31 de maio de 2009
Ausente (com Gullar)
Neste leito de ausência
em que me encontro
desperta o longo rio solitário:
se ele cresce de mim, se dele cresço,
mal sabe o coração desnecessário.
Gullar
26 de maio de 2009
Time off
Quero apenas cinco coisas…
Primeiro é o amor sem fim
A segunda é ver o outono
A terceira é o grave inverno
Em quarto lugar o verão
A quinta coisa são teus olhos
Não quero dormir sem teus olhos.
Não quero ser… sem que me olhes.
Abro mão da primavera para que continues me olhando.
Pablo Neruda
14 de maio de 2009
Jornalismo de serviço (público??)
Começou a corrida de estafeta rumo a 2011. As inaugurações aceleram-se a cada dia, as antenas foram umas reconduzidas e outras substituídas. Os interesses (públicos?) estão sendo estrategicamente revistos (e encomendados), os subordinados (subornados) retornaram aos seus postos e todos serão suspeitos daqui para frente.
Respeito é bom, e os cordeiros sabem disso. Insolentes aos bons turnos e pautas minguadas voltarão para outros dias que estão se fazendo (alguém se lembra do Pão de Neruda?) a mil por hora.
Foi Jorge Barbosa quem escrevera no poema “Alfândega” (onde trabalhou como funcionário), o seguinte:
“Talvez não acreditem
mas há alguma poesia ali dentro
do velho casarão da alfândega
e ninguém dá por isso! ...”
nota pura: numa próxima oportunidade, tentarei um exercício de diferenciação entre serviço público e propaganda (sem abrir mão da poesia, é claro!).
13 de maio de 2009
Bandeira S. Filipe (a crónica adiada)
1. Não escrevi sobre a Bandeira de S.Filipe, apesar de ter vivido dias únicos naquela festa, porque prometi a mim mesma que não mais tocaria em assuntos desagradáveis sobre a minha cidade. Quis fazer o percurso inverso de uma catarse, mas receio ter perdido a viagem. Para quem não saiba, e acredito que muita gente não tenha percebido isso, desde 1917, ano em que o grupo Sete Estrelo decidiu reerguer a Bandeira, pela primeira vez, este ano, houve dois almoços oficiais em honra ao padroeiro S.Filipe. A tradicional na Casa da Bandeira (a cargo do grupo Amibandeira) com a presença dos coladores, tamboreiros, cavaleiros, festeiros, e convivas, (os verdadeiros personagens da festa) e uma outra inventada pela edilidade com presença do edil e mais amigos. O Primeiro-ministro e outras entidades que se deslocaram ao Fogo, para não criar caso, (ou passando ao largo das simbologias) marcaram presença nos dois almoços.
2. É curioso perceber que essas brigas de “gigantes” animadas por sede de protagonismo, não afecta o ânimo dos sanfilipenses, residentes e emigrantes, que religiosamente reservam a última semana de Abril como seus melhores dias do ano. São festas e convívios paralelos, encontros de amigos, várias iniciativas particulares que preenchem a alma de todos. A fé não costuma falhar, cantou e bem o mestre Gilberto Gil...
Poesia é insubordinação
A estrada que liga os três concelhos da Ilha de Santo Antão foi considerada a maior obra feita em Cabo Verde desde a independência. Não sei se essa dimensão parte de pressupostos puramente físicos, (tamanho da obra, investimento, etc) ou se, em termos absolutos, cobre necessidades tão extraordinárias. De todo o modo, essa ideia de sonho que vira realidade me levou ao passado das ilhas, e me fez pensar num poeta como Jorge Barbosa. Para mim, um profundo sonhador, um cabo-verdiano absoluto que a partir do cais dos dias (entre o real e o onírico) escreveu alguns dos mais belos versos destas ilhas. “Cinzeiro” e “Prisão” de Jorge Barbosa para todos aqueles que aplaudem esse sonho chamado Cabo Verde.
“À noute quando escrevo
tenho fantasias
que não chego a escrever
nem conto a ninguém
Esta, por exemplo,
de ver um paquete
no meu cinzeiro
de feitio oblongo!
