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Pessoalmente, nunca me alinhei nas discussões bairristas que dicotomizam Santiago e São Vicente, primeiro porque sou natural de uma outra ilha (o Fogo) e, segundo, porque sempre vi nessa questiúncula um argumento separatista oco e sem razão de ser.
Mas três intervenções absurdas, nas últimas semanas, na Comunicação Social terão chamado a atenção de muita gente. Primeiro, foi a do Sr. Moacyr Rodrigues a insistir que Mindelo é capital da cultura porque durante o seu processo de povoamento foi para lá gente ilustre, nomeadamente ingleses, portugueses e quejandos, numa visão no mínimo anti antropológica … até me ponho a pensar se o Sr. Moacyr não é um hooligan! Alguma outra etnia terá pisado, portanto, o chão de Mindelo para o desgosto do conhecido professor?
A segunda afirmação indecifrável veio da boca da Presidente da Câmara de São Vicente. Esta dizia qualquer coisa como “Mindelo é a segunda cidade de Cabo Verde, aliás, a primeira… em termos de qualidade de vida, de comportamento humano, de cultura, etc.”. Fui logo ler “Os porcos em delírio”, de Jorge Carlos Fonseca para me redimir.
A terceira pérola foi jogada ontem, a título de remate, pela responsável local pelo Ensino Superior. Algo insinuoso e insidioso como: “São Vicente, como todos sabem, tem uma vocação natural para o ensino, aliás, a cultura faz parte da realidade desta ilha”. Aparentemente, declaração positiva, mas alinhada numa desconstrução do resto do Arquipélago. Aqui é o top. O resto é detalhe...
É recorrente ouvir-se essas ideias preconceituosas, desinvestidas de qualquer fundamento histórico ou sociológico. O perigo surge quando gente de alguma responsabilidade profere tamanha monstruosidade. Orwell diria que uma mentira repetida à exaustão se torna numa verdade instituída.
É óbvio que a maioria da população cabo-verdiana reside na Ilha de Santiago e Fogo. Nessas ilhas, residem os traços antropossociais africanos mais bem vincados, por serem essas duas ilhas as primeiras a serem povoadas em Cabo-Verde, e as que receberam um número muito maior de homens escravizados. E isso não será um dado nem da submissão, nem da supremacia.
São Vicente é uma ilha relativamente jovem e teve (desde a sua fundação, por opções geoestratégicas em tempos carvoeiros e depois da instalação do liceu) diferentes oportunidades. Não existem vocações espontâneas. As oportunidades são criadas por decretos, leis, e vontades políticas, nem sempre justas. Em vez de legitimar as injustiças históricas, devemos é lutar para que elas nunca se repitam …
Apetece-me dizer que a capital cultural de Cabo Verde estaria em todos os eixos desta Nação Global e hoje tão apartado de um sentimento pseudoburguês e bairrista. A todos os títulos, para lá de ridículo...