31 de julho de 2008
Vietname
Mulher, como te chamas ? - Não sei.
Quando nasceste, tua origem ? - Não sei.
Por que cavaste um buraco na terra ? - Não sei.
Há quanto tempo estás aqui escondida ? - Não sei.
Por que mordeste o meu anular ? - Não sei.
Sabes, não te faremos mal nenhum. - Não sei.
De que lado estás ? - Não sei.
É tempo de guerra, tens de escolher. - Não sei.
Existe ainda a tua aldeia ? - Não sei.
E estas crianças, são tuas ? - Sim.
Wislawa Szymborska
28 de julho de 2008
Viva o Povo Brasileiro
Com grande regozijo soube que o escritor brasileiro, autor da célebre “Viva o Povo Brasileiro”, João Ubaldo Ribeiro, foi o vencedor da 20ª Edição do Prémio Camões. Regozijo, porque tudo se dá num momento crucial para o reposicionamento do Brasil na linha cimeira da CPLP e da promoção da Língua Portuguesa no mundo. Regozijo porque gosto do escritor: aprecio os seus escritos, a sua vida simples, o seu olhar realista sobre o quotidiano da sua região, as culturas, as pessoas. Ele costuma usar uns calções e chinelas e, mesmo a entrevistas, comparece com esse traje digno de um ilhéu que é. Esta é apenas uma pincelada simbólica a respeito desse grande nome da literatura lusófona. Um breve bio: JUR nasceu em 1941, e depois de muitas andanças regressou à sua Ilha Itaparica, nas cercanias de Salvador, de onde voltou a partir. Hoje vive no Rio. Por gostar de João Ubaldo Ribeiro, por considerar a sua Bahia também minha por razões que a razão não explica, estou feliz com o Prémio que o escritor só receberá no ano que vem.
Falando em Bahia, marcará presença no Festival de musica da Baía das Gatas, a cantora Margareth Menezes, a talentosa e rainha da música axé. Um estilo que mescla os sons afros da Bahia (com forte influência religiosa) com o reggae, o samba, e ritmos outros. Margareth Menezes cresceu ao redor dos terreiros, ouvindo histórias dos Nagôs e dos Jejes, seguiu certamente as pegadas de Dodo e Osmar, e foi uma das primeiras mulheres a cantar em cima de um trio eléctrico em Salvador. Foi considerada pelo Los Angeles Times a “Aretha Franklin brasileira”. Baía da Gatas está de parabéns.
26 de julho de 2008
Edvard Grieg: Dança da Anitra, de Peer Gynt
Estou perdido entre uma sombra
e uma amendoeira,
mas estar perdido não significa
não conhecer a beleza do que passa
no instante em que passas
ou estar mais próximo da desolação
neste vestígio antiquíssimo da desolação.
A sombra de que falo
vem de um lugar onde o coração
está próximo,
de um lugar onde a inocência pulsa ainda
sob a terra,
de um lugar onde os lábios pronunciam
a subtileza de um nome
com o teu nome.
Porque tu és essa ave
que o vento reconhece e agita
o coração,
a árvore branca e poderosa
a que os pássaros regressam,
a árvore que cintila na escuridão
e pelo subtil estremecimento da noite é o último refúgio
de quem se encontra perdido
entre a sombra de uma amendoeira
com o teu nome,
algures no mundo,
neste vestígio antiquíssimo da desolação.
Poema de Amadeu Baptista, vencedor do XVI "Prémio Espiral Maior"
24 de julho de 2008
O significado
“… o sorriso amável trocado entre um homem e uma mulher significa o fim de qualquer paixão. As pessoas que se desejam são muito sérias.”
Assis Brasil, in: O Pintor de Retratos
23 de julho de 2008
A Língua Portuguesa e o Brasil
Ontem, no post anterior, limitei-me a anunciar e a enquadrar a afirmação do Ministro da Cultura de Portugal de que Cabo Verde estaria mais bem posicionado que o Brasil para contribuir na expansão da língua portuguesa no mundo. Fi-lo por uma questão de fidelidade ao discurso alheio, ainda que o Ministro não tenha demonstrado esforço algum para sustentar afirmação tão controversa. Dizer apenas que o ensino em Cabo Verde é eficaz não é suficiente.
Vale dizer que o grande desafio educativo de Cabo Verde é a Qualidade. Falta-nos, depois de grandes conquistas neste sector, o Salto de Qualidade. E um dos nossos condicionalismos é a diglossia entre o Português e o Crioulo, a alienar o Bilinguismo Cabo-verdiano.
