internacional. Algumas embaixadoras ainda hoje aparecem na imprensa, mais do que qualquer ministro, candidato, artista ou cidadão deste país...
O fim da missão da embaixadora dos EUA contribuiu para diminuir a intensidade do desfile. Em nenhuma outra missão da sua vida futura, Marianne Myles dará tantas entrevistas. Justiça seja feita à contenção da diplomacia francesa.

Resultado: em reacção, e num mato sem cachorro, o MPD encheu o país de outdoors estatísticos sobre a pobreza e outras denúncias, terá ligações ao bombástico JÁ, um semanário de distribuição gratuíta, inaugurou sites e rádios de campanha; organizou na Praia o festival da Constituição (o primeiro) e já anunciou o segundo, desta feita em S.Vicente, na Rua de Lisboa, cujo programa citamos: Cordas do Sol, Tucim Bedj, discurso de Carlos Veiga, e Boss AC.

Mais: Carlos Veiga apareceu terça à noite num tempo de antena sui generis, a condizer com a conjuntura de insólitos, demonstrando a sua orgulhosa cumplicidade "com a metrópole”. Apareceu ao lado, primeiro, de Marcelo Rebelo de Sousa, figura incontornável em Portugal, conhecida por uns dez grãozinhos de cabo-verdianos, depois, em conversa com alguns autarcas lusos; câmaras que tradicionalmente dinamizam geminação com autarquias nacionais, e/ou acolhem números expressivos de cabo-verdianos. Estes, tecendo rasgados elogios à figura do líder ventoinha, e “confirmando” “a sua boa mão governativa”, como aquela capaz de transformar, de facto, Cabo Verde. De Marcelo Rebelo de Sousa, por exemplo, ouviu-se que Carlos Veiga é um homem concreto, pouco dado a marketing, um homem de acção.

A guerra eleitoral está aberta, e salve-se quem puder!

7 de outubro de 2010

Vargas Llosa é Prémio nobel de literatura

vargas Llosa


















"Acreditava que havia sido completamente esquecido pela Academia Sueca. Nem sequer sabia que o prêmio seria entregue neste mês", disse Vargas Llosa à agência sueca "TT"."A verdade é que foi uma surpresa muito grande (...) pensava que era uma brincadeira", disse Vargas Llosa, que está nos Estados Unidos, em declarações à radio peruana RPP.

Segundo o filho do escritor, Álvaro Vargas Llosa, o pai foi informado oito minutos antes do anúncio oficial em Estocolmo e "duvidou até o último momento". "Nunca mais teremos que responder àquela maldita pergunta: por que o Nobel de Literatura nunca é entregue a Vargas Llosa?", comentou.

in Folha Online

6 de outubro de 2010

Para quem pensa em regressar...

miguel torga






















Regresso às fragas de onde me roubaram.
Ah! Minha serra, minha dura infância!
Como os rijos carvalhos me acenaram,
Mal eu surgi, cansado, na distância!

Cantava cada fonte à sua porta:
O poeta voltou!
Atrás ia ficando a terra morta
Dos versos que o desterro esfarelou.

Depois o céu abriu-se num sorriso,
E eu deitei-me no colo dos penedos
A contar aventuras e segredos
Aos deuses do meu velho paraíso.

REGRESSO: Miguel Torga

4 de outubro de 2010

Emancipate yourselves


























Provoca imensa confusão acompanhar análises de alguns comentaristas nacionais, entenda-se, cabo-verdianos, inseridos neste Continente, o africano, que passam a vida a referir que isso ou aquilo está a ser defendido por grandes analistas europeus e americanos, e que por esse motivo são situações dignas de crença e abraço.

Nós, mortais crioulos, alguns com acesso àquilo que dizem os analistas lá fora, queremos ouvir e fazer o nosso juízo a partir daquilo que o digno comentarista nacional formula; olhares construidos de um comentarista que não se deixa abalar por aquilo que se escreve ou se diz nos jornais, televisões, ou "grandes" agências internacionais.

Apenas para reforçar que o debate sobre a “invasão” chinesa vers l´afrique precisa ser tematizado e esmiuçado, de forma desabrida, à luz das vontades locais, nacionais, e regionais, e não estribado no desespero de analistas, crenças e governos europeus que temem perder o seu quinhão africano. Em relação a um país como Angola, por exemplo, onde a investida chinesa foi uma opção clara, li e apreciei algumas vozes críticas sobre o assunto, e não eram meras reproduções daquilo que se escreve em jornais "da metrópole".

"Pensar com as suas próprias cabeças" foi o grande desafio de Amílcar Cabral àqueles que sonharam e ainda sonham com uma descolonização plena. "Emancipate yourselves from mental slavery", porque "None but ourselves can free our minds", entoou, mais tarde, Bob Marley.

1 de outubro de 2010

Quando a propaganda invade o campo simbólico do jornalismo

falsa democracia



















... existe uma relação simbiótica entre jornalismo e democracia, residindo no núcleo dessa relação o conceito de liberdade, fulcro do desenvolvimento do jornalismo. (Nelson Traquina)

À luz da afirmação acima, pergunto: com que liberdade “o jornalista” (ou aquele que invade o seu território simbólico) faz perguntas num tempo de antena partidário? Entendendo o perguntar como um recurso fiscalizador, de interpelação com vista a um melhor esclarecimento da opinião pública, e colocando o jornalista na bancada do contra poder.


1. Quinta à noite, numa tentativa forçada de imprimir ares de confronto num espaço de propaganda do PAICV/Governo (as margens são tênues), o “ideólogo” da peça brindou aos cabo-verdianos com um tempo de antena encapotado de jornalismo. Por duvidar de que se trata de um recurso puramente estético, e por defender as balizas de uma comunidade interpretativa, a jornalística, numa sociedade que dela bem precisa, partilho livremente a minha opinião sobre a matéria. Senão vejamos: em vez de o Primeiro-ministro/presidente do PAICV, se assumir, em parâmetros, como o emissor da mensagem, eis que aparece um entrevistador, que aos olhos do telespectador comum é um jornalista, com perguntas sem rasgos sobre o desemprego, a pobreza, e outros temas da governação.

