11 de agosto de 2010
Coetzee: o poliedro dos espelhos
J.M.Coetzee é um escritor surpreendente. Prova-o os seus livros.
“Verão”, a sua última obra, é parte da trilogia de suas memórias ficcionadas e iniciadas com Boyhood e Youth. Em verdade, ousa um terceiro olhar sobre uma África do Sul insular, sem perspectiva humana comum, nem rumo ou esperança. A obra é diferente de tudo, tão existencial quão extensivamente intrigante e desafiante. Onde começa e termina a ficção em "Verão"? Ninguém consegue dizer e muito menos perceber as fronteiras que o texto insinua, tal a carga táctil da realidade narrada.
O escritor faz uma autobiografia ficcionada de Coetzee, o próprio, entre os anos 1972-75. Um biógrafo viaja até África do Sul, França, Estados Unidos e Brasil e entrevista cinco pessoas que teriam marcado a vida do escritor sul-africano. Os relatos caminham entre temas de carácter pessoal, íntimo, familiar e literário. O curioso é que em nenhum desses retratos Jonh Coetzee é descrito como uma alma bem sucedida, muito pelo contrário: o fracasso, a inaptidão, a falta de dom, de jeito, de estilo perpassam todas a áreas da sua existência. Um perfil do "socialmente falhado", um "gauche na vida", parafraseando Carlos Drummond de Andrade.
Julia, Margot, Adriana, Martin e Sophie foram amigos, algumas, amantes de Coetzee, mas fatalmente incapazes de demonstrar um pingo de admiração pelo homem que se tornaria num escritor notável e prémio nobel de literatura.
África do Sul, Cidade do Cabo, o nacionalismo, a inadaptação dos africânders de ascendência holandesa numa terra que também lhes pertence. A Universidade, um professor branco que ensina literatura africana em meados dos anos 70 sob os ventos do apartheid.
Estaria o escritor num jogo de espelhos, em assumida dispensa do real? Senão vejamos os seguintes trechos da pergunta do biógrafo e resposta da Sophie:
Vincent: Passando às suas obras: falando objectivamente, como crítica, que avaliação faz dos seus livros?
Sophie: Não li todos. A seguir a Desgraça perdi o interesse. Em geral diria que falta ambição à sua obra. O controlo dos elementos é demasiado acanhado. Não se tem nunca a sensação de um escritor que deforma o seu meio de expressão para dizer aquilo que nunca foi dito, o que constitui para a mim a marca da grande literatura. Demasiado frio, demasiado conciso, diria eu. Demasiado fácil. Demasiado falta de paixão. Mais nada.
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