Considerando sempre o esforço nacional no sentido da expansão e da qualificação do ensino, tenhamos sempre em vista o caso de uma potência como o Brasil, eu diria, o país que se perfila na linha da frente para a potenciação da língua portuguesa no mundo. De resto, os pobres e os ricos brasileiros referenciados pelo Governante português, também os há em Portugal (e em Cabo Verde), o analfabetismo idem.
A rede das universidades existente no Brasil, só para citar um exemplo, traduz-se num manancial de quadros qualificados incomparável à situação de Cabo Verde que apenas nos anos noventa começou a dar os primeiros passos para o ensino superior. A nível nacional, a alfabetização, ainda que considerável, não apresenta um cenário comparável ao Brasil em números absolutos. A literatura brasileira tem no seu portfólio obras e autores com dimensão equiparada aos grandes nomes da literatura produzida em Portugal. A editoração brasileira é mais de 80% de toda a lusofonia. A própria música brasileira tem levado a língua portuguesa a recantos que lusófono algum conseguiu penetrar. De modo que não se compreende o entusiasmo do Ministro de Cultura de Portugal a pretender dar a Cabo Verde um título que já pertence de modo incontornável ao Brasil, a pátria da maioria dos falantes da língua portuguesa no mundo. O Museu da Lígua em São Paulo (foto) é o corolário dessa força, que já conota enorme qualidade.
Terá chegado a hora de aceitar, sem complexos, nem ressentimentos (vejam o caso do Acordo Ortográfico), essa força numérica do Brasil, e convergir esforços também com os países africanos que falam oficialmente o português, em prol do incremento da lusofonia no mundo.
22 de julho de 2008
Pontos de vista
"Amo a língua portuguesa [...]. Eu até queria não ter aprendido outras línguas: só para que a minha abordagem do português fosse virgem e límpida".
Clarice Lispector
Assistia, ontem, ao programa Câmara Clara da RTP sobre a Língua Portuguesa com o Ministro da cultura de Portugal. O programa cativa pelo frescor da jornalista, pelo interesse sempre em alta dos temas, e, sobretudo, pela sua diversidade.
Nessa edição, o que chamou a minha atenção, foi o Ministro a referenciar Cabo Verde como um país que pode jogar um papel fundamental na divulgação da Língua portuguesa no mundo. Nesta posição estaria o Brasil, segundo as estimativas da jornalista, devido ao número da sua população, mas o Ministro advoga que aquele pais da America do Sul ainda não pode desempenhar esse papel na promoção da língua portuguesa porque “tem problemas sérios”. “O Brasil ainda tem ricos e pobres, um analfabetismo muito grande”, diz.
Segundo aquele governante português, os professores cabo-verdianos podem ser um instrumento na expansão da língua portuguesa, tendo em conta "a eficácia do ensino no arquipélago". O entrevistado não deixou, entretanto, de reconhecer o potencial brasileiro traduzido em grandes nomes da literatura em língua portuguesa. Machado de Assis e Clarice Lispector (foto) foram dois dos nomeados.
Esta declaração, recorde-se, destoa de algumas vozes “da terra” que afirmam que a língua portuguesa está em agonia em Cabo Verde, e que hoje se fala mais o crioulo do que o português (uma relação forçada, do nosso ponto de vista) nas escolas, nas ruas, e nos ambientes familiares.
Alguma elite (mais conservadora) acredita, sem grande sustentação lingüística, de que a oficialização do crioulo seria a morte do português em Cabo Verde. Entretanto, os especialistas acham que talvez aconteça o contrário. Com o estatuto oficial das duas línguas, haverá espaço de florescimento de ambas, sem os riscos de interferência ou de diglossia.
8 de julho de 2008
O auto-retrato
No retrato que me faço
- traço a traço -
às vezes me pinto nuvem,
às vezes me pinto árvore...
às vezes me pinto coisas
de que nem há mais lembrança...
ou coisas que não existem
mas que um dia existirão...
e, desta lida, em que busco
- pouco a pouco -
minha eterna semelhança,
no final, que restará?
Um desenho de criança...
Corrigido por um louco!
Mário Quintana
7 de julho de 2008
Amazónia (entre a ficção e a realidade)
"Durante um debate, numa universidade dos Estados Unidos, o "então" Ministro da Educação do Brasil, Cristovam Buarque, foi questionado sobre o que pensava da internacionalização da Amazónia (ideia que surge com alguma insistência em alguns sectores da sociedade americana e que muito incomoda os brasileiros)." Leia extractos da sua resposta.