2. Perseguindo a mesma linha de confrontação, sempre necessária em democracia, aproveito para lançar um repto à Associação dos Jornalistas e à Comissão de Carteira Profissional: fiscalizar os “jornalistas” que já estão no terreno a fazer recolhas para o tempo de antena dos partidos, e depois aparecem em programas dito informativos. Da AJOC, ainda que a título de luz no fundo do túnel, espera-se um sinal para os tempos ambíguos que se avizinham.

3. Finalmente, dizer que não sou contra a propaganda, e muito menos ao facto de os partidos trabalharem a sua imagem para se mostrarem de forma mais tragáveis aos olhos do eleitorado. Que assumam os procedimentos e a linguagem, e não persistam nessa camuflada invasão de campos, (adoptando???) um ethos (o jornalístico) para confundir a opinião pública.

30 de setembro de 2010

Liberdade

Example
























Aqui nesta praia onde
Não há nenhum vestígio de impureza,
Aqui onde há somente
Ondas tombando ininterruptamente,
Puro espaço e lúcida unidade,
Aqui o tempo apaixonadamente
Encontra a própria liberdade.

23 de setembro de 2010

Project Salt – preservando a música tradicional de Cabo Verde































“A minha relação com Cabo Verde surgiu a partir do dia em que escutei um CD de Cesária Évora. Comprei um bilhete de avião e decidi que queria conhecer este país.” Foram mais ou menos nesses termos que Johnny Fernandes me respondeu, quando o interpelei sobre o seu intenso interesse por Cabo Verde. Antes pensava tratar-se de mais um cabo-verdiano da diáspora que não sabia se expressar em crioulo. Mas estava enganada.
Fernandes é moçambicano, nasceu em Zimbabué e a partir de um certo momento de sua vida decidiu trabalhar em prol das crianças mais necessitadas um pouco pelo mundo. Em Cabo Verde, mais concretamente no Sal, criou o Project Salt - preserving the rich musical traditions of cabo verde e trabalha em parceria com a Câmara Municipal apoiando, por meios diversos, a formação de crianças e jovens na área musical.
A vinda do grupo Publish The Quest ao Festival de Santa Maria 2010, enquadra-se nesse plano pedagógico, multicultural e humano que, para além da arte pura, move os projectos de Johnny Fernandes. Esse crioulo adoptivo é um apaixonado pela música, onde entra de forma incontornável a cabo-verdiana, pela fotografia (é autor da capa do ultimo disco de Maria de Barros). No seu site exibe semblantes infantis e humanos marcantes de algumas ilhas de Cabo Verde. E o sonho de Johnny Fernandes não fica pelo Sal. Pretende levar/trazer essa experiência bem sucedida para outras ilhas de Cabo Verde, sempre acreditando no poder transformador da arte, a começar pela tenra idade. Fernandes, dos tantos projectos que já criou, trabalha também com os orfãos de Sida em Zimbabué.

You never know who you´re gonna meet


















“A tradição” de há 21 anos se cumpriu e aconteceu mais um festival de música de Santa Maria, nos dias 17 e 18 deste mês. Um evento que ficou marcado por uma diversidade de estilos e de presenças musicais, a par de um ambiente humano e natural notáveis (incluindo a chuva). Há dez anos, quando conheci o festival guardei comigo as melhores impressões desse certame. O espírito persiste. A chuva melindrou o segundo dia e a sua insistência na manhã de domingo obrigou a que se cancelasse a actuação do colectivo da Holanda, onde se previa a actuação de Grace, Zé Delgado e Kino. Pena!
Gilito, Kido, Cordas do Sol, Cabossom, Tecla 2, Boss AC e outros brindaram os festivaleiros de Santa Maria com uma bonita “celebração” da música.

Intercâmbio

Um dos fundadores dos Kings, o emblemático grupo dos anos 70, de fresco nas lides dos festivais, é da opinião de que a festa deveria explorar mais a componente intercâmbio artistas/artistas. Um facto que, entretanto, também se altera, com iniciativas dos próprios produtores e artistas. Nesse pormenor, o certame do Sal já foi melhor. Todos os anos a Câmara Municipal organizava um convívio entre artistas vindos e residentes, antes do arranque do festival, perseguindo essa ideia de aproximação e contactos.

You never know

You never know who you´re gonna meet é nome de uma das músicas do segundo CD, Then What? (a sair brevemente) do grupo Publish The Quest:(foto) a coqueluche e a grande surpresa do Festival de Santa Maria 2010. O grupo veio de Seatle, Estados Unidos, e chegou a Cabo Verde pelas mãos do moçambicano Johnny Fernandes (ler post acima). O Publish the Quest movimenta-se entre o funk, afro beat, fulk, usando muitas palavras nas suas canções, mas nem por isso reivindica tiques do rap (os tais rótulos): confessa-se, em alguns caminhos, reminiscente de Fela Kuti. Antes de chegar ao Sal, a banda deu shows e recolheu instrumentos musicais para apoiar jovens estudantes de música na ilha, os mesmos meninos para quem organizou workshops numa busca de troca, provocação e arte...Valeu, rapazes de Seatle! Festival é também o que fica, e o pedaço de Cabo Verde que se espalha com as pegadas daqueles que vieram...

13 de setembro de 2010

Momentos Cafeanos do Jornalismo Cultural


















nota pura: o debate sobre o Jornalismo Cultural começou, ganhou tentáculos no Café Margoso, e, à par dos mimos de sempre, e de reacções mais circunstanciais, eis que surgiram boas sugestões que, do meu ponto de vista, desbravam o caminho, e ajudam a estreitar os olhares sobre o próprio jornalismo e a sua endogeneização. Confiram!

