22 de julho de 2008

Pontos de vista

Museu da Lingua Portuguesa
"Amo a língua portuguesa [...]. Eu até queria não ter aprendido outras línguas: só para que a minha abordagem do português fosse virgem e límpida".

Clarice Lispector


Assistia, ontem, ao programa Câmara Clara da RTP sobre a Língua Portuguesa com o Ministro da cultura de Portugal. O programa cativa pelo frescor da jornalista, pelo interesse sempre em alta dos temas, e, sobretudo, pela sua diversidade.

Nessa edição, o que chamou a minha atenção, foi o Ministro a referenciar Cabo Verde como um país que pode jogar um papel fundamental na divulgação da Língua portuguesa no mundo. Nesta posição estaria o Brasil, segundo as estimativas da jornalista, devido ao número da sua população, mas o Ministro advoga que aquele pais da America do Sul ainda não pode desempenhar esse papel na promoção da língua portuguesa porque “tem problemas sérios”. “O Brasil ainda tem ricos e pobres, um analfabetismo muito grande”, diz.

Segundo aquele governante português, os professores cabo-verdianos podem ser um instrumento na expansão da língua portuguesa, tendo em conta "a eficácia do ensino no arquipélago". O entrevistado não deixou, entretanto, de reconhecer o potencial brasileiro traduzido em grandes nomes da literatura em língua portuguesa. Machado de Assis e Clarice Lispector (foto) foram dois dos nomeados.

Esta declaração, recorde-se, destoa de algumas vozes “da terra” que afirmam que a língua portuguesa está em agonia em Cabo Verde, e que hoje se fala mais o crioulo do que o português (uma relação forçada, do nosso ponto de vista) nas escolas, nas ruas, e nos ambientes familiares.

Alguma elite (mais conservadora) acredita, sem grande sustentação lingüística, de que a oficialização do crioulo seria a morte do português em Cabo Verde. Entretanto, os especialistas acham que talvez aconteça o contrário. Com o estatuto oficial das duas línguas, haverá espaço de florescimento de ambas, sem os riscos de interferência ou de diglossia.

4 comentários:

M.J.Marmelo disse...

Confesso que essa afirmação, que também ouvi, me surpreendeu por dois motivos. Primeiro, claro, por atribuir essa potencialidade aos professores de Cabo Verde, o que de algum modo me sensibilizou também. Mas, sobretudo, por estar implícito, na afirmação do ministro, que Cabo verde já não tem ricos e pobres, já não tem problemas graves para resolver. Creio que ambos gostaríamos que tal fosse a verdade. Mas não é.

pura eu disse...

Exactamente, Jorge. Como cabo-verdiana gostaria que o raciocinio do Sr.Ministro correspondesse à realidade, mas dito dessa forma, numa comparação insustentável face ao Brasil!

Anónimo disse...

Isso soa mais ao paternalismo do tipo "Mário Soarismo", porque sinceramente, se se fizer uma análise lógica da coisa, acabamos descobrindo que não há a mínima lógica.

Em Cabo Verde, fala-se português por necessidade de escrita e acesso à informação. Convenhamos, que exceptuando uma minoria, fala-se um mau português.
A nossa expressão maior no mundo tem sido através da musica (Cesária, Mayra, Lura, Txeka, etc) e essa é feita em crioulo.

Bem ou mal, o Brasil tem 150 milhões de falantes de português. Veja só o que se encontra em português na Internet. É graças ao Brasil.

Esse Ministro decerto sonhou com Cabo Verde e acordou fazendo esse discurso.

Eu como caboverdiano sinto-me lisonjeado, porem, não podemos ser injustos só porque nos agrada.

pura eu disse...

Exactamente, Dundu. Mas esse discurso vai para além de um simples sonho. É toda uma estratégia de usar Cabo Verde como sempre fizeram. Nós somos os "morabis" da africa lusofona, estamos na União Europeia, somos isso, somos aquilo... O pior é que há quem se embarque nesses delirios.