"De fato, como brasileiro eu simplesmente falaria contra a internacionalização da Amazónia. Por mais que nossos governos não tenham o devido cuidado com esse património, ele é nosso. Como humanista, sentindo o risco da degradação ambiental que sofre a Amazónia, posso imaginar a sua internacionalização, como também a de tudo o mais que tem importância para a humanidade.
Se a Amazónia, sob uma ética humanista, deve ser internacionalizada, internacionalizemos também as reservas de petróleo do mundo inteiro... O petróleo é tão importante para o bem-estar da humanidade quanto a Amazónia para o nosso futuro. Apesar disso, os donos das reservas sentem-se no direito de aumentar ou diminuir a extracção de petróleo e subir ou não seu preço.
(…) Antes mesmo da Amazónia, eu gostaria de ver a internacionalização de todos os grandes museus do mundo. O Louvre não deve pertencer apenas à França. (…)
Durante este encontro, as Nações Unidas estão realizando o Fórum do Milénio, mas alguns presidentes de países tiveram dificuldades em comparecer por constrangimentos na fronteira dos EUA. Por isso, eu acho que Nova York, como sede das Nações Unidas, deve ser internacionalizada.
(…) Nos seus debates, os actuais candidatos à presidência dos EUA têm defendido a ideia de internacionalizar as reservas florestais do mundo em troca da dívida.
Comecemos usando essa dívida para garantir que cada criança do Mundo tenha possibilidade de COMER e de ir à escola. Internacionalizemos as crianças tratando-as, todas elas, não importando o país onde nasceram, como património que merece cuidados do mundo inteiro.
Ainda mais do que merece a Amazónia. Quando os dirigentes tratarem as crianças pobres do mundo como um património da Humanidade, eles não deixarão que elas trabalhem quando deveriam estudar, que morram quando deveriam viver.
Como humanista, aceito defender a internacionalização do mundo. Mas, enquanto o mundo me tratar como brasileiro, lutarei para que a Amazónia seja nossa. Só nossa!
nota: Os momentos contribui para a internacionalização desta ideia.
3 de julho de 2008
La Strada do Cinema
Tive a ventura de participar do Festival Internacional de Cinema de Alba, a convite do Padre Octávio Fasano, missionário capuchinho. O Festival difere dos outros, não pela temática que tende a generalista, mas pelo conteúdo que centra no Humanismo. Este ano, a figura central era o cineasta canadiano Paul Haggis, (foto nº1) igualmente guionista vencedor de dois Óscares, um pela escrita de "Million Dollar Baby" e outro por "Crash". Durante o Festival, a coqueluche fora "No Vale do Elah", seu mais recente trabalho.
Em conversa com Paul Haggis, apercebi-me da enorme dimensão humana do cineasta e o porquê de ser estrela cintilante na constelação dos maiorais da Sétima Arte. Paradoxalmente, Haggis, durante toda a entrevista, dissimulava a sua complexidade com uma misteriosa simplicidade. Uma dissimulação que chegava ao "charme discreto", diga-se de passagem.
Não sei se "No Vale do Elah" é sua obra-prima. Trata-se aqui de um outro prisma, de um outro cinema. Paul Haggis coloca o foco por dentro (como um expressionista) e conta-nos dos estados da alma. Vou à classificação dos estilos e das linguagens, mas não encontro adjectivos para o qualificar. Quando descreve a guerra, como "No Vale do Elah", Haggis aproxima-se aos existencialistas e obriga-nos a reler Heidegger e Sartre. Convida-nos a responsabilizar. Não há neutralidade possível. Somos humanamente contra a guerra. As sequelas da guerra são a marca indelével do mais diabólico. Os limites de matar ou de ser morto (faces afinal da mesma moeda).
E o actor Tommy Lee Jones (foto nº2), num autêntico underacting, vai (des) construindo o que sobra de um pai cujo filho militar estaria desaparecido. Trata-se, sem dúvida, de um prisma outro…
Da ventura que tive, conto sobre o encontro com Paul Haggis e outros encontros, tudo do que vi e vivi durante o Festival Internacional de Cinema de Alba, numa reportagem televisiva a ser emitida na TCV, no domingo, pelas 21 horas. Convido-vos a participarem em La Strada do Cinema.
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