28 de junho de 2010
Quintana: o poeta dos dias
Tão bom viver dia a dia...
A vida assim, jamais cansa...
Viver tão só de momentos
Como estas nuvens no céu...
E só ganhar, toda a vida,
Inexperiência... esperança...
E a rosa louca dos ventos
Presa à copa do chapéu.
Nunca dês um nome a um rio:
Sempre é outro rio a passar.
Nada jamais continua,
Tudo vai recomeçar!
E sem nenhuma lembrança
Das outras vezes perdidas,
Atiro a rosa do sonho
Nas tuas mãos distraídas...
poema: canção do dia de sempre
26 de junho de 2010
À brava ilha de nhô Tatai… aquele abraço
A festa da Bandeira de S. João, na Ilha Brava, este ano, excepcionalmente, prolonga-se para além do dia 24 de Junho: a grande sexta-feira foi emendada com o fim-de-semana, (vai dar Terra Samba) e a ideia é boa. Não fossem as deficiências de transporte, já habituais na ilha, o brilho seria diferente, garantiu o edil à TCV.
A tradição se cumpriu e a edilidade homenageou Armando de Pina, compositor bravense de muita nomeada, a viver largos anos nos Estados Unidos. Das suas mornas, as mais emblemáticas são “Mar ê morada de Sodade” e “Oh Djabraba N Ca Negabu”
A nota curiosa da festa deste ano é a tomada da bandeira por um filho do Fogo. João Pedro é proprietário do conhecido restaurante de S. Filipe, Sea Food, um fervoroso amante das bandeiras e um devoto de S. João. Desde meninice que acompanha a Banderona em Campanas baixo (Fogo), que acontece em louvor ao mesmo Santo, tendo sido cavaleiro dessa bandeira.
Apesar da alegria pela passagem da bandeira, é pena perceber que depois de anos e anos, continua a ser uma dificuldade a tomada da bandeira pelos filhos da Brava. Aqueles residentes que gostariam de o fazer não têm posses, os muitos emigrantes, ao contrário do que acontece no Fogo, vão perdendo esse espírito. Mas vejamos o lado bom: a Bandeira dada por um filho do Fogo pode aproximar mais ainda as vizinhas ilhas.
Se há uma ilha neste país que precisa urgentemente de um fórum do estilo “Onde Estamos e para onde vamos”, esta ilha é a Brava de Nhô Tatai. O marasmo afecta tudo, até a Bandeira, a mais singela e forte demonstração de pertença e fé daquele povo.
com: Jacqueline Pereira
25 de junho de 2010
Os poemas ...
Os poemas são pássaros que chegam
não se sabe de onde e pousam
no livro que lês.
Quando fechas o livro, eles alçam vôo
como de um alçapão.
Eles não têm pouso
nem porto
alimentam-se um instante em cada par de mãos
e partem.
E olhas, então, essas tuas mãos vazias,
no maravilhado espanto de saberes
que o alimento deles já estava em ti...
Mário Quintana
23 de junho de 2010
A memória… do imaterial ao visual
1. Decorre no IIPC (23 e 24 de Junho) um atelier de formação em técnicas de transcrição do património imaterial, no âmbito do projecto “Multiculturalidade e Plurilinguismo: tradição oral e educação plurilingue”. Este projecto é financiado pela União Latina e propõe-se à recolha de contos populares para posterior publicação de materiais didácticos. Em Cabo-Verde foram recolhidos 30 contos nas ilhas do Fogo, Santiago e Santo Antão. O projecto engloba ainda países como Guiné-Bissau e Senegal. Consolidar a ideia de cidadania e respeito pela diversidade cultural é o desafio da iniciativa.
2. A propósito da memória, ocorre-me falar do descalabro que é a não preservação do património visual (entende-se arquivo) da Televisão de Cabo Verde, a TV Pública. Ouve-se falar de trabalhadores que comercializam imagens, a torto e a direito, mas nunca se aponta o dedo a responsáveis (Directores, Chefes de Departamentos e Conselhos de Administração) que, nos seus reinados, autorizam cópias ao sabor dos ventos afectivos, políticos e de conjuntura, passando por cima de questões autorais e sentido de restrição. Não existindo ainda uma política severa que salvaguarde o património visual da Estação Pública, se espera dos gestores públicos mais responsabilidade e sentido de propriedade em benefício do interesse público. Como é possível uma produtora privada que se posiciona como inimiga pública da TCV ter acesso a imagens raras dessa estação, para uso num programa que, posteriormente, será vendido a peso de ouro à mesma TV? Caso para perguntar “Quem zela pelos interesses da TV do Estado, afinal??!!
