30 de agosto de 2010
A Internet e os Candidatos
Carlos Veiga lança na terça-feira o seu site de combate para as legislativas de 2011. O motivo dessa nova frente digital é confesso e assumido no próprio endereço do site. José Maria Neves ainda não anunciou o seu site. Ele criara há meses um blog que não teve continuidade, já que não passou de dois posts. Se bem que o blog de Neves não parece ser um instrumento de campanha. A marca do Primeiro-Ministro, candidato à sua sucessão em 2011, parece ser o Facebook, onde os pedidos de amizade já ultrapassam o limite permitido e o mesmo, como confessou em tempos, cogita a possibilidade de abrir um “fan space”. Debates sobre vários assuntos da actualidade governativa com a participação do próprio autor, têm acontecido no mural do Primeiro-Ministro.
Carlos Veiga também está no Facebook. A sua conta é gerida por alguém próximo e o número de pedidos de amizade também tem aumentado vertiginosamente.
As redes sociais com o recurso às NTICs não são apanágio apenas dos candidatos a Chefe do Governo. Os presidenciáveis Aristides Lima, David Hopffer Almada e Jorge Carlos Fonseca já têm as suas contas no Facebook, e devem estar a preparar-se, a depender dos entendimentos internos, para a abertura de sites. Manuel Inocêncio Sousa ainda não deu sinal de estar na terceira vaga da comunicação política.
As últimas movimentações servem para demonstrar que, nestas eleições, os media tradicionais não terão o monopólio dos debates. Outra valência da exploração do meio digital, tem a ver com a participação da diáspora. Se se reparar, nomeadamente no Facebook do Primeiro-Ministro, grande parte dos intervenientes nos debates são cabo-verdianos radicados no exterior. Esta tendência, da participação da diáspora, já era notória nos comentários dos jornais onlines existentes no país.
Da regulação
Não havendo legislação sobre propaganda nos meios electrónicos, o regulador dos novos sites políticos será o bom senso dos seus patronos e o próprio retorno dos internautas. De qualquer forma, fica a dúvida sobre os riscos, para lá das virtudes, das novas sociabilidades de comunicação. Estamos apenas diante da ponta do iceberg. Para o bem e para o mal…
No Brasil, por exemplo, por iniciativa de um deputado federal, foi aprovado um projecto de lei que altera a Lei Eleitoral e regula a propaganda na Internet.
A Lei, a ser regulada, deve igualmente incidir sobre propagandas extemporâneas na rede. Afinal, temos candidatos em campanha, mas a campanha ainda não começou.
fotu: imagem que José Maria Neves exibe no seu perfil no facebook
A lição de Cícero
A história é testemunha do passado, luz da verdade, vida da memória, mestra da vida, anunciadora dos tempos antigos." (Cícero)
fotu: cidade velha: Kay
16 de agosto de 2010
Tarantino, Eli Roth, e o gosto (vermelho) de sangue
Da estética: Volto a Quentin Tarantino, provocador-mor do cinema. É daqueles astros, herméticos e misteriosos, no propósito estético e psicológico da arte que praticam. Na sexta-feira passada, a TCV exibiu Hostel: part II, uma realização de Eli Roth, com participação de Quentin Tarantino na escrita original do argumento e na produção. Um filme que percorre todos os labirintos de loucura (habitués) do realizador. A fotografia é irrepreensível: a cinza do silêncio, a luz e a sombra, a ponte e as extremidades do terror (entre a clausura e a liberdade), as figuras pálidas de feições expressivas na sua diversidade (todas), os cães de andar serpenteado, a cama de ferro, a morte ensanguentada, a “ética” do pacto no sub mundo do crime. Só visto! A corrupção, a degradação humana, a decadência da vida da terra, e o teatro da morte a vermelho, como a celebração do fim.
