3 de agosto de 2010

"Lá e Cá" inspira

















O programa “Lá e Cá”, co-produzido pela TV Cultura (Brasil) e pela RTP (Portugal), foi emitido inicialmente nesses dois canais e, agora, já pode ser visto também na RTP África, até para servir de inspiração.

O projecto, da autoria do jornalista brasileiro Paulo Markun e com participação especial de Carlos Fino, funciona como uma rede interior que cobre duas culturas: a brasileira e a portuguesa. O desafio é mostrar, em cada episódio, onde começa e termina a presença de Portugal no imenso mundo brasileiro. Dir-se-ia o cumprir o vaticínio de Fernando Pessoa de ser o Brasil “um Portugal à solta”.

No programa de ontem, por exemplo, fica-se a saber que muitas lendas sobre bruxas chegaram ao Brasil com a emigração açoriana: os cristãos novos que desembarcaram nas terras de Vera Cruz, fugindo à inquisição.

Todo o imaginário que percorre o imenso Brasil, de norte a sul, acerca de Dom Sebastião, que desaparece na batalha do Alcácer Quibir, foi também explorado no programa. “O messianismo reinterpretado no sebastianismo” é elemento presente da guerra dos contestados e dos canudos, entre outros. Nos Lençóis Maranhenses, todos têm uma história inspirada no sebastianismo mítico.

Às tantas, Markun pergunta a um entrevistado, via Internet, acerca de um herói nacional brasileiro: seria Macunaína, uma invenção literária de Mário de Andrade, baseada na antropofagia cultural. O sentido da apropriação (e posterior recriação e reinvenção) da cultura originalmente portuguesa, algo notório e notável entre os brasileiros.

Igualmente, o culto à hierarquia e a celebrização das pessoas, nuances que a meu ver foram largamente ultrapassadas pela cultura brasileira.

E para fechar, pergunta Markun, com muita pertinência, o porquê de a relação entre o Brasil e Portugal não avançar mais, no que o entrevistado, historiador, penso, responde, quase pessoanamente: não houve ruptura, mas sim uma continuidade...

“Lá e Cá” tem um formato misto, com uma base documentarista muito forte: o diálogo entre Carlos Fino e Paulo Markun perpassa todo o programa que é permeado por outras duas vozes em reportagem, uma brasileira e outra portuguesa. Os entrevistados - populares, historiadores e professores de literatura, entre vários - também pertencem aos dois territórios.

Uma excelente iniciativa documental e jornalística. Dá gosto ver seriedade, competência e curiosidade intelectual em forma de programa de televisão.

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