27 de dezembro de 2006

Feliz Ano Novo


© Adenor Gondim

Nossa Senhora da Conceição é a Santa mais presente na minha memória. É a padroeira do meu Concelho, e "xará espiritual" de Iemanjá, minha divindade de eleição e mãe de todos os Orixás. Iemanjá é a orixá do nascimento e da morte, e de todas as transformações que resultam em bonança, em felicidade e progresso. Nas vésperas do Ano Novo são estes os meus votos (para si) que visita este espaço... a água, a mãe, a felicidade, o trabalho, a luz ...

22 de dezembro de 2006

Nhara Santiago

Frederico Hopffer Almada, mais conhecido por Nhônhô Hopffer, lança agora o seu primeiro álbum, intitulado “Nhara Santiago”. É um trabalho que vem agregar ao mercado discográfico algo de novo e de qualidade. Nhônhô Hopffer faz uma viagem panorâmica sobre os vários estilos da música cabo-verdiana, com paragens mais demoradas pelos ritmos da Ilha de Santiago, cujo título faz uma dupla homenagem, tanto à Ilha, aqui mater, como à própria filha. O músico, que é arquitecto tem um cunho próprio e pessoal. Inconfundível. Quem conferir, confirmará estas palavras. “Nhara Santiago”, uma prenda para este Natal e qualquer ocasião. Apetece gritar “Viva a Música”…

"Nhara Santiago" é disco que lança o arquitecto Frederico Hopffer oficiamente nas lides musicais. Como é que explica o binómio músico-arquitecto?
Sinto-me perfeitamente bem na pele de um ou de outro, aliás acho que as duas áreas se complementam, é difícil encontrar um arquitecto que não goste e muito da música ou de tudo que é arte e cultura. Alguém já dizia que a arquitectura é a mãe de todas as artes. Entretanto, considero-me mais como intérprete do que músico. Este meu disco me completa espiritualmente. Nunca teria paz até realizar este sonho. Eu, a minha família e Deus sabemos.

"Nhara Santiago", tal qual "Traz di Som", de Ângelo Barbosa, parece ser um projecto federador de artistas e suas sonoridases. Que razões o levaram a elencar um sem número de músicos neste disco? Qual é a causa sentimental deste trabalho?
Como disse no projecto que apresentei aos financiadores tinha já havia a garantia técnica do exímio Kim Alves e seu Kmagic Digital Studio. Contudo, quis sempre ter o grande “abraço”, o máximo possível de amigos músicos nesta “aventura” séria. Eu sou assim. Quis que viajassem comigo neste disco. O resultado penso que está à vista e todos os músicos que participaram, incluindo os compositores, estão satisfeitos. Espero também que principalmente o público venha a gostar deste projecto.

Entre Santiago, maternal e matricial, e a sua filha, há um fio condutor evidente e razão onde emerge o título deste trabalho. Fale-nos um pouco desta relação e desta simbiose.
É verdade. O disco chama-se Nhara Santiago. Eu dediquei este disco ao Caboverdiano, mas sobretudo à ilha de Santiago. Eu adoro Santiago. Como nome e como ilha. Tanto adoro que a minha primogénita chama-se Nhara Santiago que também deu nome ao disco e é também o título de uma das 12 faixas que compõe este CD.
A letra e música pertencem ao amigo e compositor Mário Lúcio oferecido e cantado na noite de “sete” da Nhara.

Um disco de mornas e funanás. Como é o processo criativo de Nhônhô Hopffer?
Escolhi os dois ritmos que no meu entender, mais força possuem em Cabo Verde. A morna, pela sua expansão e ao mesmo tempo por acalentar a saudade e o romantismo, e o funaná pela sua explosão, sobretudo no período pós independência, transportando-nos, assim, para as nossas origens e hoje indiscutivelmente música nacional.
Queria também dizer que as mornas e funanas serviram também de homenagem à memória de algumas personalidades da nossa cultura como; Eugénio Tavares, Carlos Alberto Martins (Catchás), BLeza, Orlando Pantera, Zequinha, Ildo Lobo, Ano Nobo, Caetaninho e Bibinha Cabral.

A selecção foi muito cuidada. Ao seleccionar artistas e composições, já estaria a formular uma mensagem particular ao público cabo-verdiano? Trata-se tão só de música ou há algo mais a ser revelado?
Depois de tanto tempo à espera para a gravação do meu primeiro CD, não queria deixar de compartilhar com o merecedor povo Cabo-verdiano o que considero ser entre os melhores: músicos e compositores.

Quando e como vai ser o lançamento de "Nhara Santiago"?
Está previsto para o início do próximo ano, e julgamos poder ser em diferentes momentos e locais e em jeito de divulgação da nossa cultura.

E depois do lançamento, quais os planos futuros?
Quem sabe?! Um novo CD intitulado Frederika Santamaria, mantendo, pelo menos, a mesma qualidade.

