31 de outubro de 2008

Diálogo musical











"Os momentos” recorda o livro Kab Verd Band do jornalista Carlos Filipe Gonçalves, e convida os interessados a relerem aqui uma entrevista sobre o livro que o autor nos concedeu em 2006.
“Julgo que só agora é que nos tomamos consciência da força da nossa música, a potência que nós somos, porque antes, havia a noção do clássico... a literatura era arte nobre, a música nobre seria a música clássica e nós não tinhamos a música clássica, música erudita...”
Ainda que pouco actualizado, indicamos o blog do jornalista que pretende ser um espaço de diálogo musical. Quem sabe com mais visitas, o espaço ganhe ritmo, já que assunto certamente não faltará ao autor.

Obama: one World. one Dream

Obama















(...) mesmo que somente para ultimar
as orações os cantos fúnebres as odes
aos aguardados bárbaros aos bufallo soldiers
aos coveiros da penúria e da humilhação
aos secularmente esperados libertadores da pátria

finalmente acampados e aclamados
no bíblico e breve coração da opressão
tais cavaleiros de samory e menelik
tais porta-estandartes de al-mahdi abdel kader e alboury ndjay
entretecidos com as redemption songs de marley
o sonho de frederick douglas e martin luther king
as palavras límpidas e fraternas de amílcar
nos multicoloridos e proféticos tempos de mandela
nas inesperadas pós-invernais estações de obama

(...) mesmo que somente para chorar e cantar
mesmo que somente para rezar e dançar
defronte das urnas temerárias
e das suas sombras destemidas (...)

extrato de Australidades
autor: José Luís Hopffer C. Almada

30 de outubro de 2008

Toxic system

criança a chorar













A Electra é uma empresa que presta com muita deficiência o serviço de fornecimento de água e energia em Cabo Verde. Isso todos sabemos, e sentimos na pele. Pior do que o serviço é a falta de tacto dos seus responsáveis nos seus contactos com a imprensa ( e por via, com os cidadãos). É só ver o jeito desinteressado como um dos engenheiros dessa empresa nos serviços da Praia enfrenta os jornalistas: as vezes que decide falar à imprensa, abdica do entusiasmo, revisita o seu lado antipático e assume as avarias técnicas da Electra com frieza sem demonstrar o mínimo de esforço para a resolução do problema. É assim todas as vezes que resolve falar à comunicação social. Porque não arranjam um porta voz? Sim, porque o engenheiro deve ser bom no que faz, não nas relações públicas!

In(digna)ção

É no mínimo estranho a capacidade selectiva de indignação de alguns gatos pingados deste país, e pode ser considerado a qualquer momento mais um caso típico destas paragens. Escandalizados com a denúncia do presidente da CMP em relação ao dinheiro que uma empresa de comunicação alegadamente recebeu da anterior edilidade. Se o proprietário de facto recebeu o montante a que se refere o edil, deve se explicar.
Mas em Cabo-Verde já houve coisa pior, muito pior: fortes suspeitas de tentativa de lavagem de dinheiro na Imprensa. Isso não causa indignação? Alguém, ou grupo algum dia resolveu se explicar perante algumas contradições? Esses rompantes selectivos de moralismos cheiram a golpes eleitoralistas e só demostram que estamos a caminhar mal, muito mal....

Toxic wast

Afinal, discurso ambientalista deixou de ser disparate?!

29 de outubro de 2008

Setembro

















Obcecado face ao verde
eis-me aqui acarinhando
a tôssa
(a tosse vegetal
ondulando ao vento)
a bordolega
(legado de fome e finura
do cadáver ilhéu
das contendas das estações)
a seta
a pega-saia
(que nos pregam o estômago
ao verde vómito do louco deus
dos nossos céus)

a ora-porra

Ora porra, é mesmo isso!

(...)

José Luís Hopffer C. Almada

23 de outubro de 2008

Uma questão de tempo...

