28 de abril de 2008

Poema da amante

Adalgisa Néri












Eu te amo
Desde a criação das águas,
desde a idéia do fogo
E antes do primeiro riso e da primeira mágoa.

Adalgisa Néri

22 de abril de 2008

Mendes Brothers cu nós

Ramiro e João Ramos










O emblemático duo, João e Ramiro Mendes, regressa aos palcos de Cabo Verde para celebrar, em grande, os seus 30 anos de carreira. A banda Mendes Brothers, com os sete discos gravados, contribuiu de forma indelével para que os ritmos tradicionais da Ilha do Fogo fossem conhecidos e apreciados. Os dois músicos, ao longo desses longos anos de percurso, fizeram uma verdadeira incursão na etnografia da ilha do Fogo, e traduziram em ritmos únicos a vivência tradicional dessa região. Ritmos como tchoru, cola, bandera e rafodju selaram todos os discos desses músicos radicados nos Estados Unidos. País, aliás, onde ambos tiveram a rica oportunidade de entender a missão da música.

De recordar, que foi com o Semba (género musical de Angola) cantado pelos Mendes Brothers que a ligação musical entre os Países Africanos de Língua Portuguesa começou a ganhar a dimensão que tem hoje. Nesse espírito de troca muita coisa aconteceu, e um legado ficou.

Nos últimos anos, João Mendes esteve um pouco afastado das lides artísticas, ao passo que Ramiro Mendes tomou novos rumos, nomeadamente nas áreas de produção musical e cinema. A propósito, vai ser emitido na Televisão de Cabo Verde um documentário de sua autoria sobre a música das ilhas, esta quarta-feira.

Na decorrência desses engajamentos, Ramiro Mendes foi distinguido com o título de embaixador cultural da “The Sole of África” (Alma de África), uma campanha mundial da ONG “Mineseeker Foundation” que visa erradicar as minas anti-pessoal.

Mendes Brother actua na quinta-feira, 24 de Abril, às 21H30, e o espectáculo será transmitido pela Televisão e Rádio nacionais. Antes, e durante o espectáculo, decorrerá no hall da Assembleia Nacional, uma exposição sobre a gastronomia e o ecossistema da Ilha do Fogo.

Madjon Di Djarfogu

Nu selebrâ
Nu selebrâ
Nu selebrâ
Nos gentis grandi
Nu selebrâ
Nu selebrâ
Es ki é madjon di djarfogu

MB

Dia mundial da terra (na década da água)

Terra








A par da energia, a água é uma das questões ainda não bem equacionadas em Cabo-Verde. Há uma grande carência em quase todas as regiões nas quais as redes de abastecimento são inferiores a 40 por cento, havendo casos em que beneficiam menos de 10 por cento dos habitantes.

Água








De acordo com um relatório da ONU, em termos de quantidade de água disponível anualmente em média por habitante, Cabo Verde está em posição 158 em 180 países do mundo, tendo-se estimado que cada cabo-verdiano beneficia de apenas 703 metros cúbicos de água por ano.

15 de abril de 2008

Os anónimos da Bandeira, e a cidade (que houve)

É quase Maio. Quem visita este blog há 4 anos, sabe que é quando escrevo sobre os personagens da bandeira, curiosamente, os anónimos da Ilha do Fogo. Os netos e bisnetos de coladeiras e tamboreiros que ao longo dos anos deram vida a uma das manifestações culturais mais emblemáticas de Cabo Verde: a Bandeira. Essas almas, são as únicas que ainda têm fé nos santos que celebram, e mostram-na ano pós ano. Nos dias de S.Filipe, S.João, S.Pedro, Santa Cruz nas diferentes localidades da Ilha do Fogo entoam-se cânticos e tambores, reafirmando a sua crença na alma dos dias, e no destino dos homens.
Assim como registo com sentido de causa esse marco, critico a instrumentalização política e económica a que a bandeira de S.Filipe vem sofrendo. A bipolarização partidária que tomou conta de Cabo Verde também invade, de forma intolerável, as festas populares. Uma apropriação que vem descaracterizando a Bandeira e afastando, cada vez mais, o povo e os verdadeiros fiéis.
Em decorrência desse facto, personagens reais das bandeiras na Ilha do Fogo têm sido abastardadas, ao contrário do que acontece na Brava, por exemplo, onde as coladeiras e os tamboreiros são os verdadeiros donos da bandeira de S. João.
Lembro-me da chefe das coladeiras da Brava dizer-me, certa vez, que nunca mais participaria na Bandeira de S.Filipe, porque não gostou da forma como as coladeiras e tamboreiros são tratados. Gente que devia ser colocada no centro das actividades: Nhô Sopa, Waldomiro, Nataniel, Maia Tchuneta, Idalina, e muitos outros, inclusive jovens, gente imprescindível dessa festa secular.
Os defensores (e empresários) desse separatismo festeiro defendem-se dizendo que a Bandeira de S.Filipe sempre foi uma festa elitista. Eis uma grande falácia histórica, já que os arreais, de que as bandeiras são parte (no sagrado e no profano) tendem as misturar as águas e a horizontalizar os entes sociais. Por isso, não compreendo que a Casa das Bandeiras seja hoje um espaço "dos novos brancos da terra" e não um espaço ancestral do povo das bandeiras.

