30 de junho de 2006

Sandjon na Brava

24 de Junho, Sábado, festa de S.João, Ilha Brava. É o dia mais importante para a Ilha das flores. Um dos poucos dias em que Cabo Verde lembra desse pedaço de arquipélago esquecido na bruma dos tempos. É o dia em que os filhos de nhô Tetei usam as suas melhores roupas, participam na passeata matinal com os presentes para o mastro, e celebram no meio a um colorido estonteante a missa dedicada a S.João Baptista, padroeiro da Ilha. É o dia de encontros entre os que ficaram e aqueles que partiram para sempre regressar.
É à volta dessa festa que a Câmara Municipal assinala o dia do município com actividades recreativas várias, inaugurações, e espectáculos musicais nos dias que antecedem o 24 de Junho.

A festa de Sandjon 2006, na Brava, reservou também espaços para homenagens: a título póstumo, o intelectual Luis Loff de Vasconcelos, pertencente à lista dos chamados protonacionalistas e contemporâneo de Eugénio Tavares, foi um dos contemplados. O seu bisneto Luís Vasconcelos viajou de S.Vicente para a Brava, em representação do pai, para celebrar o momento, e viu esse gesto como um merecido reconhecimento a um dos primeiros intelectuais que defendeu a independência destas ilhas, através da imprensa.

Nha Mádjinha de Candé, coladera e conhecida na ilha como "fazedera de rebuçados" e Nhô Mundinho, tocador e "fazedor de tambor" foram também homenageados.

Há quatro anos que o festeiro da bandeira de S.João tem sido a Câmara Municipal, mas este ano a tradição se cumpriu e à moda antiga. A própria comunidade tomou a bandeira, e promete sob coordenação do conhecido proprietário da Pensão Paulo, para o próximo ano, bandeira grande com muita animação, e muita ajuda, principalmente dos muitos filhos das ilhas e dos residentes na diáspora. Antigamente, as festas de Santo na Ilha eram dadas em cooperativa. Talvez seja o momento de resgatar em toda a sua dimensão esse passado, tal é o custo que envolve o patrocínio de uma bandeira hoje.

A Ilha de Nhô Eugénio permanece, entretanto, em sono profundo. O mesmo silêncio retratado, há um ano, neste espaço.

29 de junho de 2006

Mayra

ExampleA cantora Mayra Andrade encontra-se em Cabo-Verde, vinda de Paris onde reside, e traz na bagagem uma grande novidade: o seu primeiro álbum “Navega”.

A cantora surpreende pela interpretação e pela composição, pois o álbum marca a estreia de uma compositora a se afirmar.

As doze faixas do álbum “Navega” denotam uma Mayra Andrade mais madura e mais dona de recursos do canto e da interpretação. Enraizada nos valores musicais de Cabo Verde, ela acrescenta à cabo-verdiana um toque sofisticado de quem também já se habitou em outras claves, harmonias e arranjos. Para lá de tanta graça e alguma originalidade, é a Mayra Andrade compositora que nos surpreende desta feita. Este disco marca, nas suas nuances intangíveis, uma cantora já saída da adolescência e inaugurando a idade adulta com elegância e sentido estético.

Ressalta-se também em “Navega”, o bom gosto do repertório. Tanto na selecção de compositores como Betú, Pantera e Kaká Barbosa, como na ousadia dos arranjos, ora com simplicidade acústica e tradicional, ora com arrojo jazzy, própria de quem já é senhora do mundo. O naipe dos participantes no álbum é na sua maioria estrangeiro, mas a base criola do trabalho foi fielmente garantida por Kim Alves que tocou vários instrumentos e pela própria Mayra.

Mayra Andrade cantou desde pequena, um pouco por todo o lado por onde passou, quase sempre em ambientes restritos e familiares. Mas depois aconteceu o seu momento de glória – a Medalha de Ouro do Festival Internacional da Francofonia, em Quebéc, Canadá. Ela tinha apenas 17 anos, mas apostada em se fazer à roda de alguns dos músicos, como Mário Lúcio, Ildo Lobo e Orlando Pantera. Em Quebéc, ela encantou não apenas pela forma com interpretou a música “Lua”, de Princesito, mas também pela energia, alegria e inteligência. A Francofonia não resistiu aos mil encantos da jovem cantora e fê-la a sua mais jovem galardoada de sempre.

Habituada, tanto nas ilhas como no mundo, a compartilhar a sua arte, Mayra Andrade parte deste álbum para uma tournée internacional, que a ocupará na “estrada” nos palcos internacionais. Por isso, o retorno a Cabo Verde não é só o descanso merecido desta Diva, mas sobretudo um recarregar as baterias para novos encontros que o seu dinamismo impõe. Um perfume de Mayra Andrade é promessa para o próximo sábado, no Tabanka Mar, antes da sua partida.