20 de dezembro de 2006

Bailarina Negra


A noite
(Uma trompete, uma trompete)
fica no jazz

A noite
Sempre a noite
Sempre a indossolúvel noite
Sempre a trompete
Sempre a trépida trompete
Sempre o jazz
Sempre o xinguilante jazz

Um perfume de vida
esvoaça
Adjaz
Serpente cabriolante
na ave-gesto da tua negra mão

Amor,
Vénus de quantas áfricas há,
vibrante e tonto, o ritmo no longe
preênsil endoudece

Amor
ritmo negro
no teu corpo negro
e os teus olhos
negros também
nos meus
são tantãns de fogo
amor.

António Jacinto ... C.T. Chão Bom, 4.9.70

19 de dezembro de 2006

Da Cor


"Da Cor do Pecado" é o título da nova telenovela da Globo, agora emitida pela TCV. Para começar, não gosto do título. Em segundo lugar, sou contra a emissão desregrada de telenovelas, principalmente se vermos seus custos. Numa dessas sessões de reflexão, que ultimamente tem povoado a Comunicação Social local, me disseram que são exigências do mercado... e essa! “Da Cor do Pecado” é a primeira novela da Globo, depois de décadas de produção, a trazer uma protagonista negra. Curiosamente, o director era um novato. Outra inovação dessa produção é o cenário. Todas as novelas e séries que discutem questões raciais no Brasil eram produzidas na Bahia, o mais densamente “africano” de todos os estados brasileiros. Desta vez, escolheram acertadamente o Maranhão: um grande Estado, com o maior património colonial construído do Brasil. São Luís, sua capital, é considerado um museu a céu aberto, com um legado arquitectónico português, o mais marcante das terras de Vera Cruz. Alcântara, outro cenário dessa novela é também património mundial da UNESCO. A cultura afro-brasileira tem no Maranhão um berço fecundo. Tudo a ver…
O enredo é leve, aliás como todas as novelas das 7 da TV Globo. E a abordagem racial é feita de forma um tanto preconceituosa... mais do mesmo. Porque é que a Preta, negra, linda e pobre tem dificuldade em acreditar que Caco, branco, rico, pode estar apaixonado por ela!? Qual é a pertinência dessas questões para a realidade cabo-verdiana? Afinal, porque consumimos, surda e acriticamente, todas as telenovelas que nos chegam da poderosa e preconceituosa Rede Globo de Televisão? Como diria Noam Chomsky, precisamos ponderar criticamente a maneira como estamos diante da televisão…

18 de dezembro de 2006

A canção em mim


Termina o 2006 ... e são estes os meus versos.
Roubei-os da doce voz da Zélia Duncan...

Jura Secreta

Só uma coisa me entristece
O beijo de amor que não roubei
A jura secreta que não fiz
A briga de amor que não causei
Nada do que posso me alucina
Tanto quanto o que não fiz
Nada que eu quero me suprime
De que por não saber 'Inda não quis

Só uma palavra me devora
Aquela que meu coração não diz
Sol que me cega
O que me faz infeliz
É o brilho do olhar
Que não sofri.

15 de dezembro de 2006

A África que criamos

(...) A desilusão com o “Messias brasileiro”, Gilberto Freyre, pai do luso-tropicalismo de tão grande influência e reverência entre os claridosos, e detractor confesso do crioulo caboverdiano, que, segundo ele, seria, como acima se referiu, sintoma da “instabilidade cultural dos cabo-verdianos” e prova das ‘insuficiências luso-tropicais’ da cultura caboverdiana, propiciaria a Baltasar Lopes uma oportunidade histórica para assumir o idioma cabo-verdiano como o facto identitário mais relevante em Cabo Verde, “tão radicado na terra como o homem crioulo”, de modo tal que a sua extirpação premeditada equivaleria a “crime de genocídio cultural”. Mais tarde, designadamente no “Prefácio” para “A Aventura Crioula”, de Manuel Ferreira, pôde Baltasar Lopes transitar para a compreensão da cultura caboverdiana como uma cultura estabilizada, e não condenada à dissolução na cultura europeia.

(...) A transição de Baltasar Lopes da Silva foi grandemente facilitada pela teorização culturalista de Teixeira de Sousa e Gabriel Mariano, depois largamente difundida por Manuel Ferreira, particularmente no livro A Aventura Crioula.

(...) É Gabriel Mariano o intelectual caboverdiano que, a par de Baltasar Lopes da Silva, Félix Monteiro e Teixeira de Sousa, mais demoradamente se debruçou no tempo colonial sobre a cultura caboverdiana.

(...) Para esse intelectual, a cultura caboverdiana é fruto de circunstâncias específicas no quadro do império colonial português e do colonialismo, em geral. São essas circunstâncias específicas que teriam determinado, por um lado, a formação da identidade caboverdiana como nacional e teriam condicionado, por outro lado, a formação do povo caboverdiano como povo biológica e culturalmente mestiço. Escreve o ensaísta: “Em Cabo Verde, acontecimentos especialíssimos, e de nenhum modo preconcebidos, quase que anularam aquilo que é a essência própria da colonização: a subordinação integral do colonizado ao colonizador e a consequente destruição da personalidade em favor deste. Quer dizer, o que explica, possivelmente, o caso caboverdeano é a pouca consistência dos vínculos de subordinação colonial aí estabelecidos. Pouca consistência que me parece ser obra não dos métodos de governação, mas antes do simples fluir das coisas”.