1. Vejam a Cultura como um todo e não como uma elite. O mal é precisamente esse e continua a ser.Não queiram trazer modelos europeus do que é ou deve ser o modelo de jornalismo cultural. Deixa o país encontrar o seu próprio modelo porque a questão da abordagem ao povo para o poderes formar, aos poucos, é que interessa. (anónimo)

2. ... em Cabo Verde, ainda estamos muuuuito longe. A nossa realidade, são redacções ‘pressionadas’ pelos ‘donos’ (que vão desde Governos, Partidos, a grupos económicos, religiosos…) sem a vontade e nem os meios necessários – humanos, financeiros – que ‘tratam’ o que ‘mais interessa ao respectivo’, normalmente a política e interesses económicos e de grupos… e só depois - se não lesar o ‘dito cujo’ - podem acabar de encher o espaço, com outras matérias. E é aí que entra o cultural. (Fonseca Soares)

3. Como é que as rádios, as televisões, os jornais, as revistas, os blogs expõem e disseminam a Cultura? E como é que a Cultura tem estado a reestruturar e a reformatar os jornais, as revistas, os blogs? As potencialidades de parte a parte estão à vista e tendem a uma harmonização, à luz do respeito pelos campos de actuação. (...) A mediatização das realidades antropológicas, ilustradas, patrimoniais (materiais e imateriais) e performativas, bem como das manifestações culturais e folclóricas, carece, ao meu modesto ver, de maior profundidade, análise e especialização. Igualmente, reconheço que os produtores, agentes e os activos da Cultura não têm estado a potenciar, a ampliar e a optimizar parcerias no campo mediático, um hiato cujo ónus também recairia sobre a cadeia produtiva da Cultura. (Filinto Elísio)

4. … para mim isto é fundamental, existe um grande e profundo constrangimento, que muitas vezes é ignorado: o financeiro. (realce nosso)
A pequena economia nacional, pouca dada a grandes investimentos publicitários, inviabiliza ou condiciona, de maneira altamente estrutural, o surgimento de projectos de comunicação social sérios e rigorosos, com um grau de independência relativo, que permita assegurar um jornalismo diferente daquele que temos agora.
Finalmente, à margem de tudo isto (e muito fica por dizer), a qualidade do trabalho realizado e apresentado ao público - o público, e não a vaidade pessoal, é o destinatário da mensagem jornalística - dependerá sempre da atitude do próprio jornalista. (Nuno Andrade Ferreira)

8 de setembro de 2010

Do Jornalismo Cultural




















nota pura 1: Depois de semanas de interregno, passei pelo blog de João Branco e deparei-me com uma entrevista que fizera a Alex Silva no Jornal A Nação. Nela encontro duas questões repetentes nas entrevistas que o autor de Café Margoso tem feito ultimamente, não sei se como jornalista ou como alguém que entende de cultura.

João Branco: Costuma-se dizer que Cabo Verde é um lugar onde os artistas nascem com demasiada facilidade por via da comunicação social...

Alex Silva: A comunicação social tem uma grande responsabilidade no actual estado de coisas. Não sabem diferenciar, não há especialização, acabam por gerar mal-entendidos. Vê-se um miúdo a tocar e temos a comunicação social a dizer que é dos melhores guitarristas de Cabo Verde. Não há pessoas formadas nessa área cultural. Especializadas nessa área. Um jornalista que muitas vezes está a entrevistar um jogador de futebol é o mesmo jornalista que vai entrevistar um artista. Acaba por ser natural que ele tenha as suas limitações.

João Branco: Isso passa pela falta de formação em jornalismo cultural...

Alex Silva: Exactamente. Ou seja, existem uma série de elementos que são importantes e não são considerados hoje. Não basta haver produção artística. Não basta que esta tenha qualidade. Tem que existir todo um acompanhamento. Na comunicação social tem que haver gente especializada. Tem que haver ao mesmo tempo curadores, tem que haver críticos, quer dizer, faltam todos estes elementos que poderiam contribuir para que pudesse haver em Cabo Verde um pensamento voltado para a arte.


nota pura 2: Nunca cheguei a perceber o que João Branco pretende alcançar sempre que se refere a uma formação em jornalismo cultural: essa afirmação é outra das situações cabo-verdianas que também provocam as suas confusões na cabeça das pessoas, e talvez seja por isso que temos assistido, impávidos e serenos, a muitos artistas a fazerem jornalismo porque entendem de cultura. Uma situação diametralmente proporcional aos jornalistas que falam de cultura sem saber do que estão a falar.

O jornalismo cultural (ainda que esteja na génese do próprio jornalismo) consta, enquanto disciplina, do currículum das escolas e faculdades de comunicação/jornalismo de todo o mundo, assim como comunicação política, comunitária, e outros campos pertinentes. A especialização de que tanto fala João Branco acontece, se quiser, a partir dessa base, começando pelo interesse do estudante, passando, posteriormente, pela dedicação do profissional, que vai depender completamente da orientação e organização das redacções. As abordagens mais densas, subjectivamente elaboradas, (para além do narrar para todos os públicos os bens culturais) entendeu-se (quando no século XVII o jornalismo tornou-se um campo) reservar aos espaços de crónica, normalmente feitos por jornalistas/escritores, artistas e críticos.

Portanto, não existem profissionais do jornalismo em Cabo Verde inacessíveis às coisas da cultura, assim como não existem incompreensões absolutas relativamente a outras matérias sociais (no senso objectivo do termo). As lacunas que existem, todos os extremos aqui apontados, são o espelho da falta de rigor, de definição e de agressividade editorial reinantes em alguns órgãos de comunicação deste país. E, mais, não é invertendo os papéis que haveremos de resolver o problema.

3 de setembro de 2010

Tarde no mar

tendresse




























A tarde é de oiro rútilo: esbraseia.
O horizonte: um cacto purpurino.
E a vaga esbelta que palpita e ondeia,
Com uma frágil graça de menino,

Pousa o manto de arminho na areia
E lá vai, e lá segue o seu destino!
E o sol, nas casas brancas que incendeia,
Desenha mãos sangrentas de assassino!

Que linda tarde aberta sobre o mar!
Vai deitando do céu molhos de rosas
Que Apolo se entretém a desfolhar...

E, sobre mim, em gestos palpitantes,
As tuas mãos morenas, milagrosas,
São as asas do sol, agonizantes...

Florbela Espanca

note pure: bonne weekend a tous mes amis

30 de agosto de 2010

A Internet e os Candidatos

























Carlos Veiga lança na terça-feira o seu site de combate para as legislativas de 2011. O motivo dessa nova frente digital é confesso e assumido no próprio endereço do site. José Maria Neves ainda não anunciou o seu site. Ele criara há meses um blog que não teve continuidade, já que não passou de dois posts. Se bem que o blog de Neves não parece ser um instrumento de campanha. A marca do Primeiro-Ministro, candidato à sua sucessão em 2011, parece ser o Facebook, onde os pedidos de amizade já ultrapassam o limite permitido e o mesmo, como confessou em tempos, cogita a possibilidade de abrir um “fan space”. Debates sobre vários assuntos da actualidade governativa com a participação do próprio autor, têm acontecido no mural do Primeiro-Ministro.