Ponho nele, de pé,
as pontas dos cigarros
são mastros
e chaminés fumegantes (...)”
“Pobre do que ficou na cadeia
de olhar resignado
a ver das grades quem passa na rua!
Pobre de mim que fiquei detido também
na ilha tão desolada rodeado do mar!
as grades também da minha prisão!”
nota pura: também eu (tal como o poeta) escrevo nas noites, e enquanto houver noites (comigo junto) vai existir este blog. Insubordinação, sempre...
imagem: a estrada: via e-mail
11 de maio de 2009
Nem Europa, nem África (again)
A semana passada foi interessante para o dossier parceria especial Cabo Verde União Europeia. A Troika ministerial e o Fórum para a construção de um consenso nacional funcionaram como núcleos de esclarecimentos e divulgação desse feito da política externa cabo-verdiana.
Sobre tudo o que se disse, retive uma questão, digamos, que permeia a maior parte dos debates que ocorrem em Cabo Verde. Polarizam-se duas tendências dissonantes e politicamente bem situadas sobre as integrações regionais e geográficas, também relativamente a esta parceria. E no meio de tais alinhamentos que se tripartem entre CEDEAO, Macaronésia e (MERCOSUL?), têm surgido contradições.
Uns defendem reiteradamente que a parceria especial Cabo Verde União Europeia será ampla se, à par dos atributos internos, o país reforçar a sua presença na CEDEAO. Poucas vezes, os defensores desse pressuposto demonstram como isso se dará na prática. Chegar à presidência da comunidade?! Eventualmente, sim. Mas isso, como se sabe, é difícil, para não dizer impossível. Há estados membros com mais vantagens nesse sentido.
A ala que apoia a euro atlantização (?) de Cabo Verde prefere apenas lembrar-nos da necessidade de reforço da nossa presença na macaronésia.
Os argumentos são muitos. O de que partilhamos com a Europa os mesmos valores humanos e cristãos, os mesmos princípios políticos; o festejar da história comum, etc. Mas nunca é demais lembrar que essas justificações, se usadas em excesso, podem entibiar o tão propalado reforço de CV na CEDEAO, por razões óbvias.
Existem aqueles que claramente não querem saber da CEDEAO, sabemo-lo, e estão mais à vontade para defender a Euro atlantização de Cabo Verde, e usar os mais atlânticos argumentos possíveis. Entretanto, os que, por justiça histórica, questões de pele, ou até políticas, são favoráveis à densificação da presença de Cabo Verde na sua sub-região devem conter-se mais.
O país deve encarar essa parceria como uma reconfiguração processual e normal da sua relação com a Europa (um espaço seguro); potenciar a sua importância para a economia e para a segurança do país neste mundo de rápidas mudanças; responder com eficiência aos novos desafios que se lhe colocam. Mas sem grandes emoções. Não podemos, sob pretextos outros, perder a nossa noção de pertença.
7 de maio de 2009
Não sei da saudade
Há saudade que não se declara,
porque perde o sabor infinito.
Só se adivinha,
para o resguardo dos dias.
Não sei da saudade,
não sei dessa bruma que alimenta
o pecado de viver entre iguais.
Do corpo apartado,
das horas divorciadas,
dos momentos fugidos,
daquilo que não é, e nem nunca será.
pura eu
A Dança
Não te amo como se fosse rosa de sal, topázio ou flecha de cravos que propagam o fogo:
te amo secretamente, entre a sombra e a alma.
.
Te amo como a planta que não floresce e leva
dentro de si, oculta, a luz daquelas flores,
e graças a teu amor vive escuro em meu corpo
o apertado aroma que ascender da terra.
.
Te amo sem saber como, nem quando, nem onde,
te amo directamente sem problemas nem orgulho:
assim te amo porque não sei amar de outra maneira,
.
Se não assim deste modo em que não sou nem és
tão perto que a tua mão sobre meu peito é minha
tão perto que se fecham teus olhos com meu sonho.
Pablo Neruda
nota pura: regresso deste modo do silêncio (foi uma dança) que me levou para junto de tudo ...
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