27 de setembro de 2006

O livro e a cidade


“Ao acordar-se e eram dez horas, sentiu-se afortunado com a sua nova manhã, que era de sol e de uma leveza que abstraía a materialidade das coisas.”

“… o sorriso amável trocado entre um homem e uma mulher significa o fim de qualquer paixão. As pessoas que se desejam são muito sérias.”

Dois trechos que me ficaram de uma aventura romanceada pelo escritor brasileiro (de Porto Alegre) L.A de A.B no livro “O pintor de Retratos”.

Ela regressa e nada a prende às matérias daquela Cidade, apesar de bonita. É grande a repulsa que sente por aquele lugar… é lá onde as tristes lembranças todas se afloram. É lá onde ela retoma as lágrimas e com a dor volta a conviver.

22 de setembro de 2006

Perdão se pelos meus olhos


Perdão se pelos meus olhos não chegou
mais claridade que a espuma marinha,
perdão porque meu espaço
se estende sem amparo
e não termina:
- monótomo é meu canto,
minha palavra é um pássaro sombrio,
fauna de pedra e mar, o desconsolo
de um planeta invernal, incorruptível.
Perdão por esta sucessão de água,
da rocha, a espuma, o delírio da maré
- assim é minha solidão -
saltos bruscos de sal contra os muros
de meu ser secreto, de tal maneira
que eu sou uma parte do inverno,
da mesma extensão que se repete
de sino em sino em tantas ondas
e de silêncio como cabeleira,
silêncio de alga, canto submergido.

Pablo Neruda - Últimos Poemas -

18 de setembro de 2006

Saudade do futuro

No embalo da lembrança das tardes que eu vivi, penso nas tardes que quero viver e duas cidades me vêm à mente: Rio de Janeiro, (conheço e das tardes não me recordo) e Nápoles. Essa cidade italiana é considerada o Rio de janeiro do mediterrâneo, o que sela a minha paixão por longas e apaixonantes bahias, e por cidades banhadas. Nesse grupo não entra a bahia de todos os santos, cujas tardes de mim também fazem parte. Dessas lembranças vivo, e outras persigo. É a tal saudade do futuro que um dia a todos invade.

1.1. Nada é mais sublime do que as lembranças ... nas minhas vivem muitos momentos, lugares e pessoas... ele não. Nada ficou da imensidão dos dias que passaram por nós.

2. A música toca no rádio depois da meia noite... aquela voz ecoa dir-se-ia que só para ela, a quem um dia cantara. É eterna e separa-a do abismo da dor.

3. Gosto da tua voz, da tua boca, das tuas mãos, dos teus olhos ... gosto, sem mesmo saber se gosto. Quero gostar mais, depois de gostar.

15 de setembro de 2006

12 de setembro de 2006

Um domingo qualquer

À primeira vista, e desprevenido, quando alguém se dispõe a assistir Um domingo qualquer de Oliver Stone, acha que vai perder o seu tempo com um filme violento sobre o futebol Norte-americano. Longe disso. O filme tem como pano de fundo os bastidores de uma partida de futebol americano nas suas várias vertentes: a imprensa sensacionalista, as apostas milionárias, os treinos, a vitória a qualquer preço, sonhos desfeitos, a ilusão do sucesso, enfim! Um conjunto de situações que perfazem o apetecível mundo do sucesso.
Para mim, o encanto desse filme reside na narrativa, na montagem, e na actuação de Al Pacino, claro!
Um olhar nada linear, (muito flashback, muito paralelismo) fortemente apostado em planos fechados (expressões, detalhes), uma luz confidente, ritmo, poucos planos abertos (longos). A montagem é de uma mestria tal de que não ousaria aqui falar, mas sim recomendar, por isso escrevo esta nota, e por esta mesma razão volto sempre ao trama.
Al Pacino é o homem de sempre. Agarra para si a história e dita-a até ao final. Toda a actuação dos outros personagens depende da sua ironia, da sua implacabilidade, da sua firmeza. É o risco que se corre quando se tem esse poderoso chefão como protagonista.

Tenho uma grande admiração por realizadores de cinema, e Oliver Stone é um deles. Um autor fechado, de impacto, que mostra a humanidade a partir de uma ruela. Um domingo qualquer é também uma crítica sobre a situação dos negros nos Estados Unidos. Num primeiro olhar não parece.

Da escravatura

Ver o documentário Cabo Verde na Rota da Escravatura, de Francisco Manso, pela descrição franca e humana desse crime histórico, feita pelo historiador António Correia e Silva. Passa sempre na TCV.

11 de setembro de 2006

Dois...

Dois...
Apenas dois.
Dois seres...
Dois objetos patéticos.
Cursos paralelos
Frente a frente...
...Sempre...
...A se olharem...
Pensar talvez:
“Paralelos que se encontram no infinito...”
No entanto sós por enquanto.
Eternamente dois apenas.
Pablo Neruda

8 de setembro de 2006

Aos santos e à noite



O disco Ao vivo e aos outros de Mário Lúcio é um gesto confesso de gratidão para com as pessoas, vivas e mortas, que influenciaram e olharam para o seu percurso. Um desafio ao tempo mostrado ontem no Farol da Praia.

O CD é uma homenagem a lugares fisicos e simbólicos: Tarrafal, Mindelo, Cidade Velha, Santiago, orixás da Bahia, Cuba, ancestrais...

O vulcão do Fogo foi o cenário que Mário Lúcio escolheu para gravar o seu teledisco. Uma escolha, a todos os níveis, significativa. Esse sítio, mercê da sua força cultural, das suas gentes, do seu café, do seu vinho, é segundo o músico, o único lugar de Cabo Verde que poderá ser declarado “amanhã” património mundial. Ao pé do vulcão do Fogo Mário Lúcio atravessou também a crise dos quarenta. São as razões de uma escolha.