Aqui está
num papel
a cidade que houve
(e que não me ouve)
com suas águas e seus mangues
aqui está
(no papel)
uma tarde que houve
com suas ruas e casas
uma tarde
com seus espelhos
e vozes (voadas
na poeira)
uma tarde que houve numa cidade
aqui está
no papel que (se quisermos) podemos rasgar.

poema: Gullar
imagem: s.filipe.com

14 de abril de 2008

A (ir)racionalidade de uma canção

Jackson Pollock













A canção...
Intensidade… viagem… melodia…. (des) construção emotiva
Causa e consequência.
Sinais ... margens.
Em suma: profundidade e eternidade.
Razão, também!

Ao meu amigo Cláudio Matraxia

8 de abril de 2008

Quadro Histórico

Delacroix


















Georges Sand, de barba e bigode,
passeando, fumava tudo
o que havia para fumar:
cachimbo, charuto e cigarro.

Num sofá de seda, uma menina
pálida e tísica, de seu nome Chopin,
sem ligar nada ao piano,
simplesmente dormia.

Longe dos seus tinteiros azuis,
na chaise-longue, um paquiderme
chamado Balzak falava, falava
e nunca mais se calava.

poema: Arménio Vieira
na ilustração
: George Sand e Chopin - Admite-se que os dois rostos pertenciam a uma mesma tela (Delacroix) cortada entre 1863 e 1872. Pensa-se que George Sand está sentada à esquerda do quadro, fitando e a escutar Chopin ao piano, à sua esquerda.

1 de abril de 2008

Em nome do puro cinema

TarantinoO americano Quentin Tarantino, actor, realizador e roteirista, é sobretudo um amante desvairado do cinema. Sabemo-lo do Pulp Fiction, filme que lhe abriu as portas para a imortalidade. Sabemo-lo também, já como consagração, pela obra À Prova de Morte (Death proof, 2007), trama de alta intensidade sobre as referências e as paixões fílmicas de Tarantino.
A história, aparentemente básica e linear, é um polígono de terror: um psicopata (Kurt Hussel) segue pela noite quatro lindas raparigas e acaba por assassiná-las num brutal acidente premeditado. O "crash" dos carros é propositadamente macabro. A recorrência a um psicopata, que se apresenta como duplo de filmes, é outra homenagem ao cinema dos anos 70, assim como a alusão à paixão dos australianos por carros, através de uma das personagens da segunda parte do filme.
Os diálogos entre lindas raparigas com telemóveis e revistas modernas repescam o cliché da cultura pop-anglo saxónica. Dir-se-á o mesmo da trilha sonora onde inclui "Laisser Tomber les Filles", popularizada por France Gall. Tais referências divertem e activam a memória.
A cena (inovadora) das perseguições de carro é também uma linda homenagem à Sétima Arte: o suspense é notório e prende-nos como parte do drama. Na primeira parte do filme, o embate mortal é sentido por cada uma das personagens: pontos de vista difíceis de conciliar (aos níveis da realização e da montagem). A segunda parte com outro grupo de meninas da moda é menos tensa, mais divertida e surpreendente, porque viram o jogo, e perseguem o psicopata até à morte.
A violência é definitivamente o elemento que excita Tarantino (Pulp Fiction como ápice). No Death proof , Tarantino retalha o tempo em nome do puro cinema.