27 de junho de 2006

A Voz

Come in here
And have no fear
I´m gonna walk you
Through this gate of sound

So come in here
And see for yourself

Um convite de Andreas Vollenweider para ouvirmos Vox. Um disco que homenageia a voz. A arma humana de todos os combates, sejam eles raciais, sociais, e espirituais. A voz como um elemento que harmoniza, serena, brilha. A voz como possibilidade de vida. Nesse disco entende-se a voz, ainda, como presença, inclusão. É interessante sentir a harmonia sonora que pode produzir a mistura de um violino chinês, com um som africano e uma flauta indiana. Esse disco é todo ele irreverente. As vozes de 1 milhão de pessoas que participaram na marcha contra a guerra no Iraque, em 2003, em Londres, foram incluidas na música Wake Up and Dance. Podia falar infinidades deste álbum. Confira você mesmo aqui!

20 de junho de 2006

O criolo do Steadfast

A Organização do Tratado do Atlântico Norte – NATO, em sigla inglesa – é uma organização alargada e multinacional, não só porque a compõem muitos países da Europa e da América do Norte, mas também indivíduos das mais diversas origens.
Um dos insólitos, que não deixa de ser curioso e agradável, é a presença entre as suas fileiras de Romano Gomes dos Santos, um cabo-verdiano, de nacionalidade holandesa. O jovem militar de apenas 22 anos de idade, está eufórico e orgulho de fazer parte dos exercícios Steadfast Jaguar 06, que decorrem em Cabo Verde, destinados a testar a Força de Intervenção Rápida (NRF), comando recém criado pela NATO. E isso é visivel nas andanças que faz pela Cidade da Praia. Um misto de encontros, cumprimentos, olhares curiosos, enfim! A satisfação provocada pela presença de um caboverdiano numa missão de importância universal.
Nos exercícios Steadfast Jaguar 06, Romano não é um operacional, no sentido tradicional do termo, na medida em que a sua missão é administrativa e a sua função de articulação local, recaindo sobre ele uma responsabilidade especial e delicada. Muitas vezes, vê-se mesmo obrigado a esclarecer às pessoas sobre o papel desta missão.
Romano Gomes dos Santos começou a sua carreira militar na tropa holandesa em agosto de 2001 e entrou para a NATO em 2005. A farda de gala que exibe na foto acima resume alguns dos grandes momentos por que passou a sua carreira militar. A missão na Bosnia em 2003, por exemplo, é um dos momentos que recorda com muito sentimento, devido ao sofrimento humano que presenciou.
Feliz de haver regressado numa ocasião pontual, Romano não deixa de ser um exemplo da potencialidade da emigração cabo-verdiana pelo mundo. Tendo deixado Cabo Verde aos 4 anos de idade para acompanhar a família na aventura da “terra longe”, é para esta mesma familia que endereça palavras de amizade, e de carinho. "N sta contenti, e n´ta mánda um abraço pa nhas familias, amigos e amigas, e um grandi bejo pa nha mãe na Holanda", diz.
Além da causa, em si, este regresso está a ser uma grata oportunidade de Romano reencontrar familiares e amigos. Radiante por estar na cidade da Praia que o viu nascer, Romano é prova que não só a NATO é uma organização alargada e multinacional, mas também que Cabo Verde é de facto uma Nação Global.

16 de junho de 2006

A Canção em mim

I lose control when I'm close to you babe
I lose control don't look at me like this
There's something in your eyes, is this love at first sight
Like a flower that grows, life just wants you to know
All the secrets of life

It's all written down in your lifelines
It's written down inside your heart

Trecho de You and I (Scorpions)

15 de junho de 2006

S.Filipe

Fonti Bila, a praia que carrega nos seus braços a Cidade de S.Filipe. Uma cidade em morte lenta. Leia aqui mais um episódio da novela mexicana, escrito pelo nosso ex. professor e amigo, Fausto do Rosário.

13 de junho de 2006

Olhares

João Afonso

A excelente surpresa do weekend passado foi, dentre outras coisas boas, sem dúvida, assistir ao show de João Afonso, no Auditório Nacional. Uma serena e madura voz, entoando canções lusitanas com cheiro de missangas; canções que evocam a vida, os lugares, os momentos, as sensações. Uma celebração, de facto. Também um retorno às origens. Uma viagem profunda a um passado distante em que éramos todos filhos da mesma mãe, crianças da mesma aldeia. É este universo que evocam as canções desse músico português nascido em Moçambique. “Esta viagem a Cabo Verde está a mudar muita coisa em mim“, disse… O piano que acompanhava João Afonso, espero um dia estar à altura de o descrever. O primeiro show desse músico português em Cabo Verde (esperamos por mais) foi uma revisitação à sua carreira com músicas de todos os seus discos:“Missangas” (1997), “Barco Voador” (1999), Zanzimbar (2004), e Outra Vida, (2006).