Carlos Veiga também está no Facebook. A sua conta é gerida por alguém próximo e o número de pedidos de amizade também tem aumentado vertiginosamente.

As redes sociais com o recurso às NTICs não são apanágio apenas dos candidatos a Chefe do Governo. Os presidenciáveis Aristides Lima, David Hopffer Almada e Jorge Carlos Fonseca já têm as suas contas no Facebook, e devem estar a preparar-se, a depender dos entendimentos internos, para a abertura de sites. Manuel Inocêncio Sousa ainda não deu sinal de estar na terceira vaga da comunicação política.

As últimas movimentações servem para demonstrar que, nestas eleições, os media tradicionais não terão o monopólio dos debates. Outra valência da exploração do meio digital, tem a ver com a participação da diáspora. Se se reparar, nomeadamente no Facebook do Primeiro-Ministro, grande parte dos intervenientes nos debates são cabo-verdianos radicados no exterior. Esta tendência, da participação da diáspora, já era notória nos comentários dos jornais onlines existentes no país.

Da regulação

Não havendo legislação sobre propaganda nos meios electrónicos, o regulador dos novos sites políticos será o bom senso dos seus patronos e o próprio retorno dos internautas. De qualquer forma, fica a dúvida sobre os riscos, para lá das virtudes, das novas sociabilidades de comunicação. Estamos apenas diante da ponta do iceberg. Para o bem e para o mal…

No Brasil, por exemplo, por iniciativa de um deputado federal, foi aprovado um projecto de lei que altera a Lei Eleitoral e regula a propaganda na Internet.

A Lei, a ser regulada, deve igualmente incidir sobre propagandas extemporâneas na rede. Afinal, temos candidatos em campanha, mas a campanha ainda não começou.

fotu: imagem que José Maria Neves exibe no seu perfil no facebook

A lição de Cícero




















A história é testemunha do passado, luz da verdade, vida da memória, mestra da vida, anunciadora dos tempos antigos." (Cícero)

fotu: cidade velha: Kay

16 de agosto de 2010

Tarantino, Eli Roth, e o gosto (vermelho) de sangue

tarantin
















Da estética: Volto a Quentin Tarantino, provocador-mor do cinema. É daqueles astros, herméticos e misteriosos, no propósito estético e psicológico da arte que praticam. Na sexta-feira passada, a TCV exibiu Hostel: part II, uma realização de Eli Roth, com participação de Quentin Tarantino na escrita original do argumento e na produção. Um filme que percorre todos os labirintos de loucura (habitués) do realizador. A fotografia é irrepreensível: a cinza do silêncio, a luz e a sombra, a ponte e as extremidades do terror (entre a clausura e a liberdade), as figuras pálidas de feições expressivas na sua diversidade (todas), os cães de andar serpenteado, a cama de ferro, a morte ensanguentada, a “ética” do pacto no sub mundo do crime. Só visto! A corrupção, a degradação humana, a decadência da vida da terra, e o teatro da morte a vermelho, como a celebração do fim.

Do enredo: a narrativa serve de ponto de partida e de chegada para as provocações estéticas de Eli Roth/Tarantino, (discípulo e mestre) um pretexto para os complexos diálogos inter textuais: um cartel com base na Eslováquia que domina e mata as suas presas humanas como demonstração de poder e escárnio. Tudo acontece num sítio encurralado, exageradamente tecnológico. As vítimas sofrem até à morte e, ao mostrar esses pormenores, Tarantino se afirma hiperbolicamente igual à sua linguagem fílmica; Os preparativos também são impecáveis; as vítimas são perversamente bem tratadas nos preliminares do fim.

Do olhar: ninguém consegue em perfeita dimensão enquadrar o excesso de violência no Hostel II (alguns países proibiram a exibição do filme): o realizador e Tarantino, juntos, exploram o seu domínio ilimitado da linguagem cinematografia: pintam cenas, dão corpo a mundos, constroem e destroem ilusões. Matam com perversão e violência total. Dir-se-ia que trabalham para um clube de admiradores do sangue.

Sem redenção: na cena final uma mulher decapita a outra e, de seguida, surge um grupo de meninos de feição latino-americana a fazer de bola de futebol (divertidamente) a cabeça da vítima.

Anos

Os momentos” completou seis anos na semana passada. Gosto de aqui estar a partilhar convosco o dia que passa. É uma “força estranha”: pura eu

13 de agosto de 2010

Antes de amar-te





















Antes de amar-te, amor,
nada era meu:
vacilei pelas ruas
e coisas:
nada contava,
nem tinha nome:
o mundo era
do ar que esperava.

E conheci salões cinzentos,
túneis habitados pela lua,
hangares cruéis que se despediam,
perguntas que
insistiam na areia.

Tudo estava vazio, morto e mudo,
caído, abandonado e decaído,
tudo era inalienavelmente alheio,
tudo era dos outros e de ninguém,
até que tua luz, teu sorriso
encheram minha alma.

Nomes e prenomes tive
beijos, carícias e
carinhos me deste,
e tua beleza e tua
pobreza de dádivas
encheram meu outono,
meu inverno,
minha primavera,
meu verão

e agora,
sem o outono de volta...

Pablo Neruda

11 de agosto de 2010

Coetzee: o poliedro dos espelhos

Example

















J.M.Coetzee é um escritor surpreendente. Prova-o os seus livros.
“Verão”, a sua última obra, é parte da trilogia de suas memórias ficcionadas e iniciadas com Boyhood e Youth. Em verdade, ousa um terceiro olhar sobre uma África do Sul insular, sem perspectiva humana comum, nem rumo ou esperança. A obra é diferente de tudo, tão existencial quão extensivamente intrigante e desafiante. Onde começa e termina a ficção em "Verão"? Ninguém consegue dizer e muito menos perceber as fronteiras que o texto insinua, tal a carga táctil da realidade narrada.

O escritor faz uma autobiografia ficcionada de Coetzee, o próprio, entre os anos 1972-75. Um biógrafo viaja até África do Sul, França, Estados Unidos e Brasil e entrevista cinco pessoas que teriam marcado a vida do escritor sul-africano. Os relatos caminham entre temas de carácter pessoal, íntimo, familiar e literário. O curioso é que em nenhum desses retratos Jonh Coetzee é descrito como uma alma bem sucedida, muito pelo contrário: o fracasso, a inaptidão, a falta de dom, de jeito, de estilo perpassam todas a áreas da sua existência. Um perfil do "socialmente falhado", um "gauche na vida", parafraseando Carlos Drummond de Andrade.

