4 de abril de 2011

Claire Andrade-Watkins: um abraço à Terra Mãe

Claire Andrade-Watkins

























"Some Kind of Funny Porto Rican? A Cape Verdean American Story” (SKFPR ). Este filme mereceu uma nota há poucas semanas nesta página, mas o melhor estaria certamente por vir, depois de uma conversa com a cineasta, Claire Andrade-Watkins. Cabo-verdiana de segunda geração, professora na Emerson College, docente visitante na Brown University, e fundadora /directora de SPIA Media Produções.

No começo da nossa conversa quisemos saber quais as razões, à par do fazer cinema, que ditaram a estrada desta tão aclamada e tocante produção. Um filme que conta a saga dos cabo-verdianos em Fox Point, estado de Rhode Islands. Da sua fundação pelos cabo-verdianos à sua destruição, por motivos de urbanização, ela desfia a história de Fox Point.

Num universo onde as minorias nunca foram protagonistas, Andrade-Watkins quis quebrar as regras e contar a memória do seu povo em primeira pessoa - literalmente, é o que faz ela no filme. “Na qualidade de estudante de história /PhD, passei a conhecer o peso da história “oficial”. Aprendi que quem escreve uma história escolhe um roteiro.” É isso que Claire Andrade acaba por fazer em Some Kind of Funny Porto Rican? A Cape Verdean American Story. Resgata a memória, a história e a cultura de um povo atlântico que se aventura num universo estranho e reinventa uma identidade complexa e em permanente busca de integração.

A comunidade, a memória ...


Demolição da casa de Mamai Alves 88 Alves Way -
último simbolo da comunidade CV em Fox Point


A primeira reacção ao filme foi na própria comunidade que recebeu o documentário como um “sólida reflexo da sua voz, memória e história”. O filme foi um fenómeno, diz Andrade-Watkins. Muitos dos participantes desse trabalho, que durou 10 anos a produzir e ficou pronto em 2006, já faleceram e isso, acrescenta ela, empresta cada vez mais o valor ao trama.
O contacto permanente com a comunidade aquando da produção do filme foi importante, admite a autora. Houve até episódios curiosos. “Muita gente teve problema com o título Some Kind of Funny Porto Rican? De todo o modo, isso reflecte a percepção que se tem de nós nos Estados Unidos. Mas graças à contribuição da comunidade, chegamos ao acrescento: A Cape Verdean American”, diz Claire.

os momentos: Vejo que as questões da memória e da identidade caminham juntas nos teus projectos de cinema. Como esse tipo de trabalho pode contribuir para o debate sobre a identidade real, na diáspora e nas ilhas?

Claire Andrade-Watkins: Antes de mais, precisamos desmistificar percepções e confusões que foram projectadas em nós particularmente nos domínios de raça, identidade e história. Um dia havemos de estar cansados da discussão sobre “What are you”?
A mensagem dos trabalhos de Claire Andrade Watkins, vídeos e não só, passa por explorar a riqueza de valores (amor, fé, família, tenacidade, honestidade e trabalho) da comunidade cabo-verdiana nos Estados Unidos, captando as nuances e a força dessa diáspora multi-geracional e global.

The universal parts of who we are as interpreted through the eyes/mind/soul of someone born and raised in this remarkable community”, remarca.

Portal Atlântico

O actual filme da realizadora, Portal do Atlântico, obedece a mesma linha de pensamento: é o segundo filme de uma trilogia de documentários, depois de Some Kind of Funny Porto Rican, este filme fala dos cabo-verdianos hoje, mais concretamente daquilo que se perdeu e do esforço que se faz para manter o sentido de comunidade apesar da destruição de Fox Point.

Claire Andrade-Watkins faz uma profunda e enigmática discrição do seu novo filme. “Portal do Atlântico faz a história regressar a Cabo Verde em busca de “casa” apenas como meio de voltar a Fox Point, com a consciência de que ser cabo-verdiano é um estado de espírito e não apenas um endereço postal.
“A derradeira oportunidade de recapturar a história por parte daqueles que foram os guardiões da memória, da história, da cultura e da herança cabo-verdiana em Fox Point. Portal do Atlântico é um dos três recursos sobre essa genuína comunidade, a sua história de imigração, de deslocamento e de esperança”, completa.

Parada de Santo António em Fox Point (2009)

























Perante esse entrecruzar de memórias, em que o espaço ganha um lugar no desenho da identidade, quisemos saber como é que a segunda geração vive Fox Point, como a sua memória pulsa por Cabo Verde nos Estados Unidos.

“Aqueles da segunda geração, como eu própria, continuam a ter uma forte noção da cultura, língua e ligação com a primeira geração, nossos pais. Mas estamos preocupados com a terceira e com a quarta gerações. Sim, em Fox Point estamos a caminhar para a sexta geração. Muitos de nós, estamos empenhados em documentar e preservar a nossa história/memória e cultura. Muitos dos cabo-verdianos de origem como eu que já caminhamos para mais de 40 anos, devido à deslocação, regressamos e estamos a trabalhar arduamente para reclamar a nossa memória/história/ e legado para as futuras gerações. É uma batalha, penso!”

Claire Andrade-Watkins reconhece que o passado de Fox Point já foi. Mas acredita no futuro, e é nesse sentido é que pertence ao grupo que trabalha incansavelmente para um dia fazer a comunidade regressar a Fox Point.

Cinema nosso

O trabalho de Claire Andrade.-Watkins não se restringe à sua comunidade. Também ensina o cinema africano-americano e o cinema da diáspora africana, incidindo sobre as fórmulas de produção de documentários independentes. O seu mais recente trabalho académico publicado foi um ensaio sobre Ousmane Sembene e o cinema africano, nas edições Samba Gadjigo, Sada Niang Dakar, Senegal, Dakar,Senegal: Editions Papyrus Afrique, 2010.

Por fim, o cinema, cabo-verdiano/africano! Que cinema é esse? Cinema, enfatiza a realizadora quer dizer produção, exibição e distribuição por cabo-verdianos/africanos. Não é este o caso, e o grande desafio “para nós, é criar um cinema (uma mídia) com nossa voz, nossas histórias, e nossa audiência”. O grande desafio para Cabo Verde, para África.

Portal Atlântico está em fase de pós produção e a sua finalização está aberta a contribuição de todos através do conceito (kickstarter). Um projecto ambicioso, cujo modelo de produção pode servir de referência para projectos futuros similares.

"A Cultura é o produto importante do século XXI. Por isso, os cabo-verdianos não podem perder o seu filão cultural, sob pena da alienação. Para os cabo-verdianos da Diáspora, Cabo Verde será sempre a Mãe Terra. Cabo Verde tem a responsabilidade de perceber que uma grande comunidade identitária beneficiará todos nós na Nação Global Cabo-verdiana." Claire Andrade-Watkins, a primeira cineasta do mundo Cabo-verdiano.

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