31 de março de 2006

AfricaDoc2006

CinemaDocumentárioDe 03 a 07 de Abril acontece em Lisboa a 3ª edição do programa de formação ÁfricaDoc. Uma iniciativa no âmbito do documentário, que visa desenvolver projectos de criação na área.

Durante uma semana sete jovens autores oriundos de Angola, Cabo Verde, Guiné-Bissau e Moçambique, vão estar reunidos nas instalações do Instituto Camões a desenvolver em conjunto os seus projectos.
Prevê-se, igualmente, encontros com outros profissionais (produtores, realizadores e distribuidores), assim como visionamento de filmes e debate com os seus realizadores.

O objectivo desta formação, nesta primeira fase, é a apresentação e o desenvolvimento técnico dos projectos. A esta fase seguir-se-ão outras duas a acontecer na Ilha de Goreé, Senegal, de 03 a 07 de Maio perante uma plateia de potenciais financiadores.

Em 2005 foram apresentados 35 projectos oriundos de 19 países diferentes, e estiveram presentes 15 representantes de televisões, como por exemplo a ARTE, o CFI, a TV5, a France 5, RTP África, TCV e a TVM, entre outras.

A ideia subjacente a este programa ultrapassa meras questões de entretenimento, e visa, sobretudo, contribuir para a construção de um certo património cultural e económico muito em voga, hoje, com o documentário de criação.

29 de março de 2006

Manhã de outono

Ainda que este azul que me excita para a vida
Traga em si também a morte
Eu te desejo
Manhã de outubro

Seu azular, o instante que torna rubro este coração
Não é simplesmente sol, brisa, álcool
Ou solidão na noite

Pois o amor já não somente urge,
Espera entre

O mar e a pedra
E os odores de suas pétalas

Outubro derrotou o tédio, o cinza, a náusea
E a indiferença dos homens

E mesmo a intransigência das estações
As horas passadas ou perdidas
Seria capaz de deter a flor
Que brota em plena a pressa, o pânico
E os planos do Planalto Central do Brasil

Renato Casimiro

28 de março de 2006

Para além da literatura

Pinok e Baleote é o título de um livro juvenil da autoria do artista plástico português Miguel Horta lançado há poucos dias em Portugal. Uma obra que narra a história da amizade entre um menino com fama de mentiroso e uma baleia, ocorrida em Tamarindo, uma ilha imaginária de Cabo Verde situada entre a Brava e o Fogo. A amizade e a solidariedade constroem a linha matriz dessa obra que nutre uma ambição para além da literatura. A ideia última do livro é contribuir de forma diferenciada para a integração das crianças cabo-verdianas em Portugal.

A motivação para escrever Pinok e Baleote surgiu de uma relação do autor com Cabo Verde iniciada em 1979, aquando de uma visita efectuada a estas ilhas.

Miguel Horta é conhecido como “um pintor que gosta de palavras e de pessoas”. “Sou bastante ligado à comunidade cabo-verdiana aqui em Portugal", disse. Já colaborou com o CIDAC (Centro de informação e documentação Amílcar Cabral) e a Associação de Caboverdeanos. Desde cedo encarou a animação cultural como um instrumento válido para a comunicação das ideias.

Em 1983 fez uma exposição chamada Pinturas de uma viagem a Cabo Verde. “Convivo, quase todos os dias com amigos crioulos”, remata. Resta-nos agora aguardar um lançamento aqui nas ilhas.

20 de março de 2006

Tras di Son

Tras di Son é o primeiro disco de Ângelo Barbosa -Djinho - lançado recentemente na Cidade da Praia. Um trabalho diferenciado pela ousadia, e pela especificidade de produção – juntou 35 músicos de diferentes feições e gerações. Uma provocação há muito engendrada pelo artista que foi fundador do grupo “Abel Djassi”, membro do grupo “Finason” e mais recentemente do “Quarteto em Si”. Djinho pertence àquela geração de artistas dos anos 80, que deu alma e alento à profunda música cabo-verdiana, cuja evolução hoje vivenciamos.

Ouvi o disco numa manhã dessas. Pareceu-me sons de reencontros e de descobertas. Ou mesmo, um desafio às potencialidade artísticas e rítmicas das ilhas… uma síntese da diversidade, não apenas endógena. Tras di Son para ouvir e apreciar mercê da sua pluralidade rítmica e de estilos! Um tributo à universalidade da música cabo-verdiana.

16 de março de 2006

Frida Kahlo

A mulher desfeita construiu para si mesma uma coluna de aço, e ousou encenar-se nua, viver a sua sensualidade através dos pregos e das lágrimas que pintou sobre um rosto impassível como pedras de arremesso, fórmulas inconvencionais de maquilhagem. A mulher da coluna de aço ergue-se, altiva, sobre uma paisagem de crateras e devastação. A singularidade radical da sua obra reside, andaime a andaime, no rigor da sua auto-estima.
Inês Pedrosa, em Jornal de Letras

15 de março de 2006

Sobre a verdade

A verdade, quando impedida de marchar, refugia-se no coração dos homens e vai ganhando em profundidade o que parece perder em superfície... Um dia, essa verdade obscura, sobe das profundidades onde se exilara e surge tão forte claridade, que rasga as trevas do Mundo.
Rolão Preto

14 de março de 2006

S. Nicolau: a ilha do passado

Conhecer, hoje, a ilha de Chiquinho (título do primeiro romance cabo-verdiano de Baltazar Lopes) provoca em muitos um misto de alegria e tristeza. Uma sensação difusa, resultante de uma memória do passado que paira no ar, envolto de um silêncio perturbador.