Julia, Margot, Adriana, Martin e Sophie foram amigos, algumas, amantes de Coetzee, mas fatalmente incapazes de demonstrar um pingo de admiração pelo homem que se tornaria num escritor notável e prémio nobel de literatura.

África do Sul, Cidade do Cabo, o nacionalismo, a inadaptação dos africânders de ascendência holandesa numa terra que também lhes pertence. A Universidade, um professor branco que ensina literatura africana em meados dos anos 70 sob os ventos do apartheid.

Estaria o escritor num jogo de espelhos, em assumida dispensa do real? Senão vejamos os seguintes trechos da pergunta do biógrafo e resposta da Sophie:

Vincent: Passando às suas obras: falando objectivamente, como crítica, que avaliação faz dos seus livros?

Sophie: Não li todos. A seguir a Desgraça perdi o interesse. Em geral diria que falta ambição à sua obra. O controlo dos elementos é demasiado acanhado. Não se tem nunca a sensação de um escritor que deforma o seu meio de expressão para dizer aquilo que nunca foi dito, o que constitui para a mim a marca da grande literatura. Demasiado frio, demasiado conciso, diria eu. Demasiado fácil. Demasiado falta de paixão. Mais nada.

5 de agosto de 2010

Quando passo

solidão



















Sou como você me vê,
posso ser leve como uma brisa,
ou forte como uma ventania,
depende de quando,
e como você me vê passar.

Clarice Lispector

3 de agosto de 2010

"Lá e Cá" inspira

















O programa “Lá e Cá”, co-produzido pela TV Cultura (Brasil) e pela RTP (Portugal), foi emitido inicialmente nesses dois canais e, agora, já pode ser visto também na RTP África, até para servir de inspiração.

O projecto, da autoria do jornalista brasileiro Paulo Markun e com participação especial de Carlos Fino, funciona como uma rede interior que cobre duas culturas: a brasileira e a portuguesa. O desafio é mostrar, em cada episódio, onde começa e termina a presença de Portugal no imenso mundo brasileiro. Dir-se-ia o cumprir o vaticínio de Fernando Pessoa de ser o Brasil “um Portugal à solta”.

No programa de ontem, por exemplo, fica-se a saber que muitas lendas sobre bruxas chegaram ao Brasil com a emigração açoriana: os cristãos novos que desembarcaram nas terras de Vera Cruz, fugindo à inquisição.

Todo o imaginário que percorre o imenso Brasil, de norte a sul, acerca de Dom Sebastião, que desaparece na batalha do Alcácer Quibir, foi também explorado no programa. “O messianismo reinterpretado no sebastianismo” é elemento presente da guerra dos contestados e dos canudos, entre outros. Nos Lençóis Maranhenses, todos têm uma história inspirada no sebastianismo mítico.

Às tantas, Markun pergunta a um entrevistado, via Internet, acerca de um herói nacional brasileiro: seria Macunaína, uma invenção literária de Mário de Andrade, baseada na antropofagia cultural. O sentido da apropriação (e posterior recriação e reinvenção) da cultura originalmente portuguesa, algo notório e notável entre os brasileiros.

Igualmente, o culto à hierarquia e a celebrização das pessoas, nuances que a meu ver foram largamente ultrapassadas pela cultura brasileira.

E para fechar, pergunta Markun, com muita pertinência, o porquê de a relação entre o Brasil e Portugal não avançar mais, no que o entrevistado, historiador, penso, responde, quase pessoanamente: não houve ruptura, mas sim uma continuidade...

“Lá e Cá” tem um formato misto, com uma base documentarista muito forte: o diálogo entre Carlos Fino e Paulo Markun perpassa todo o programa que é permeado por outras duas vozes em reportagem, uma brasileira e outra portuguesa. Os entrevistados - populares, historiadores e professores de literatura, entre vários - também pertencem aos dois territórios.

Uma excelente iniciativa documental e jornalística. Dá gosto ver seriedade, competência e curiosidade intelectual em forma de programa de televisão.

2 de agosto de 2010

J.M.Coetzee, for ever!

Coetzee




















“Tem de acreditar quando lhe digo que nada – mas mesmo nada – estava mais longe do meu espírito do que namoriscar com aquele homem. Porque ele não tinha qualquer presença sexual. Era como se tivesse sido pulverizado da cabeça aos pés com um spray neutralizador, um spray castrante.”

nota pura: uma passagem de “Verão”, último livro do Nobel J.M. Coetzee: A fala é de Julie e refere-se ao próprio Coetzee numa inabalável escrita deste. Uma narrativa em que o escritor sul-africano se reinventa para si e para a literatura. Voltamos com mais detalhes, ainda andamos a meio do "Verão".

27 de julho de 2010

Sobre o livro de Françoise Asher

Example
















Uma comunidade que, apesar de diferente, vivia o seu tempo numa realidade que apenas carecia de uma contextualização, principalmente por aqueles que a viam de fora. Foi esse trabalho que, de espírito aberto e de forma aturada, faz Françoise Asher no livro “Os Rabelados de Cabo Verde”.

Está-se perante uma obra de investigação jornalística, por conseguinte de pesquisa científica, pelos métodos que apresenta e pelo claro desafio ao empirismo que a temática tende a impor aos leitores.

Indo para além da tentação da mistificação do fenómeno antropológico e sociológico dos Rabelados, a autora faz um autêntico trabalho de campo e problematiza, a partir dos dados que obtém, as causas, as origens, a forma de ser e de estar dessa comunidade que ainda se mantém à margem do fulcro social cabo-verdiano.

Do cruzamento das fontes várias, Françoise Asher informa sobre uma franja de cabo-verdianos que, em certa medida, decidiu valer-se de reminiscências como argumentos de afirmação de uma identidade religiosa, social e familiar.

Entretanto, fazendo jus à ciência jornalística, que é área não conclusiva das problemáticas levantadas, a obra permanece um campo aberto de outras interrogações, desafiando os leitores para a procura de novas respostas e dando pistas para conhecimentos inusitados.

