31 de julho de 2006

À espera da luz


Volta e recomeça, apesar do imutável, apesar daquele ser eternamente seu, apesar de tudo, e por tudo. Volta para nas últimas palavras do poeta encontrar a resposta. Volta, à espera da luz.

"Não um caso doentio
nem a ausência de grandeza, não,
nada pode matar o melhor de nós,
a bondade, sim senhor, que padecemos:
- bela é a flor do homem, sua conduta
e cada porta é a bela verdade
e não a sussurante aleivosia.

Sempre ganhei, por ter sido melhor,
melhor que eu, melhor do que fui,
a condecoração mais taciturna:
- recuperar aquela pétala perdida
de minha melancolia hereditária
- buscar mais uma vez a luz que canta
dentro de mim, a luz inapelável".

Pablo Neruda. in: Últimos Poemas (O Mar e os Sinos)

23 de julho de 2006

Confidências

Vi o show em êxtase. A interpretação de Apocalipse de Manuel d` Novas, transportou-me aos momentos do primeiro disco de Dudu Araújo. Foi uma viagem. Pidrinha revisitado. Tanha de Renato Cardoso, e muitos outros.
De Nôs cantador, Dudu Araújo passou, definitivamente, para Nha cantador. Um estilo inconfundível e uma postura garbosa no palco. Interioriza a poesia lírica na sua plenitude e interpreta-a com alma. Fala com amizade e admiração dos seus compositores, fala das músicas, e interage com a plateia. Pareceu-me tímido, dir-se-ia que da sua densidade artística. Apetece-me também falar da voz, a voz do Dudu: convida a viagens, dá vida a lugares, a personagens, a detalhes do quotidiano...
Nhelas Spencer e Betú são, para mim, dois pilares fundamentais desse disco. Composições únicas numa sintonia perfeita com o intérprete. Nôs Cantador é um disco imperdível e Dudu no palco é uma outra história. Na banda que ontem acompanhou Dudu, destacava também Voginha e Bau. Um delírio bem ao estilo crioulo.

Ao meu confidente deixo um trecho de Carlos Drummond

Amor é primo da morte,
e da morte vencedor, por mais que o matem (e matam)
a cada instante de amor.

22 de julho de 2006

Dudu

ExampleDudu Araújo é considerado, por muitos, o cantor da actualidade. Eu diria mais. Uma voz inconfundível, que desde os primeiros passos (início dos anos noventa, se não estou em erro) mostrou para que veio. O seu primeiro trabalho foi, durante anos, muito ouvido e apreciado entre nós, mas não aconteceu o mesmo com os dois seguintes, editados no Canadá onde reside. O quarto disco, "Pidrinha", foi muito celebrado, mas soube a pouco, tendo em conta a sua dimensão poética.
Neste momento o artista encontra-se na Capital cabo-verdiana a promover o seu último disco “Nôs Cantador” – título de uma morna do Betú incluída no disco, em tributo a Ildo Lobo. O último trabalho de Dudu Araújo é uma prenda e reúne, de uma sentada, os mais consagrados músicos e intérpretes cabo-verdianos: Bau e Hernâni na guitarra, Zé Paris no baixo acústico e Tey Santos na percussão. Dos compositores, Betú, Vlú, Nhelas Spencer, Teófilo Chantre e Manuel D`Novas impressionam com o seu lirismo.
"Nôs Cantador" segue a linha a que nos habituou Dudu. Mornas, coladeras, baladas. A nostalgia, o amor, a saudade, infortúnios dos ilhéus, a pobreza, a alegria são os sentimentos, puramente cabo-verdianos, que Dudu interpreta como ninguém.
Dudu Araújo é dono de um estilo próprio. Uma voz firme, definida e com personalidade. Escolhe a dedo as suas composições, ou melhor os seus compositores. Possui um primor estético pouco comum, e parece daqueles artistas sem pressa, metódicos, que esperam pelo dia do parto. São as impressões que me chegam dos discos, e de tudo que dele escuto cada vez que visita Cabo Verde. Certamente, terei algo mais a dizer, depois do show de hoje no Tabanka Mar.