Do enredo: a narrativa serve de ponto de partida e de chegada para as provocações estéticas de Eli Roth/Tarantino, (discípulo e mestre) um pretexto para os complexos diálogos inter textuais: um cartel com base na Eslováquia que domina e mata as suas presas humanas como demonstração de poder e escárnio. Tudo acontece num sítio encurralado, exageradamente tecnológico. As vítimas sofrem até à morte e, ao mostrar esses pormenores, Tarantino se afirma hiperbolicamente igual à sua linguagem fílmica; Os preparativos também são impecáveis; as vítimas são perversamente bem tratadas nos preliminares do fim.
Do olhar: ninguém consegue em perfeita dimensão enquadrar o excesso de violência no Hostel II (alguns países proibiram a exibição do filme): o realizador e Tarantino, juntos, exploram o seu domínio ilimitado da linguagem cinematografia: pintam cenas, dão corpo a mundos, constroem e destroem ilusões. Matam com perversão e violência total. Dir-se-ia que trabalham para um clube de admiradores do sangue.
Sem redenção: na cena final uma mulher decapita a outra e, de seguida, surge um grupo de meninos de feição latino-americana a fazer de bola de futebol (divertidamente) a cabeça da vítima.
Anos
“Os momentos” completou seis anos na semana passada. Gosto de aqui estar a partilhar convosco o dia que passa. É uma “força estranha”: pura eu
13 de agosto de 2010
Antes de amar-te
Antes de amar-te, amor,
nada era meu:
vacilei pelas ruas
e coisas:
nada contava,
nem tinha nome:
o mundo era
do ar que esperava.
E conheci salões cinzentos,
túneis habitados pela lua,
hangares cruéis que se despediam,
perguntas que
insistiam na areia.
Tudo estava vazio, morto e mudo,
caído, abandonado e decaído,
tudo era inalienavelmente alheio,
tudo era dos outros e de ninguém,
até que tua luz, teu sorriso
encheram minha alma.
Nomes e prenomes tive
beijos, carícias e
carinhos me deste,
e tua beleza e tua
pobreza de dádivas
encheram meu outono,
meu inverno,
minha primavera,
meu verão
e agora,
sem o outono de volta...
Pablo Neruda
11 de agosto de 2010
Coetzee: o poliedro dos espelhos
J.M.Coetzee é um escritor surpreendente. Prova-o os seus livros.
“Verão”, a sua última obra, é parte da trilogia de suas memórias ficcionadas e iniciadas com Boyhood e Youth. Em verdade, ousa um terceiro olhar sobre uma África do Sul insular, sem perspectiva humana comum, nem rumo ou esperança. A obra é diferente de tudo, tão existencial quão extensivamente intrigante e desafiante. Onde começa e termina a ficção em "Verão"? Ninguém consegue dizer e muito menos perceber as fronteiras que o texto insinua, tal a carga táctil da realidade narrada.
O escritor faz uma autobiografia ficcionada de Coetzee, o próprio, entre os anos 1972-75. Um biógrafo viaja até África do Sul, França, Estados Unidos e Brasil e entrevista cinco pessoas que teriam marcado a vida do escritor sul-africano. Os relatos caminham entre temas de carácter pessoal, íntimo, familiar e literário. O curioso é que em nenhum desses retratos Jonh Coetzee é descrito como uma alma bem sucedida, muito pelo contrário: o fracasso, a inaptidão, a falta de dom, de jeito, de estilo perpassam todas a áreas da sua existência. Um perfil do "socialmente falhado", um "gauche na vida", parafraseando Carlos Drummond de Andrade.
Julia, Margot, Adriana, Martin e Sophie foram amigos, algumas, amantes de Coetzee, mas fatalmente incapazes de demonstrar um pingo de admiração pelo homem que se tornaria num escritor notável e prémio nobel de literatura.
África do Sul, Cidade do Cabo, o nacionalismo, a inadaptação dos africânders de ascendência holandesa numa terra que também lhes pertence. A Universidade, um professor branco que ensina literatura africana em meados dos anos 70 sob os ventos do apartheid.
Estaria o escritor num jogo de espelhos, em assumida dispensa do real? Senão vejamos os seguintes trechos da pergunta do biógrafo e resposta da Sophie:
Vincent: Passando às suas obras: falando objectivamente, como crítica, que avaliação faz dos seus livros?