A autora, seguindo o fio condutor do livro, faz uma abordagem polifónica. Isto é, coloca vários instrumentos de busca e outras tantas técnicas de investigação para a releitura de uma realidade que a muitos se aparenta primitiva e simples, mas que, aos seus meandros, se nos vai revelando complexa e, até certo ponto, definidora de aspectos matriciais, senão mesmo fundacionais, da sociedade cabo-verdiana.
Vale a pena conferir. O livro foi editado em francês pela L´Harmattan, mas a autora promete uma versão em português brevemente.

foto: daqui

São tantos momentos...

dor























1. “Nesse contexto social em que a democracia é mais senso-comum e ambiência cotidiana do que paixão ideológica, os meios de comunicação adquirem um novo estatuto cultural e uma posição de poder sem precedentes na História do mundo(Sodré 1996:70).

Este debate não existe neste país onde as televisões (do mundo e da terra juntos) representam poderes (sem vontade fundadora) e interesses incalculáveis, e confrontam-se impulsivamente para o eterno inconformismo dos telespectadores que têm aquilo que não querem, e estão longe de ter o que precisam.

2. Enquanto isso, a RTP África emite no Repórter África uma peça com José Maria Neves, em que este fala da sua adesão ao facebook, e “dos grandes propósitos desse feito”. Um desses propósitos é quebrar o “isolamento” do primeiro-ministro que na rede partilha grandes decisões, de poesia às questões de governação, admite. Já atingiu o limite das amizades na rede social, e cogita a possibilidade de criar um club de fãs, à moda dos grandes artistas. Confessou, ainda, ter tido há dias "um grande debate" com uma estudante na Áustria sobre poesia e literatura. Já agora, o primeiro-ministro não tem se dedicado em escala similar ao blog que abriu há meses.

3. Quintana não gosta daqueles que só fazem poesia em momentos de dor

21 de julho de 2010

Jornalismo para quem precisa

provedor

























1. Nos últimos dias temos sido varridos por uma vaga de acusações vinda do jornal Liberal, e ontem das hostes do MPD, relacionadas ao cerceamento da liberdade de imprensa. Todas as balas estão sendo gastas com a TV Pública, tendo como alvo os serviços noticiosos do canal. Nesse avalanche de críticas, houve, e ouve-se muito equívocos: relativamente ao trabalho dos jornalistas, o papel dos media publicos e privados, os meandros do serviço público, os sujeitos... e o mais grave, uma tirada partidária sem o mínimo de preparo, num debate que deveria interpelar, em primeira instância, a classe jornalística, (quando se pensa no foco do problema). Razões existem ... a começar, por exemplo, pelo (s) lugar(res) da informação, (o conceito; os sujeitos; os interesses;), e termina nos limites e implicações da publicidade institucional do governo nos órgãos públicos. Se o momento é quase eleitoral, o recorte da problemática é ainda maior.

2. Nessas horas, em que os ânimos partidários se levantam, e pouco esclarecem, e num debate onde a regulação ninguém sabe onde pára, pensa-se no mínimo numa entidade como a AJOC, Associação dos Jornalistas de Cabo Verde, cuja missão é proteger “os pobres jornalistas”. Ademais, os receptores, aqueles menos incautos, quererão saber as razões de tanto barulho.

3. Mino Carta é um jornalista de renome que dirige a melhor revista brasileira “A Carta Capital”. Uma vez assisti a uma conferência proferida por ele em Salvador da Bahia, nos finais dos anos 90. O público era maioritariamente estudante de jornalismo. A dada altura nos aconselhou a nunca, nos mais frios intervalos dos dias, deixarmos de ser vigilantes jornalistas, e sugeriu-nos, “se não estiverem disponíveis, ou não tiverem suficiente coragem, plantem batatas, estariam a contribuir para alguma coisa.” Nunca esquecerei Mino Carta, nem da sua sugestão. Os meus avôs viveram plantando batatas e morreram felizes...

14 de julho de 2010

Ode ao Tempo

Example


















1. Patrícia pressente o viver como o vagar por uma estranha e imprevisível estrada: nunca encara as vias; algumas, ela ignora, pisa, e o caudal arrasta-se, prossegue, persegue-a, para em seguida desviar-se do estarrecido fim. Nunca escreveu uma história, nunca viveu uma história, nunca subiu a um palco, tal o pavor que lhe encerra os finais. Decidiu estar num lugar qualquer onde o princípio e o fim são um nada entrelaçados e desvanecidos num tempo acabado.

2. Olha, parada, o horizonte que se recusa a alcançar: o que faz dela uma alma conformada com o tempo que nunca se abriu.

3. Um dia decidiu partir sem destino, mas com a certeza do tempo e do nada que nele paira.

4. Enquanto os dias passam, com ele junto...

13 de julho de 2010

Patrícia: dias ao largo

menina mulher





























1. Retomo as histórias de Patrícia.

2. Ela continua a viver o mundo, mas em toda e qualquer avenida apenas alcança as calçadas da sua ruela, as ribeiras do seu chão, e os olhares familiares que a viram sendo. Insiste naquele tempo inicial só dela, que não pertence a mais ninguém, insiste em ser menina, hoje, entre rugas e tempos cruzados, entre dores e alegrias vividas. As derrotas, e também as vitórias, para a jovem mulher, continuam indiferentes. É como sente a própria vida: dias que passam ao largo de tudo.

12 de julho de 2010

Uma experiência privada (da vida pública de Arendt)

Hannah Arendt
























“No seu estilo inimitável, Heidegger escreveu a Arendt que o reatar da amizade entre ambos se devia a Elfride, e que o amor dos dois era sustido pelo amor da esposa. A imagem das duas mulheres a abraçarem-se à despedida era a imagem que ele idealizada para o futuro: um vínculo emocional entre as duas alimentado pelo amor que tinham por ele. Depois disso, Elfride estava presente em quase todas as cartas de Heidegger, enviando beijos, saudações, cumprimentos a Hannah. Os três encontravam-se no limiar de uma nova experiência, em que Hannah Arendt pertenceria a Martin e a Elfride Heidegger.”*

nota pura: Martin e Elfride Heidegger (nazi) eram marido e mulher, e Arendt (alemã judia) aluna e amante do filósofo alemão. Anos depois de um caso amoroso secreto, desafiante e movido a impulsos, (que chegou a terminar, Arendt (foto) teve outros casamentos de permeio) Heidegger ensaia uma aproximação entre as duas mulheres de sua vida, e chega a idealizar uma cumplicidade a três que se revela no fim de sua vida a salvação para a sua alma. Histórias de fragilidades e redenção que delaceram tudo para depois botar ordem na vida da gente... na nossa, inclusive. A eterna discípula de Heidegger tornou-se teórica política e escreveu dentre outros livros "A Condição Humana".