A noite

Os santos da noite continuaram a ser evocados na Casa Bela, no Plateau, na tal porta 29. Um espaço à primeira vista acolhedor, com propósitos nobres. Acho que todos gostaram de ouvir aqueles que ousaram exprimir os seus perigos e tentações na noite.

7 de setembro de 2006

Top Criolo


A música cabo-verdiana está definitivamente in top. Vários lançamentos, muitas criações e inovações, ousadias, jovens artistas a despontarem. Ousados são igualmente alguns produtores da praça. O programa da TCV, Top Criolo, apresentou-nos, ontem, Augusto Gugas Veiga. Além de um produtor que podemos apelidar de bom, nunca é demais evidenciar a sua sóbria personalidade: fina estampa, como dizia a minha dor antiga, e ciente daquilo que quer, dentro das limitações de um mercado como o nosso.

Gugas teve um "faro de cão" quando há dez anos produziu os Ferro e Gaita, levando para as ilhas e para o mundo, os sons de um funaná vibrante, uma tabanka que nunca morre, a força de Santiago. Há dois anos, dentre outras ousadias, uniu, num só CD, as vozes dos dois únicos pilares do Finaçon, Nácia Gomi e N´toni Denti Doro. Agora, com uma fina percepção de um novo movimento urbano pungente, está a apostar, inteligentemente, no hip hop. Capital Produções é uma referência na música Cabo Verdiana.

O programa de ontem trouxe uma interessante visão sobre a produção musical nas ilhas, crescente em qualidade e quantidade, pelo que se podia depreender da conversa. O terreno, nesse particular, é fértil, tendo em conta o número de estúdios que vão surgindo por aí, mas os problemas, também eles, muitos são novos. A questão da pirataria é séria, os produtores pedem um sinal de vida da SOCA, enfim, pedem das autoridades na matéria acções consentâneas (sobretudo legais) na eminência de uma explosão discográfica no país (querendo eu falar de indústria).

Voltando ao Top Criolo é desejar mais sorrisos à Carlota Barbosa e à equipa de produção coordenada pelo grande M.C.

Lugares...

... em mim são, porque neles vivi.

6 de setembro de 2006

Ao vivo e aos outros

O músico Mário Lúcio lança amanhã, dia 7, o seu segundo álbum intitulado Ao vivo e aos outros. Um trabalho exclusivamente a sólo (guitarra e voz) que certamente dar-nos-á a conhecer uma outra faceta desse multi instrumentista.

O show de lançamento acontece no Farol Maria Pia, na Cidade da Praia, às 18 H30. Além de canções inéditas, o disco traz-nos novas sonoridades da emblemática Doce Guerra do compositor Antero Simas, e Rifan Baré de Codé di Dona. Hásta Siempre Comandante Che Guevara de Carlos Puebla é outra canção desse trabalho inovador.

Mário Lúcio é um dos fundadores dos Simentera, o grupo que liderou a viragem acústica da música cabo-verdiana, e resgatou uma certa vertente africana (lírica e sonora) da identidade cultural das ilhas. Ao vivo e aos outros é mais uma pedra na carreira a sólo do artista que arrancou em 2004, com o lançamento do disco Mar e Luz. Um trabalho que contou com as prestigiadas participações de Gilberto Gil e Luís Represas.

Farol Maria Pia
Um espaço infinito e enigmático que se ergue numa das pontas da Praia Cidade.

4 de setembro de 2006

Retalhos


1.

À noite sempre escuto a Rádio Educativa. Fazem uma boa seleção musical, o que denota uma certa noção do momento e do silêncio. Mesmo durante o dia, quando a ocasião se impor lá estou eu a sintonizar essa frequência. Numa época em que os profissionais da imprensa cabo-verdiana são tratados por alguns iluminados como ignorantes franciscanos vale trazer este e outros exemplos. Fico por aqui...

2.

Depois de tudo,
ela retoma o seu caminho
e segue sorrindo

ele, da dor é vizinho cativo
dá e recebe, sempre
é a lei da vida.

2.1

Os escritores que escrevem sobre livros deveriam ser lidos repetidas vezes por todos aqueles que prezam a leitura. Não só aconselham os caminhos existenciais da leitura (nada que se assemelha às 100 obras imperdíveis), como apresentam os autores, a sua humanidade, a sua relação com a vida. Isso é tudo muito mais complexo do que parece. Depois de ler esses homens (Ítalo Calvino e Henry Miller são alguns) os livros que lemos (e sobretudo aqueles que relemos) ganham novos significados.

2.2

Relendo "A Dor" de Marguerite Duras (tenho por ela amor) comecei a reflectir sobre a dor... em todas as suas formas. Percebi que nunca lidei com ela. Alguém ma apresentou, rapidamente despachei-a. Ela é insistente e eu resistente. Vi a sua face e não a sua alma, mas a dureza é a mesma. Nem tu, nem ninguém há de conhecê-la por mim. Já dele não poderei dizer o mesmo. É da dor vizinho cativo.

3.

O 31 de Agosto passou (data proposta para ser o dia do blog), queria dizer algo, mas sou péssima em assinalar datas. Por um impulso desconhecido deixo passar como uma onda os dias significativos para mim. Por falar em datas, vejo que Kamia lembrou-se de nós. Há dois anos nascia Lantuna, Albatrozberdiano e Os Momentos, dir-se-ia que movidos por um espírito concêntrico. Alguns nasceram antes, muitos depois. Muitos outros virão. Queremos poesia, humor, críticas, ideias, estilos, atitude... Precisamos disso para ser uma comunidade. Ainda falta muito.