Excertos de uma profunda indagação identitária, e fundamentalmente política de José Luis Hopffer Almada. Ler na íntegra, aqui!

5 de dezembro de 2006

Para além da arte



O livro Kab Verd Band do jornalista, Carlos Gonçalves, tem como mérito trazer a questão musical da perspectiva não só de um músico, mas de um musicólogo. Diferenciar esses dois espaços terá sido o grande desafio com que o autor se terá deparado ao longo das suas pesquisas e dos seus escritos, aspecto que não deixará de saltar à vista do leitor mais atento. Abordar a música, para além da arte, mas assente na ciência, nos recoloca a novos olhares da música cabo-verdiana contemporânea. A todos os títulos, importa ler este livro, tal curiosidade levou-nos a entrevistar o seu autor.
Que razões o motivaram para um olhar científico, acrescido ao seu olhar artístico sobre a questão musical?
Esta é uma questão difícil de responder em poucas palavras. Julgo que na introdução ao livro respondo a esta questão em pormenor. Mas vou dizendo que foi um processo... primeiro fazia programas e escrevia sobre música por uma questão artística, mas a pouco e pouco foram surgindo questões e eu queria saber as respostas... E foi na procura das respostas que acabei por vestir um pouco a pele de investigador... Mas considero-me um curioso que quiz compartilhar com o grande publico muitas respostas que fui encontrando... ao longo da minha vida profissional.
Como foi o processo de pesquisa para a escrita de Kab Verd Band? Que desafios enfrentou?
Bem, Kab Verd Band é antes de mais uma compilação de muitos escritos que fui produzindo desde 1975 até sensivelmente 1996. Como digo na introdução do livro, depois de ter classificado toda a documentação que eu tinha guardado, verifiquei que faltavam algumas respostas, alguns elos.... Fui então à procura das respostas. É o caso dos capítulos sobre os géneros musicais, onde andei à procura de respostas. Mas as respostas não são definitivas, trata-se apenas do começo de uma grande aventura, pois eu esboço caminhos, indico pistas... aos mais jovens e mais curiosos que continuem à procura e a investigar.
Como encara a música cabo-verdiana nesta era contemporânea? Quais são os seus grandes desafios?
Olha toda gente anda neste momento apreensiva, com o Zouk, o Rap e o Hip Hop etc. A grande verdade é que ao longo dos tempos desde o século XIX, que esta preocupação tem perseguido a música de Cabo Verde. Mas a nossa música sempre tem resistido... digo tem digirido toda as espécie de influências e aí é que está a sua vitalidade. Devemos lembrar que a nossa cultura é fruto do cruzamento de diversas culturas, um processo que julgo continua nos nossos dias... a verdade é que as influências forçadas acabam por ser rejeitadas... é o caso de músicos que fazem experiências forçadas (tentando inovações) que não pegam... Olha lembro-me agora, num artigo escrito em meados dos anos 90, eu perguntava: Quem será o Carlos Alberto Martins dos anos 90? Qual será a próxima revoluçao? A resposta surgiu nos finais dos anos 90 com Orlando Pantera e a eclosão da moda do Batuque... Portanto, há-de surgir novidade e inovação nos próximos tempos.
A música ocupa um lugar destacado no mosaico cultural de Cabo Verde. A que se deve esta força?
Julgo que só agora é que nos tomamos consciência da força da nossa música, a potência que nós somos, porque antes, havia a noção do clássico... a literatura era arte nobre, a música nobre seria a música clássica e nós não tinhamos a música clássica, música erudita.... É após a independência que surgem movimentos, por um lado de valorização do tradicional (criar uma nova música para sair do binómio estreito Morna-Coladeira) e por outro visando criar uma música erudita ou então uma música segundo as últimas correntes estéticas em voga pelo mundo (caso de Vasco Martins que começa primeiro com o clássico "tout court" e depois se envereda por outras linguagens). Mais tarde, depois do sucesso do movimento de revalorização do tradicional (movimento Funaná) e o triunfo do "pau e corda" (Cesária e o binómio Morna-Coladeira), a força da nossa música revela-se com tal amplitude que ultrapassa outros géneros artísticos... O trabalho abnegado de muitos músicos e compositores, o seu talento, aliado a grandes intérpretes, o profissionalismo, uma abertura de horizontes e muita ousadia, julgo está na base deste destaque da música de Cabo Verde.

Lançamento: 7 de Dezembro, Quinta-Feira, 18:30, Centro Cultural Português
Apresentadores: Manuel Brito Semedo e José Maria Semedo
Edição: Arquivo Histórico Nacional
Distribuição: Biblioteca Nacional