*trecho de Hannah Arendt e Martin Heidegger”:

9 de julho de 2010

Sentimento 35 (e outros)

velho morto






























1. Uma certa azáfama à volta das comemorações do 35º aniversário da Independência Nacional fez-me lembrar Caetano Veloso e o seu dito em relação aos que desejam matar amanhã o “velho” que morreu ontem. O espavento, em plena bonança, deixa a descoberto aqueles que não se deram conta do vendaval, e alguns que só agora ouviram falar des "femmes" e des "hommes". À par do resto, que é sempre igual e que, inclusive, já teve mais brilho, a valer mesmo será nos abraçarmos todos aos reptos com equilíbrio, diga-se de passagem, no acto solene: (lucidez, pés no chão, futuro, juventude, emprego, combate à pobreza, etc.), sendo a história dinâmica e, por isso mesmo, de se lhe reinventar compromissos novos; a independência nacional (já) foi uma etapa decisiva na história de Cabo Verde, porque a soberania de um povo é vital para a sua consciência. Os personagens desse momento histórico, muitos deles, tomaram rumos diferentes. Outros, também muitos, engendraram novas e importantes frentes: a democratização do país, o pluralismo, a igualdade de oportunidade. Celebrar a Independência Nacional passa por uma capacidade desabrida de olhar, sem conformismos e idolatrias, a todos esses actores com sentido de reconhecimento e regozijo.

2. Acontece na Praia mais uma feira do livro em português. Fui ter com os meus: a delícia de vida de Chico Buarque (através) da “História das canções”; “Verão” de J.M Coetzee; as cumplicidades de vida de Hannah Arendt e Heidegger. Fiquei de voltar para pegar uma colectânea nova de Osório (o meu outro poeta).

3. As coisas são como são, Arménio Vieira já dizia…e contra elas nada podemos.

28 de junho de 2010

Quintana: o poeta dos dias

os dias
































Tão bom viver dia a dia...
A vida assim, jamais cansa...

Viver tão só de momentos
Como estas nuvens no céu...

E só ganhar, toda a vida,
Inexperiência... esperança...

E a rosa louca dos ventos
Presa à copa do chapéu.

Nunca dês um nome a um rio:
Sempre é outro rio a passar.

Nada jamais continua,
Tudo vai recomeçar!

E sem nenhuma lembrança
Das outras vezes perdidas,
Atiro a rosa do sonho
Nas tuas mãos distraídas...

poema: canção do dia de sempre

26 de junho de 2010

À brava ilha de nhô Tatai… aquele abraço





















A festa da Bandeira de S. João, na Ilha Brava, este ano, excepcionalmente, prolonga-se para além do dia 24 de Junho: a grande sexta-feira foi emendada com o fim-de-semana, (vai dar Terra Samba) e a ideia é boa. Não fossem as deficiências de transporte, já habituais na ilha, o brilho seria diferente, garantiu o edil à TCV.

A tradição se cumpriu e a edilidade homenageou Armando de Pina, compositor bravense de muita nomeada, a viver largos anos nos Estados Unidos. Das suas mornas, as mais emblemáticas são “Mar ê morada de Sodade” e “Oh Djabraba N Ca Negabu

A nota curiosa da festa deste ano é a tomada da bandeira por um filho do Fogo. João Pedro é proprietário do conhecido restaurante de S. Filipe, Sea Food, um fervoroso amante das bandeiras e um devoto de S. João. Desde meninice que acompanha a Banderona em Campanas baixo (Fogo), que acontece em louvor ao mesmo Santo, tendo sido cavaleiro dessa bandeira.

Apesar da alegria pela passagem da bandeira, é pena perceber que depois de anos e anos, continua a ser uma dificuldade a tomada da bandeira pelos filhos da Brava. Aqueles residentes que gostariam de o fazer não têm posses, os muitos emigrantes, ao contrário do que acontece no Fogo, vão perdendo esse espírito. Mas vejamos o lado bom: a Bandeira dada por um filho do Fogo pode aproximar mais ainda as vizinhas ilhas.

Se há uma ilha neste país que precisa urgentemente de um fórum do estilo “Onde Estamos e para onde vamos”, esta ilha é a Brava de Nhô Tatai. O marasmo afecta tudo, até a Bandeira, a mais singela e forte demonstração de pertença e fé daquele povo.

com: Jacqueline Pereira

25 de junho de 2010

Os poemas ...

Quintana















Os poemas são pássaros que chegam
não se sabe de onde e pousam
no livro que lês.
Quando fechas o livro, eles alçam vôo
como de um alçapão.
Eles não têm pouso
nem porto
alimentam-se um instante em cada par de mãos
e partem.
E olhas, então, essas tuas mãos vazias,
no maravilhado espanto de saberes
que o alimento deles já estava em ti...

Mário Quintana

23 de junho de 2010

A memória… do imaterial ao visual

Example


























1. Decorre no IIPC (23 e 24 de Junho) um atelier de formação em técnicas de transcrição do património imaterial, no âmbito do projecto “Multiculturalidade e Plurilinguismo: tradição oral e educação plurilingue”. Este projecto é financiado pela União Latina e propõe-se à recolha de contos populares para posterior publicação de materiais didácticos. Em Cabo-Verde foram recolhidos 30 contos nas ilhas do Fogo, Santiago e Santo Antão. O projecto engloba ainda países como Guiné-Bissau e Senegal. Consolidar a ideia de cidadania e respeito pela diversidade cultural é o desafio da iniciativa.

2. A propósito da memória, ocorre-me falar do descalabro que é a não preservação do património visual (entende-se arquivo) da Televisão de Cabo Verde, a TV Pública. Ouve-se falar de trabalhadores que comercializam imagens, a torto e a direito, mas nunca se aponta o dedo a responsáveis (Directores, Chefes de Departamentos e Conselhos de Administração) que, nos seus reinados, autorizam cópias ao sabor dos ventos afectivos, políticos e de conjuntura, passando por cima de questões autorais e sentido de restrição. Não existindo ainda uma política severa que salvaguarde o património visual da Estação Pública, se espera dos gestores públicos mais responsabilidade e sentido de propriedade em benefício do interesse público. Como é possível uma produtora privada que se posiciona como inimiga pública da TCV ter acesso a imagens raras dessa estação, para uso num programa que, posteriormente, será vendido a peso de ouro à mesma TV? Caso para perguntar “Quem zela pelos interesses da TV do Estado, afinal??!!