Tempo, Basquiat




















Foi curioso assistir, ontem, no Jornal da Noite ao apelo do Ministério da Educação e do Bispo D. Arlindo Furtado, obviamente em situações completamente dispersas, ao resgate dos valores familiares e ético-sociais. É evidente que a situação da insegurança e do estrangulamento social que se vive em Cabo Verde estão na base desse desespero. Lamentável mesmo é perceber que as instituições se acomodam no seu pedestal e deixam de cumprir o seu papel com naturalidade. A cidadania desde a tenra idade e o fair play devem ser uma constante, na teoria e na prática, da agenda do Ministério da Educação. E a Igreja católica em Cabo Verde só agora é que percebeu da perda vertiginosa da sua capacidade de mobilização?

Valor sentimental

Nunca me desfaço de uma escova de cabelo azul já velhinha que tenho desde os meus nove anos. Foi uma das prendas da minha madrinha que no próximo dia 4 de Novembro completa 105 anos. Se eu fosse o presidente da Câmara de S. Filipe promovia uma festa de aniversário à Nha Filó por tudo o que ela representa. Não pela festa em si que acontece todos os anos, mas sim pelo motivo simbólico de homenagear a própria cidade que o elege há quase 20 anos...

20 de outubro de 2008

Gil desafia a banda

Gilberto Gil
















Um disco sem banda, sem cor, sem limites. São os termos que descrevem Banda larga cordel, o último trabalho do músico brasileiro Gilberto Gil. Em síntese, Gil celebra, encerra, congrega, desconstrói, aproxima mundos, pessoas, ritmos, culturas, sexos. Mas alguém dirá certamente que essa é a marca do baiano mais famoso do mundo. Sim, é. Mas desta vez, Gilberto Gil relativiza ao extremo, esbarra fronteiras, aproxima tudo: está à frente do seu tempo quando canta os novos dilemas da civilização. Os pais estão preocupados demais/com medo que os seus filhos caiam nas mãos dos narcomarginais/ou então nas mãos dos molestadores sexuais/e no entanto ao mesmo tempo são a favor das liberdades actuais ...
As fragmentações, e reformulações de Gil se dão ao nível das letras, e através de uma profunda provocação rítmica que desafia toda e qualquer linearidade. Sente-se isso num arranque manhoso que oscila entre o forró e o reggae, para se entrar num frevo, num baião; de um samba canção, passando por um clássico, para um Sambalanço, de uma bossa para uma balada sambada: não tenho medo da morte, mas sim de morrer/ a morte é depois de mim/ mas quem vai morrer sou eu…
Linha contínua, Gil canta La renaissance africaine en francês num som electrónico: um ritmo open que se pode ouvir sem grandes analogias em qualquer banda do mundo. en europe, en amerique/ c'est toujour l'esprit d'afrique/la nouveauté qui prospère. Evoca sa mitologie, sa vie... Depois presta a grande homenagem à banda larga, "que tem o mundo todo na ampla discussão". Na faixa que dá nome ao disco faz profecias sobre a nova “infovia” que também se transformou em máquina de ritmos, questiona a autoralidade artística com a debandada da internet, e brinca com a própria voz que é sintetizada no final da canção: no futuro você vai poder tocar o meu samba sem querer/programação de sons seqüenciais/milhões de escolas de samba virtuais e virtuosos de versões sem fim.
Quem aprecia e crê na música de Gilberto Gil, para além do ritmo e do dito, deve ouvir Banda Larga cordel e sentir o cheiro tonal e pessoal do futuro da música, da arte, da África, do Brasil. Sua evocação à música, aos seus mestres (Baden Powell, Vinícius de Moraes…) e à miscigenação do universo que, para o seu legítimo íntimo, se centra no Brasil, onde nasce o ser do amor... Um disco imperdível!

13 de outubro de 2008

Dos consensos ao dissenso

Magrite


















1.

Um debate inédito entre Carlos Veiga, antigo primeiro-ministro, e actual chefe do governo, José Maria Neves, marcou em força a retomada do Jornal A Semana, e este semanário está de parabéns por esse feito. Questões estruturantes estiveram em cima da mesa, e curiosamente muitas foram alvo de consenso, contradizendo, em muitos casos, posições defendidas pelo actual líder do maior partido da oposição, o que não deixa de ser estranho.

Relativamente à diplomacia, uma questão continua a dividir as opiniões do MPD e do PAICV, e a condicionar os actos destes partidos, tanto na oposição como na situação: a relação de Cabo Verde com a África, mais concretamente com a sub-região.