S. Nicolau foi durante muitos anos o centro do saber da intelectualidade cabo-verdiana, graças ao papel do Seminário-Liceu, fundado a 3 de Setembro de 1866 por um grupo constituído por cónegos, sacerdotes e seminaristas acabados de chegar à ilha.

De referir que o programa de estudos do Seminário-Liceu era equiparado ao dos Liceus em Portugal, e não era oferecido apenas aos candidatos a padres, mas também aos destinados ao funcionalismo público. Por esta razão, pode-se afirmar que o Seminário-Liceu de S. Nicolau produziu um manancial de funcionários e professores que muito contribuiu para o desenvolvimento sócio cultural destas ilhas. Figuras como Baltasar Lopes, José Lopes, António Aurélio Gonçalves e João Lopes são apenas alguns exemplos da plêiade intelectual saída da instituição.

De realçar que em todos os estudos sobre o percurso da Igreja Católica em Cabo Verde a época de S. Nicolau (1866 – 1940) é tida como um momento decisivo não só para a consolidação da igreja no nosso país, como também para a formação intelectual e moral das ilhas. Durante esse período os bispos passam a residir definitivamente na Ilha de S. Nicolau

Outro monumento que alia o passado de S. Nicolau aos fundamentos profundos da Igreja Católica em Cabo Verde é a antiga Sé Catedral, construída nos finais do Século XVIII. Hoje, numas obras de restauração que caminham a passos lentos, muito poderá se perder, tendo em atenção a crescente degradação das peças valiosas da igreja que estão amontoadas provisoriamente num quarto do Seminário-Liceu.

Num passado menos remoto, nunca é demais lembrar o árduo trabalho feito pelos padres capuchinhos, chegados em Cabo Verde em 1947, período de Renascimento da Igreja Católica em Cabo Verde. Em S. Nicolau, Vila Ribeira Brava, ainda se encontra um dos primeiros capuchinhos que pisou estas ilhas, Padre Mauro. No Tarrafal encontra-se também o Padre Josualdo, que em parcos picos de lucidez deixa a nítida ideia de que quando chegou àquele povoado nada encontrou. Tarrafal é hoje o centro mais dinâmico e desenvolvido da ilha.

A Vila da Ribeira Brava encontra-se em sono profundo em companhia da sua grandeza histórica, cujos tentáculos correm o risco de permanecer no passado, se não se fizer algo já.

6 de março de 2006

Lágrimas da virgem

Guardei as palavras numa caixa para segredos.

Quando se morre

ExampleHenrique Teixeira de Sousa esteve em Novembro do ano passado, nestas ilhas, onde lançou, dir-se-ia que a titulo de despedida, o seu último romance Oh mar de Túrbidas Vagas. Uma homenagem expressa ao poeta bravense, Eugénio Tavares, e às viagens longínquas do cabo-verdiano à descoberta da América, de que também foi personagem. Era originário da minha ilha e autor do primeiro livro de contos que li na minha vida. Conheci-o era eu uma adolescente, em S. Jorge, na praia das Salinas, que ele chamava de piscina natural do Fogo. Gostava do meu nome, o mesmo de sua mãe e filha, dissera-me então.

Teixeira de Sousa deixa um legado incontornável na literatura cabo-verdiana através dos seus oito romances: sendo os mais populares Contra mar e vento, Capitão de mar e terra, e Ilhéu de Contenda, este último adaptado ao cinema.

A sua trajectória confunde-se com a dinâmica histórica e sociológica destas ilhas. Nasceu na ilha do Fogo em 1919, e dividiu a sua adolescência entre a Cidade de S. Filipe, e a zona de S. Jorge, norte da ilha, onde a sua família tinha terras. Fez os estudos liceais em S.Vicente, e seguiu para Lisboa onde cursou em medicina em 1945.

De regresso a Cabo Verde, enquanto escritor, Teixeira de Sousa, muito influenciado pela geração dos claridosos, retratou estas ilhas com olhar crítico e sentido de pertença, tendo deixado para a posteridade um dos mais emblemáticos testemunhos literários da evolução sociológica deste povo. Enquanto médico, sempre esteve próximo dos mais necessitados. Chegou mesmo a exercer o cargo de presidente da Câmara de S.Vicente, onde deixou marcas indeléveis.

Henrique Teixeira de Sousa, morreu atropelado, na semana passada, em Portugal, onde residia há 30 anos, e não pôde cumprir duas promessas: publicar o livro S. Jorge, cujo enredo histórico se passaria na ilha do Fogo e seria uma homenagem ao seu avô, e escrever uma obra lírica sob o título Na Madrugada dos teus olhos.

Em décadas de feitos por estas ilhas, são estas as únicas promessas de Teixeira de Sousa deixadas por cumprir.

2 de março de 2006

A ilha

Recortada de montes e vales, a história de Santo Antão revela um povo com percurso glorioso e uma ilha com sinais que indiciam – já tão distantes das fomes e estiagens dos romances Chuva Braba e Flagelados do Vento Leste – , um mundo que o cabo-verdiano criou…