18 de junho de 2010

Saramago, a força literária da lusofonia

saramago





























Faleceu, hoje, aos 87 anos, em Lanzarote, nas ilhas Canárias, o escritor José Saramago, o único prémio Nobel de literatura da língua portuguesa. Prolixo e polémico, o romancista português ora falecido deixa uma vasta obra, traduzida em dezenas de línguas e lida por milhões de pessoas em torno do mundo.

Não escondendo as suas profundas convicções ideológicas, Saramago deu azo a uma polémica com alguns acérrimos do catolicismo ao escrever “Caim”, pontuando uma interpretação filosoficamente irreverente sobre a parábola bíblica do Caim e do Abel. Igualmente terão sido polémicas as suas posições sobre o posicionamento dos ibéricos em face do desafio da Europa com o romance “Jangada de Pedra” e sobre o absurdo da modernidade com “Ensaio sobre a Lucidez” e “Ensaio sobre a Cegueira”, este último transformado em filme pelo realizador brasileiro Fernando Meirelles, em 2008.

Para muitos, o seu melhor romance é “Memorial do Convento”, publicado em 1982, dois anos antes de ter escrito “O Ano da Morte de Ricardo Reis”, centrado num dos heterónimos do poeta português Fernando Pessoa. A celebridade mundial de Saramago começa precisamente com esta novela de rara intensidade poética na narrativa moderna.

A partir de então o labor literário de Saramago torna-se frenético. Um labor que o acompanha até á morte com a escrita incansável de novelas, diários, obras de teatro e até um blog – O Caderno de Saramago, escrito a partir das Canárias onde passara a viver.

José Saramago, para além de vários romances, começou como poeta, tendo publicado três livros de poemas. Multifacetado, ele ingressou-se no Partido Comunista - clandestino durante a ditadura de Salazar - e, sobretudo, consagrou-se como jornalista.

Em 1998, ele recebe o máximo galardão literário do planeta – o Nobel de Literatura. A Real Academia Sueca reconhecia nesse filho de camponeses sem terra, nascido em 1922, no Ribatejo, Portugal, a dimensão universal da sua obra e a força literária da lusofonia.

12 de junho de 2010

Cabo Verde aos pés de Portugal: a Imprensa vai junto

cabo verde, portugal


























1. Aconteceu há dias em Lisboa a I Cimeira Luso cabo verdiana. Duvido que o acontecimento tenha merecido destaque nos telejornais portugueses. Entre nós, assuntos do tipo são considerados notícias de primeira monta, mesmo quando alguns desses acordos assinados não passam de mera cosmética, ou as palavras da hora, puro ímpeto de circunstância. A imprensa cabo-verdiana aprecia esses teatros e participa do "folclore" que muitas vezes acaba sendo esses reforços de cooperação, aprofundamento das relações, etc. Quando José Sócrates visitou Cabo Verde (só visto!) a correria atrás do senhor ministro. Terá faltado fôlego para tanta disponibilidade.

2. A participação de José Maria Neves nas comemorações do dia de Portugal (10 de Junho) foi considerada, por cá, uma honra. Segundo se noticiou, é o único chefe de governo da África lusófona a participar nessa importante festa para aquele país. Em vez dessa exaltação, os media que devem ser, antes de mais, críticos, deviam questionar porque terá calhado (a José Maria Neves e a Cabo Verde) tamanha “distinção”. Se de pura honra se tratasse, porque um país como Angola deixaria de marcar presença? Por outro lado, se tivéssemos uma oposição com sentido estratégico de soberania (nisso o PAICV e o MPD estão cada vez mais iguais) estar-se-ia perante um bom filão de argumentos para oposição. A subserviência, a extrema disponibilidade, o sorriso desmedido, e sobretudo um certo orgulho... desses sinais todos a nossa imprensa passa ao largo.

3. Devido a uma surda disputa eleitoralista interna do tipo: Quem está nas graças da Comunidade Internacional? Alienam-se espíritos, projectos, sentidos...

6 de junho de 2010

Momento Gullar

gullar



















Saio do sono como
de uma batalha
travada em
lugar algum

Não sei na madrugada
se estou ferido
se o corpo
tenho
riscado
de hematomas

Zonzo lavo
na pia
os olhos donde
ainda escorre
uns restos de treva.

nota pura: "Mau Despertar" (Agosto 1977) de Ferreira Gullar, Prémio Camões 2010 (o meu e nosso poeta sujo)

26 de maio de 2010

Ca tem ninguém sima él

mercury























Fiquei com o refrão “ca tem ninguém sima bó” na cabeça desde que ouvi a versão da música “One Love” de Sara Tavares, interpretada por Daniela Mercury: a diva baiana que encanta com a sua alma de artista a todos quantos reconhecem no chão da Bahia uma síntese cultural com selo atlântico. A origem desse encontro pela via atlântica, como se sabe, foi em Cabo Verde, em Santiago, o interposto do novo mundo, mas não existe corredor mais possante do que aquele que se vive em Salvador da Bahia.

Daniela Mercury, nas últimas duas décadas, tem sido uma das traduções (em seu tempo, a seu ritmo, e em semblantes diferentes) desse universo complexo e profundo que nos interpela a todos quantos existimos através desse (e nesse) corredor do mundo. Nós, a quem pouco interessa o centro ou a periferia. A música de Daniela Mercury, toda ela, tem raiz profunda nessas melodias atlânticas de que se fez o Brasil, ou concretamente, a Bahia de todos os Santos.

Um show de Daniela Mercury como presente do Brasil aos 35 anos da Independência de Cabo Verde é de uma simbologia profunda e comovente. Não foi por acaso que a rainha do axé music se encontrou com Sara Tavares, a autora dessas sabias palavras:

Um só povo
Um só coração
One love

Branco ku preto
Burmedjo ku marelo
Ka tem diferença não
Ama na fé
Ama bué
Amor grande no coração


2 de Junho, no Gamboa: é para conferir!