É quase chavão dizer que Cabo Verde se fez por causa da sua posição geo-estratégica. Mas torna-se urgente fazer crer a muita boa gente que o interesse em relação a Cabo Verde da Europa, dos Estados Unidos, da China e do Brasil, advém única e exclusivamente da sua posição privilegiada na encruzilhada do mundo e às portas do continente africano.

Carlos Veiga considera de "criticável" a presença de Cabo Verde na CEDEAO, e o balanço que faz dos trabalhos dessa comunidade "é decepcionante". Os seus argumentos são plausíveis e reais. Mas vejamos: Porque e como desistir de uma região que nos pertence geográfica, histórica e culturalmente? Mais, quais seriam os argumentos nossos para tal desfeita, junto da União Europeia, e dos outros gigantes que se aproximam de nós por causa da nossa posição vis-a-vis ao continente africano? Somos incapazes de nos relacionar com a África? As integrações, em se tratando de países soberanos, não são totais, como sabemos, nem todas as opções políticas da CEDEAO vão condicionar a governação interna, e muito menos a relação externa de Cabo Verde. O primeiro-ministro é peremptório: “Cabo Verde só é útil nesta região e no quadro da CEDEAO".

2.

By the way chegou a Cabo Verde outra piroga com mais de uma centena de africanos de diferentes nacionalidades nessa aventura pós-moderna de cruzar os mares rumo à Europa. Uma tragédia humana a que já nos habituamos, e com a qual sequer perdemos o nosso tempo.

10 de outubro de 2008

Setembro

















Inútil face ao verde
eis-me aqui perscrutando
a acácia
o djiguilangui
o nhara-sakedu
(o corropio da memória
pela escura pele de Nhara
alevantando-se com as ravinas dos engenhos
calcorreando a turva e indómita cal
da adversidade colada às rusgas da morte
e às veredas do vertical parentesco
aos pés descalços do martírio)

Atónito face ao verde
eis-me aqui observando
o spinhu-katxupa
o spinhu-pretu
o spinhu-branku
(ah! os vários espinhos
cobrindo a cabeça de adão
crucificado em plena ilha
como as crísticas argilosas criaturas do tempo
condenadas à fugaz transitoriedade da bonança
à ardilosa efemeridade da esperança)

(...)
José Luís Hopffer C. Almada

9 de outubro de 2008

Intermezzo




















No dia em que se conhece mais um Nobel Prize da Literatura, recordo-me do primeiro nobel de literatura africano, Wole Soyinka, e da sua sábia máxima: “O tigre não se gaba da sua tegritude, assalta e devora a sua presa.” Lembro-me também de uma frase de autor desconhecido que diz: "Quem pensa segundo a opinião dos outros, está muito longe de ser um homem livre."
E finalmente penso que manter um blog é simplesmente ser parte desse freevibe.com, sem amarras, meu caríssimo, diria o poeta…

1. Os anónimos existem e são frutos dos seus progenitores
2. Os leitores comentam quando se revêem no post
3. O blogger é livre, ou pelo menos deve sê-lo, porque blogspot e os seus confrades ainda não decidiram cobrar taxa e nem indigitaram nesse sentido.
4. Portanto, não percamos tempo a olhar para o lado, e nem sejamos deuses da própria crença… make it happening!

7 de outubro de 2008

Angela Adonica





















Hoje deitei-me junto a uma jovem pura
como se na margem de um oceano branco,
como se no centro de uma ardente estrela
de lento espaço.

Do seu olhar largamente verde
a luz caía como uma água seca,
em transparentes e profundos círculos
de fresca força.

Seu peito como um fogo de duas chamas
ardía em duas regiões levantado,
e num duplo rio chegava a seus pés,
grandes e claros.

Um clima de ouro madrugava apenas
as diurnas longitudes do seu corpo
enchendo-o de frutas extendidas
e oculto fogo.