18 de junho de 2010
Saramago, a força literária da lusofonia
Faleceu, hoje, aos 87 anos, em Lanzarote, nas ilhas Canárias, o escritor José Saramago, o único prémio Nobel de literatura da língua portuguesa. Prolixo e polémico, o romancista português ora falecido deixa uma vasta obra, traduzida em dezenas de línguas e lida por milhões de pessoas em torno do mundo.
Não escondendo as suas profundas convicções ideológicas, Saramago deu azo a uma polémica com alguns acérrimos do catolicismo ao escrever “Caim”, pontuando uma interpretação filosoficamente irreverente sobre a parábola bíblica do Caim e do Abel. Igualmente terão sido polémicas as suas posições sobre o posicionamento dos ibéricos em face do desafio da Europa com o romance “Jangada de Pedra” e sobre o absurdo da modernidade com “Ensaio sobre a Lucidez” e “Ensaio sobre a Cegueira”, este último transformado em filme pelo realizador brasileiro Fernando Meirelles, em 2008.
Para muitos, o seu melhor romance é “Memorial do Convento”, publicado em 1982, dois anos antes de ter escrito “O Ano da Morte de Ricardo Reis”, centrado num dos heterónimos do poeta português Fernando Pessoa. A celebridade mundial de Saramago começa precisamente com esta novela de rara intensidade poética na narrativa moderna.
A partir de então o labor literário de Saramago torna-se frenético. Um labor que o acompanha até á morte com a escrita incansável de novelas, diários, obras de teatro e até um blog – O Caderno de Saramago, escrito a partir das Canárias onde passara a viver.
José Saramago, para além de vários romances, começou como poeta, tendo publicado três livros de poemas. Multifacetado, ele ingressou-se no Partido Comunista - clandestino durante a ditadura de Salazar - e, sobretudo, consagrou-se como jornalista.
Em 1998, ele recebe o máximo galardão literário do planeta – o Nobel de Literatura. A Real Academia Sueca reconhecia nesse filho de camponeses sem terra, nascido em 1922, no Ribatejo, Portugal, a dimensão universal da sua obra e a força literária da lusofonia.
12 de junho de 2010
Cabo Verde aos pés de Portugal: a Imprensa vai junto
1. Aconteceu há dias em Lisboa a I Cimeira Luso cabo verdiana. Duvido que o acontecimento tenha merecido destaque nos telejornais portugueses. Entre nós, assuntos do tipo são considerados notícias de primeira monta, mesmo quando alguns desses acordos assinados não passam de mera cosmética, ou as palavras da hora, puro ímpeto de circunstância. A imprensa cabo-verdiana aprecia esses teatros e participa do "folclore" que muitas vezes acaba sendo esses reforços de cooperação, aprofundamento das relações, etc. Quando José Sócrates visitou Cabo Verde (só visto!) a correria atrás do senhor ministro. Terá faltado fôlego para tanta disponibilidade.
2. A participação de José Maria Neves nas comemorações do dia de Portugal (10 de Junho) foi considerada, por cá, uma honra. Segundo se noticiou, é o único chefe de governo da África lusófona a participar nessa importante festa para aquele país. Em vez dessa exaltação, os media que devem ser, antes de mais, críticos, deviam questionar porque terá calhado (a José Maria Neves e a Cabo Verde) tamanha “distinção”. Se de pura honra se tratasse, porque um país como Angola deixaria de marcar presença? Por outro lado, se tivéssemos uma oposição com sentido estratégico de soberania (nisso o PAICV e o MPD estão cada vez mais iguais) estar-se-ia perante um bom filão de argumentos para oposição. A subserviência, a extrema disponibilidade, o sorriso desmedido, e sobretudo um certo orgulho... desses sinais todos a nossa imprensa passa ao largo.
3. Devido a uma surda disputa eleitoralista interna do tipo: Quem está nas graças da Comunidade Internacional? Alienam-se espíritos, projectos, sentidos...
6 de junho de 2010
Momento Gullar
Saio do sono como
de uma batalha
travada em
lugar algum
Não sei na madrugada
se estou ferido
se o corpo
tenho
riscado
de hematomas
Zonzo lavo
na pia
os olhos donde
ainda escorre
uns restos de treva.
nota pura: "Mau Despertar" (Agosto 1977) de Ferreira Gullar, Prémio Camões 2010 (o meu e nosso poeta sujo)
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