Assim como registo com sentido de causa esse marco, critico a instrumentalização política e económica a que a bandeira de S.Filipe vem sofrendo. A bipolarização partidária que tomou conta de Cabo Verde também invade, de forma intolerável, as festas populares. Uma apropriação que vem descaracterizando a Bandeira e afastando, cada vez mais, o povo e os verdadeiros fiéis.
Em decorrência desse facto, personagens reais das bandeiras na Ilha do Fogo têm sido abastardadas, ao contrário do que acontece na Brava, por exemplo, onde as coladeiras e os tamboreiros são os verdadeiros donos da bandeira de S. João.
Lembro-me da chefe das coladeiras da Brava dizer-me, certa vez, que nunca mais participaria na Bandeira de S.Filipe, porque não gostou da forma como as coladeiras e tamboreiros são tratados. Gente que devia ser colocada no centro das actividades: Nhô Sopa, Waldomiro, Nataniel, Maia Tchuneta, Idalina, e muitos outros, inclusive jovens, gente imprescindível dessa festa secular.
Os defensores (e empresários) desse separatismo festeiro defendem-se dizendo que a Bandeira de S.Filipe sempre foi uma festa elitista. Eis uma grande falácia histórica, já que os arreais, de que as bandeiras são parte (no sagrado e no profano) tendem as misturar as águas e a horizontalizar os entes sociais. Por isso, não compreendo que a Casa das Bandeiras seja hoje um espaço "dos novos brancos da terra" e não um espaço ancestral do povo das bandeiras.
Aqui está
num papel
a cidade que houve
(e que não me ouve)
com suas águas e seus mangues
aqui está
(no papel)
uma tarde que houve
com suas ruas e casas
uma tarde
com seus espelhos
e vozes (voadas
na poeira)
uma tarde que houve numa cidade
aqui está
no papel que (se quisermos) podemos rasgar.
poema: Gullar
imagem: s.filipe.com
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