Sophie: Não li todos. A seguir a Desgraça perdi o interesse. Em geral diria que falta ambição à sua obra. O controlo dos elementos é demasiado acanhado. Não se tem nunca a sensação de um escritor que deforma o seu meio de expressão para dizer aquilo que nunca foi dito, o que constitui para a mim a marca da grande literatura. Demasiado frio, demasiado conciso, diria eu. Demasiado fácil. Demasiado falta de paixão. Mais nada.
5 de agosto de 2010
Quando passo
Sou como você me vê,
posso ser leve como uma brisa,
ou forte como uma ventania,
depende de quando,
e como você me vê passar.
Clarice Lispector
3 de agosto de 2010
"Lá e Cá" inspira
O programa “Lá e Cá”, co-produzido pela TV Cultura (Brasil) e pela RTP (Portugal), foi emitido inicialmente nesses dois canais e, agora, já pode ser visto também na RTP África, até para servir de inspiração.
O projecto, da autoria do jornalista brasileiro Paulo Markun e com participação especial de Carlos Fino, funciona como uma rede interior que cobre duas culturas: a brasileira e a portuguesa. O desafio é mostrar, em cada episódio, onde começa e termina a presença de Portugal no imenso mundo brasileiro. Dir-se-ia o cumprir o vaticínio de Fernando Pessoa de ser o Brasil “um Portugal à solta”.
No programa de ontem, por exemplo, fica-se a saber que muitas lendas sobre bruxas chegaram ao Brasil com a emigração açoriana: os cristãos novos que desembarcaram nas terras de Vera Cruz, fugindo à inquisição.
Todo o imaginário que percorre o imenso Brasil, de norte a sul, acerca de Dom Sebastião, que desaparece na batalha do Alcácer Quibir, foi também explorado no programa. “O messianismo reinterpretado no sebastianismo” é elemento presente da guerra dos contestados e dos canudos, entre outros. Nos Lençóis Maranhenses, todos têm uma história inspirada no sebastianismo mítico.
Às tantas, Markun pergunta a um entrevistado, via Internet, acerca de um herói nacional brasileiro: seria Macunaína, uma invenção literária de Mário de Andrade, baseada na antropofagia cultural. O sentido da apropriação (e posterior recriação e reinvenção) da cultura originalmente portuguesa, algo notório e notável entre os brasileiros.
Igualmente, o culto à hierarquia e a celebrização das pessoas, nuances que a meu ver foram largamente ultrapassadas pela cultura brasileira.
E para fechar, pergunta Markun, com muita pertinência, o porquê de a relação entre o Brasil e Portugal não avançar mais, no que o entrevistado, historiador, penso, responde, quase pessoanamente: não houve ruptura, mas sim uma continuidade...
“Lá e Cá” tem um formato misto, com uma base documentarista muito forte: o diálogo entre Carlos Fino e Paulo Markun perpassa todo o programa que é permeado por outras duas vozes em reportagem, uma brasileira e outra portuguesa. Os entrevistados - populares, historiadores e professores de literatura, entre vários - também pertencem aos dois territórios.
Uma excelente iniciativa documental e jornalística. Dá gosto ver seriedade, competência e curiosidade intelectual em forma de programa de televisão.
2 de agosto de 2010
J.M.Coetzee, for ever!
“Tem de acreditar quando lhe digo que nada – mas mesmo nada – estava mais longe do meu espírito do que namoriscar com aquele homem. Porque ele não tinha qualquer presença sexual. Era como se tivesse sido pulverizado da cabeça aos pés com um spray neutralizador, um spray castrante.”
nota pura: uma passagem de “Verão”, último livro do Nobel J.M. Coetzee: A fala é de Julie e refere-se ao próprio Coetzee numa inabalável escrita deste. Uma narrativa em que o escritor sul-africano se reinventa para si e para a literatura. Voltamos com mais detalhes, ainda andamos a meio do "Verão".
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