
Assisti, domingo, acidentalmente, ao último episódio do programa "Grandes Portugueses" exibido há seis meses pela RTP. Retive duas frases particularmente fortes, ditas por duas participantes: "De facto, não é fácil ser-se Fernando Pessoa no país do Salazar" (apoiante de Pessoa), e "Este programa é um branqueamento do fascismo" (apoiante de Álvaro Cunhal).
Ao ver o programa lembrei da luta do meu amigo Fernando Conceição, no Brasil, a reivindicar uma indemnização para os afro-descendentes brasileiros. O mesmo solicitava também a redenção de Portugal e do Brasil, mercê da escravatura. É com tristeza que constatei como se torna cada vez mais utópica a luta do Fernando. Entrementes, a vítimas do Holocausto nazi têm sido indemnizados…
Foi um programa tenebroso, do meu ponto de vista, com António Oliveira Salazar a ser eleito o maior português de todos os tempos, numa final onde figuravam nomes como Vasco da Gama, Marquês de Pombal, Luís de Camões, Fernando pessoa, entre outros. E no fim do grande espectáculo é a insistência de todos, inclusive da apresentadora, a fazer crer aos telespectadores que aquilo não passava de um concurso...e que por isso mesmo não devia ser levado muito a sério.
Todavia, a simbólica vitória do Salazar vem consagrar, como foi dito no programa, todas as atrocidades cometidas por esse homem e a engrenagem por ele criada. E despreza por completo o processo histórico dos povos, inclusive o nosso, contra o autoritarismo fascista e colonial. Mesmo minimizando a consciencialização crítica dos votantes, pela cultura política pimba e ignorante, a atitude dessa televisão pública não passou de uma afronta aos valores da Democracia e dos Direitos Humanos. E o mais arrepiante, para mim, foi a forma leviana e apressada como trataram, alguns temas, como a escravatura, por exemplo, no decurso do referido programa.
Curiosamente esta Televisão, por razões que um dia alguém há de explicar, funciona em canal aberto nas ditas ex-colónias portuguesas, de que Cabo Verde faz parte, para o gáudio de alguns neocolonizados locais. O pior para mim, e para isso também deveria servir a soberania deste país, foi saber que esse massacre ideológico esteve a um clic de todos.
A RTP África, que de África só tem nome e intenção alienante, é o canal com maior poder em Cabo-Verde, emite programas, a seu critério, 24 horas por dia. Para quem não sabe, a Televisão Nacional emite apenas seis horas por dia e dificilmente consegue sustentar uma grelha de produção nacional com consistência e longevidade.
A Comunicação social, debatida nesta sessão parlamentar, a pedido do maior partido da oposição, comportaria uma análise séria e alargada dos canais abertos estrangeiros. Uns a impor Salazar, outros a passar igrejas escusas. Entretanto, temos assistido ao mais do mesmo, com as duas bancadas parlamentares a passarem ao largo das grandes invasões televisivas.
Noam Chomsky e Pierre Bourdieu escreveram sobre tais perigos. Por cá, o silêncio dos "nossos" inocentes. Nunca saberemos se por falta de faro ou de vontade política…