Pablo Neruda

6 de outubro de 2008

FESMAN pode vir para Cabo Verde

Wynton Marsalis















Uma comissão senegalesa fez, hoje, um convite formal ao Ministro da Cultura, Manuel Veiga, apelando à participação de Cabo Verde no Festival Mundial de Artes Negras 2009: a ideia é descentralizar o certame, e ter um ou mais palcos também em Cabo-Verde, além do Senegal, a sede do evento. Desde Janeiro que a comissão organizadora tem mobilizado vontades para a IIIª Edição do FESMAN que acontece em Dezembro do próximo ano sob o lema Renascença dos países Africanos.
O Brasil é o grande parceiro desta festa: está a participar na definição do projecto e prometeu mobilizar a participação de países latino-americanos. Para já, uma das suas propostas é “repassar a experiência brasileira para organizar o Carnaval de encerramento da III FESMAN”.
O programa está em definição, mas espera-se no FESMAN, além de artistas africanos, nomes da diáspora negra como o trompetista americano Wynton Marsalis (foto), Stevie Wonder, Gilberto Gil e tantos outros.
O Ministro da Cultura de Cabo Verde não respondeu ainda à comissão organizadora. Vamos aguardar, então, pela resposta que poderá definir o futuro dos palcos crioulos...

4 de outubro de 2008

Jorge cada vez mais responsável


















Javier Marías, o escritor espanhol, proferiu ontem uma conferência na Fundación Juan March a que deu o título de “La paulatina pérdida de la irresponsabilidad”, o qual supostamente resume a sua obra literária. A perda paulatina da irresponsabilidade, portanto. Às vezes creio que sofro do mesmo mal, dessa mesma doença lenta e progressiva que nos vai tornando velhos, crescidos, adultos, responsáveis e, se calhar, chatos. Sei que acabou ontem de ser impresso um novo livro a que apus o meu nome e que esse livro é, outra vez, uma demonstração de irresponsabilidade, de inconsciência e de uma estranha vaidade. Hei-de arrepender-me de tê-lo escrito e de tê-lo feito publicar, eu sei. Serei, nesse dia, uma pessoa responsável. M.J.M.

O próximo livro do jornalista vai se chamar "Sereias do Mindelo" e conta a história de um português que se apaixonava por cabo-verdianas.

Alcatrazes: na fímbria do tempo

















Para quebrar o "equilíbrio" ecológico e ontológico descrito pelo poeta Jorge Barbosa de "nem homens nus, nem mulheres nuas", chegaram os navegadores ao serviço do Infante D. Henrique, António de Noli (genovês ao serviço da Coroa Portuguesa) e Diogo Gomes, navegador português, no iniciático ano de 1460 às Ilhas de Cabo Verde.
Os dois descobridores, como prémio da Coroa Portuguesa, tiveram então direito a povoar a Ilha de Santiago, dividida em duas capitanias: a da Ribeira Grande, hoje Cidade Velha, para António de Noli, e Alcatrazes, hoje Nossa Senhora da Luz (Concelho de S.Domingos), a Diogo Afonso. As duas capitanias da Ilha de Santiago, transformaram-se também em dois municípios: um com sede na Ribeira Grande e o outro em Alcatrazes . A estrutura de poder terá permanecido por muito tempo incipiente, dominada por uma reduzida mas forte oligarquia local.
Não nos é possível rastrear a rápida ascensão e queda de Alcatrazes uma vez que nos faltam engenho (mas não arte e vontade) para compreender toda a dimensão desse fenómeno histórico. Lá estão algumas pedras tumulares e elementos sacros, bem como a marca indelével dos homens de então, mesmo em ruínas por consolidar. Mas onde encontrar a vontade e a coerência antropológica de emprestar matéria e dimensão a esses momentos?

À vista, se nos apresenta uma igreja em ruínas, senão mesmo réstias de um templo católico (Capela de Santana, dizem os da terra), e um povo que, apesar de viver na pobreza e em extrema vulnerabilidade social, mantém viva, nos seus ínfimos actos culturais, a memória de uma História, que é nossa. Por conseguinte, em vez de lamentarmos o esquecimento a que espaço está votado, fazemos aqui um "plaidoyer" por Alcatrazes.

Irmã gémea da Cidade Velha (pois Santiago do começo eram as capitanias a norte e a sul), a ideia é complementar esta verdade, quanto mais não seja para potenciar as razões da Cidade Velha virar Património Mundial da UNESCO. Pode ser que ele ainda nos reconte um passado que nos abra caminho para um enorme futuro...





















1. Capela em ruínas (foi construida outra capela ao lado onde celebram a missa)
2. Cruz em ruína no interior da capela antiga
3. Procissão de Nossa Sra da Luz no dia 8 de Setembro