18 de julho de 2006

Em busca do "meu clássico"

Terminei de ler "Riso na Escuridão" de Vladimir Nabokov, releio "O Amante" de Marguerite Duras e inicío uma viagem por "Porque ler os clássicos?", de Ítalo Calvino. Este último livro fez-me pensar nas minhas leituras de adolescência. Leituras desajeitadas, porque não orientadas, leituras ao acaso, algumas indicadas, é certo. A minha grande decepção residia na memória nublada que tenho de alguns livros. Nos meus 13, 14 anos devorei a magra coleccão juvenil, e não só, da biblioteca municipal da minha cidade. Era conhecida do responsável pela Biblioteca, um rapaz que tomava conta apenas daquele espaço, já que mal sabia escrever. Tinha entrada e circulação livre pelas estantes, via e revia os titulos, lia e relia as introduções. Aquilo que me agradava à primeira, levava.
Revistas e jornais também contam. O pároco de S.Filipe era assinante da revista Família Cristã. Eu era a segunda leitora assídua de cada número daquela publicação. Ia à casa do Pároco, religiosamente, todas os meses, saber se tinha chegado a revista. Algumas ficavam para mim, outras não. O jornal Terra Nova era outro periódico que também fazia parte do meu mundo. Orientação, orientação, nunca tive. Pedro Cardoso e Eugénio Tavares figuravam como os únicos grandes homens de Cabo Verde. Pelo menos na região Fogo e Brava, onde todos tinham algo a dizer sobre esses homens. Acabei descobrindo os outros, assim como descobri muitos outros, de outras latitudes, outros mundos, outras raízes, e outras aldeias, iguais àquela onde nasci e cresci. Continuo nessa incessante caminhada em busca do "meu clássico", como, de resto, aconselha Calvino.

Dizia, entretanto, que ler o trecho abaixo foi reconfortante para mim, e originou este post...

"De facto as leituras da juventude podem ser poucas profícuas por impaciência, distracção, e inexperiência da instrução para o uso e inexperiência das instruções de vida. Podem ser (se calhar ao mesmo tempo) formativas no sentido de darem uma forma às experiências futuras, fornecendo modelos, conteúdos, termos de comparação, esquemas de classificação, escalas de valores, paradigmas de beleza: tudo coisas que continuam a agir mesmo que do livro lido na juventude se recorde pouquíssimo ou mesmo nada..."

in: Porque ler os Clássicos?, de Ítalo Calvino

14 de julho de 2006

Africa Rainbow

Africa Rainbow é o blog criolo mais recente da web. É suportado por uma banda de reggae que existe em Brockton, Massachussets, há 5 anos, formada por um grupo de jovens de origem cabo-verdiana. "Rapazis di Rainbow" estão com o pé na estrada, daí esta incursão bloguista, a promover o seu primeiro demo gravado no estúdio da própria banda. Esse lançamento tem um carácter puramente promocional, como frisa a banda na sua página. O grupo está aberto a espectáculos e espera o seu contacto.
De referir o espírito irreverente e a incondional ligação à terra do Africa Rainbow. É só visitar o blog e conferir.

6 de julho de 2006

Danae no Tabanka Mar

"Condição de Louco" é o título do primeiro CD da Danae, lançado no ano passado. Um disco diferente, solto, e sem selo. As músicas cantadas predominantemente com sotaque brasileiro revelam uma voz melódica e doce, ainda em processo de busca, pareceu-nos. Danae nasceu, há 26 anos, em Cuba, filha de mãe cubana e pai cabo-verdiano, cresceu nestas ilhas, e recentemente foi estudar em Portugal, onde conseguiu gravar o seu primeiro disco. Um trabalho que espelha essas geografias todas, numa síntese muito pessoal. O criolo, a bossa nova, um balanço que incide entre a coladera e o samba; uma certa manha e universalidade que atestam o nascimento de mais uma estrela cabo-verdiana com os olhos postos no mundo.
"Condição de Louco" dá-nos ainda a conhecer uma escritora de sons sem precedente. As composições do disco são simplesmente surpreendentes. Danae já actuou no Mindelo e vai estar na Sexta-feira e no Sábado no Espaço Tabanka Mar, na Praia, para dois shows que prometem.

Tabanka Mar

É para o Tabanka Mar onde se tem dado as almas vivas desta cidade. Pelas ofertas balançadas do Hernani, e também pelos sucessivos cortes de energia da Electra. A Praia é hoje a capital mais romântica do mundo. A Cidade onde todos jantam e se banham à luz das velas. É rir para não chorar.

3 de julho de 2006

Vidas passadas

As ladeiras
As calçadas
Os olhares
O mundo
O sonho
A saudade
A igreja
O terreiro
As lembranças
Vidas passadas