30 de setembro de 2004

O regresso de Domingas

A HISTÓRIA de Domingas e de Antonieta, mãe e filha, separadas há 39 anos pelos destinos da história, conhece um final feliz. Há um mês, graças à Radiotelevisão Portuguesa, fizeram-se os primeiros contactos via telefone e uma reportagem de ponta a ponta – estando a filha em Cabo Verde e a mãe em São Tomé e Príncipe. A chegada de Domingas e de seu filho Armando ao aeroporto da Praia, a 25 de Setembro, fruto de uma verdadeira “operação resgate”, conta uma pequena parcela do grande drama humanitário que tem sido a emigração cabo-verdiana em São Tomé e Príncipe. Domingas não regressa a Cabo Verde apenas para o “descanso da velha guerreira”, mas para fugir à fome e reencontrar, pela primeira vez em quase 40 anos, a filha Antonieta, que deixou com apenas alguns meses. “Estou feliz, tenho uma grande alegria dentro de mim”, desabafa Antonieta. Em Tira-Chapéu, bairro suburbano da cidade da Praia, foi notória a alegria dos familiares, dos amigos e dos vizinhos. Ainda não refeitos da comoção deste reencontro, subsistia na face dos recém-chegados as marcas da reintegração e do regresso. Se São Tomé e Príncipe, tanto na poética como no imaginário colectivo cabo-verdianos, persiste como um “caminho longe”, o regresso, ainda que “pródigo”, não exorciza de todo o trauma dos anos passados em regime de quase escravatura e de uma vida comunitária sem cidadania. Depois de trabalhar durante três anos em S. Tomé, Domingas quis voltar. Arrumou a sua carga, pronta para partir para o porto da Praia, quando deu conta que o marido lhe tinha tirado a folha do contrato da emigração. “Diante disso, tive que desistir e tempos depois arrebentou o 25 de Abril”, diz. Apesar da dramática história, o desfecho não deixa de ser feliz para Domingas e sua família. Em verdade, milhares de outros cabo-verdianos saídos de Cabo Verde há muitas décadas e contratados como serviçais nas roças de cacau de São Tomé e Príncipe continuam a viver em condições infra-humanas. Forçados a emigrar para o “Sul”, para fugir às sucessivas fomes e para preencher a demanda de mão-de-obra semi-escrava nas roças de São Tomé e Príncipe, durante o período colonial, eles nunca viram o resultado do seu trabalho. As independências de Cabo Verde e de São Tomé e Príncipe nunca lhes conferiram qualquer tipo de cidadania. A descolonização portuguesa tão-pouco lhes emprestou alguma dignidade humana. Mais de 50 mil cabo-verdianos, de muitas gerações, mantêm viva a “ideia” de Cabo Verde como “Terra Prometida”. O primeiro-ministro, José Maria Neves, durante a Quinta Conferência dos Chefes de Estado e de Governo da CPLP, em São Tomé e Príncipe, teve oportunidade de constatar esse verdadeiro desastre humanitário. O estadista cabo-verdiano chorou diante da realidade, e a visita às roças tê-lo-á marcado profundamente. “Há um antes e um depois desta visita a essa comunidade na vida política de José Maria Neves”, afirmou um membro da delegação cabo-verdiana. Anos antes, o Presidente da República, Pedro Pires, tinha chamado à solidariedade os cabo-verdianos do mundo inteiro em relação às emigrações mal sucedidas, numa clara referência aos casos de São Tomé e Príncipe, Angola e Moçambique. Os cabo-verdianos, na sua maioria, nos países africanos – mesmo nos casos da Guiné-Bissau, Senegal e Costa do Marfim –, não se consideram bafejados pela sorte. Também aqueles que vivem nos bairros degradados nos países do Norte – Portugal, França e Estados Unidos –, não se podem considerar bem sucedidos. Só que, dos vários dramas que condicionam a vida de muitos cabo-verdianos pelo mundo, o de São Tomé e Príncipe é de longe o mais gritante. E desumano…

Margarida Fontes

1 comentário:

Dhan disse...

Olá, querida amiga. Fico comovido com essas histórias, uma vez que sempre passa pela minha cabeça deixar meu país. Preciso viver outras coisas. Mas, é uma decisão muito difícil, afinal não há nada mais confortável do que nossa terra. Ele é nossa é conhecida e é onde, de alguma forma, sabemos nos defender e temos a quem apelar. Longe dela, somos estranhos. Em alguns lugares, intrusos. Tenho um conhecido que foi para a Holanda. Está lá há duas semanas e está triste pq é difícil arranjar emprego. Quer voltar. Eu disse para ele que é muito cedo, mas se quisesse voltar as portas estariam abertas para ele aqui. Para alguns, o regresso significa derrota. Para Domingas, com certeza, foi uma vitória. Beijos de seu amigo baiano. Dhan.