A Globalização colocou em crítica e em crise o modelo de Estado-Nação. Um pouco por todo o lado, o debate sobre a ideia da Nação e seus conceitos derivados, tais como nacionalidade, identidade nacional, nacionalismo e etc, tem vindo a ganhar ímpeto e impulso. As nações saídas de um colonialismo recente precisam deste debate. O facto de terem passado por experiências traumáticas, como a escravatura e a fome, torna imperiosa tal catarse. E as nações crioulas, oriundas da mestiçagem racial e étnica, não se podem furtar à busca incessante das suas componentes, em prol de uma sublimação de traumas e fantasmas. Entre nós, o debate sempre existiu, algumas vezes de forma espontânea, outras vezes de forma organizada, mas nunca de jeito desinteressado. A busca da nação crioula, perdida quem sabe nos meandros do nosso inconsciente colectivo, tem suscitado muita tensão entre os nossos intelectuais.
Li, com interesse, a reacção crítica do Combatente da Liberdade da Pátria, Carlos Reis, sobre o livro "Em Busca da NAÇÃO notas para uma reinterpretação do Cabo Verde crioulo", do investigador Gabriel Fernandes. O texto de Reis procurava desmontar e contrariar as teses de Fernandes sobre o movimento nacionalista e a própria luta de libertação nacional, liderada por Amílcar Cabral. Este contrapôs com um artigo "demolidor", cáustico e intolerante. Em boa verdade, não entro no mérito do debate, nem faço resenha crítica sobre a obra em questão, merecedora do Prémio Cidade Velha, que tive o gosto de ler.
Ao tentar apresentar uma re-leitura sobre a "Geração de Cabral", trazendo novos dados e novas leituras, Carlos Reis extrapola na afirmação que "a expectativa de tratamento científico da revisita à questão nacionalista cabo-verdiana no âmbito da luta e, desde logo, um tratamento pautando-se essencialmente por parâmetros de isenção e a objectividade possível, acabou por sucumbir perante a tentação de emprestar chancela académica a teses partidárias facilmente contrariadas por factos indesmentíveis".
Há nestas palavras um tom ressentido - se calhar, por ter sido um dos sujeitos dessa saga nacionalista. Carlos Reis tem legitimidade e pergaminhos para teses sobre o processo histórico e sociológico contemporâneo em Cabo-Verde, mas, no caso, devia prescindir de certas emoções.
E a resposta de Gabriel Fernandes alinhou pelo mesmo diapasão e chocou a muitos que esperavam do autor um "banho académico". O sociólogo, para além de responder violentamente à carta de Reis, deixou claro que quem não detém o título de Doutor não está autorizado para falar da sua tese, e nem terá capacidades de a entender. Este "statement" desencorajou qualquer resenha jornalística sobre a obra, por exemplo. O mesmo contraria a posição do prefaciador do livro que afirma claramente que "Esse cuidado de restaurador, ao construir histórias e trajectórias, confere consistência e vida aos contextos estudados por Gabriel Fernandes, tornando a leitura proveitosa e estimulante mesmo para o público não académico." O investigador contraria o seu prefaciador numa única frase da sua carta/resposta: "Habituado que está a ler manuais sob medida, não lhe exijo que compreenda uma tese feita para ser lida por especialistas".
Será que ao público não académico ficou vedado a apreciação da obra em apreço? Terão os doutos, de voz mais académica, os únicos autorizados a buscar a Nação? A existência de sérias rupturas sobre as especificidades e o percurso da nação cabo-verdiana, bem como a necessidade urgente de mais ambiente académico (não desvinculado da pedagogia), onde impere a crítica e o debate descomplexado são as minhas certezas sobre o tempo em que vivemos. Com devido respeito pelos debatedores, diria que, em democracia, nem os juízes estão imunes a juízos dos mais simples cidadãos. Os cientistas tampouco...
1 comentário:
جيد عطلة نهاية الاسبوع
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