Mário Lúcio

Um insular universal. Gosto imenso de ouvir Mário Lúcio. As suas letras agradam-me, e o seu semblante no palco me serena.

Outros olhares, para uma outra estação…

9 de junho de 2006

Pablo, meu amor


"De otro. Será de otro. Como antes de mis besos.
Su voz, su cuerpo claro. Sus ojos infinitos.
Ya no la quiero, es cierto, pero tal vez la quiero.
Es tan corto el amor, y es tan largo el olvido.
Porque en noches como esta la tuve entre mis brazos,
mi alma no se contenta con haberla perdido.
Aunque éste sea el último dolor que ella me causa,
y éstos sean los últimos versos que yo le escribo."

de "Veinte poemas de amor y una canción desesperada"

6 de junho de 2006

Navegando

ExampleNavegar é Preciso é o título do próximo concerto do Mário Lúcio, agendado para o próximo dia 9 de Junho no Auditório Nacional. O conceito do show será todo ele uma homenagem aos Argonautas. Uma homenagem "àqueles que somos todos os dias na nossa inquietação de navegar sem cessar". Uma evocação à perseverança e ao espírito de luta dos viajantes míticos gregos.

No palco dedicado aos Argonautas, Mário Lúcio dará o seu primeiro espectáculo com banda em Cabo Verde, em recinto fechado. No mesmo palco o artista mostra a outra banda da sua universalidade insular, tendo como convidado especial o grupo Shukayaya.

A percussão no femenino, a bateria e os teclados vão misturar. A intenção é o regresso... uma viagem ao passado, aos tempos idos do grupo musical Abel Djassi. "Cadência pura, barulho lento, silêncio latente. Sacudir a poeira e o preconceito". É isso, tudo o que propõe Mário Lúcio no "Navegar é Preciso", às 10 da noite, esta sexta-feira.

O artista está, neste momento, a compor e a gravar a banda sonora do filme "A Ilha dos Escravos" com estreia marcada para Setembro.

5 de junho de 2006

Notas livres

Património

A polémica patrimonial despoletada em S.Filipe dias antes das festividades do 1º de Maio, por uma carta aberta de Fausto do Rosário ganha novos contornos. A imprensa pegou no caso, o Ministro da Cultura reagiu e dias depois a Câmara Municipal de S.Filipe respondeu ao Manuel Veiga, com acusações de ligeirezas, e outros mimos. No último número do Jornal Expresso das Ilhas, mais um colunista destilou a sua indignação com o rumo que o património construído sanfilipense está a tomar. A Câmara local agendou, entretanto, uma reunião municipal para abordar esta questão. Antes de acabar com este blog, espero vir a ter a oportunidade de escrever a decisão final desta novela mexicana, em todos os sentidos da expressão. E sobretudo, conhecer o tal parecer técnico do INIPC (nunca consigo lembrar dessa sigla... só sei que é o Instituto que cuida do nosso património).

Revelação

Kamia, a nossa confrade, foi agraciada com uma Menção Honrosa, no âmbito do concurso para o prémio Orlando Pantera, Revelação em Literatura. E confesso que ela é de facto uma revelação. A propósito, li a entrevista concedida por Abraão Vicente ao asemanaonline, e achei pertinente o seu juízo sobre a necessidade de os artistas plásticos locais emprestarem universalidade à sua arte. A nossa era de afirmação já foi. Somos um país independente, com os pés nos quatro cantos do mundo, e com cabeça em movimento, (curiosamente, desde há muito). O que me fez apaixonar pela escrita da Kamia é a universalidade, os cruzamentos descomplexados que ela faz, as referências que ela tem. Uma jovem inglesa poderia escrever aqueles três contos... a escrita perfumada é o toque da Kamia.

Zouk

Descobri, por uma indicação da Kamia que gosto do Sali, zouk do bom como ela diz, e bem. Lembro-me agora, de um outro post, da sua confessa paixão pelas músicas do Beto Dias. Foi com Beto Dias e Rabelados que o funaná estilizado ganhou dinâmica na diáspora. Foi com Beto Dias e Rabelados que, de certa forma, o funaná ganhou as ilhas, numa fase mais recuada da árdua tarefa do Catchás, é claro! Ainda hoje, aparentemente desgarrado dessas conquistas, Beto dá que falar e poderia dar muito mais.

Fundamentos


Coca-cola, Chase Manhattan, General Motors, Christian Dior, MacDonald, Shell
Dynasty, Hilton International, Sangam
Kentucky Dried Chicken, gás lacrimogéneo
matracas, polícia secreta
Ibn Khaldun disse:
estes são os fundamentos do Estado
entre os Árabes

Murid Al-barghuti

in: Pequena antologia da poesia palestiniana contemporânea