27 de janeiro de 2007

Capital cultural

Nos últimos dias têm surgido declarações preocupantes, aqui e acolá, sobre uma suposta supremacia cultural, social e humana de São Vicente sobre as outras ilhas de Cabo Verde, nomeadamente a Ilha de Santiago.
Pessoalmente, nunca me alinhei nas discussões bairristas que dicotomizam Santiago e São Vicente, primeiro porque sou natural de uma outra ilha (o Fogo) e, segundo, porque sempre vi nessa questiúncula um argumento separatista oco e sem razão de ser.
Mas três intervenções absurdas, nas últimas semanas, na Comunicação Social terão chamado a atenção de muita gente. Primeiro, foi a do Sr. Moacyr Rodrigues a insistir que Mindelo é capital da cultura porque durante o seu processo de povoamento foi para lá gente ilustre, nomeadamente ingleses, portugueses e quejandos, numa visão no mínimo anti antropológica … até me ponho a pensar se o Sr. Moacyr não é um hooligan! Alguma outra etnia terá pisado, portanto, o chão de Mindelo para o desgosto do conhecido professor?
A segunda afirmação indecifrável veio da boca da Presidente da Câmara de São Vicente. Esta dizia qualquer coisa como “Mindelo é a segunda cidade de Cabo Verde, aliás, a primeira… em termos de qualidade de vida, de comportamento humano, de cultura, etc.”. Fui logo ler “Os porcos em delírio”, de Jorge Carlos Fonseca para me redimir.
A terceira pérola foi jogada ontem, a título de remate, pela responsável local pelo Ensino Superior. Algo insinuoso e insidioso como: “São Vicente, como todos sabem, tem uma vocação natural para o ensino, aliás, a cultura faz parte da realidade desta ilha”. Aparentemente, declaração positiva, mas alinhada numa desconstrução do resto do Arquipélago. Aqui é o top. O resto é detalhe...
É recorrente ouvir-se essas ideias preconceituosas, desinvestidas de qualquer fundamento histórico ou sociológico. O perigo surge quando gente de alguma responsabilidade profere tamanha monstruosidade. Orwell diria que uma mentira repetida à exaustão se torna numa verdade instituída.
É óbvio que a maioria da população cabo-verdiana reside na Ilha de Santiago e Fogo. Nessas ilhas, residem os traços antropossociais africanos mais bem vincados, por serem essas duas ilhas as primeiras a serem povoadas em Cabo-Verde, e as que receberam um número muito maior de homens escravizados. E isso não será um dado nem da submissão, nem da supremacia.
São Vicente é uma ilha relativamente jovem e teve (desde a sua fundação, por opções geoestratégicas em tempos carvoeiros e depois da instalação do liceu) diferentes oportunidades. Não existem vocações espontâneas. As oportunidades são criadas por decretos, leis, e vontades políticas, nem sempre justas. Em vez de legitimar as injustiças históricas, devemos é lutar para que elas nunca se repitam …
Apetece-me dizer que a capital cultural de Cabo Verde estaria em todos os eixos desta Nação Global e hoje tão apartado de um sentimento pseudoburguês e bairrista. A todos os títulos, para lá de ridículo...

22 de janeiro de 2007

Estranhas obras


Folheia A Convidada de Simone de Beauvoir e, sempre, não por acaso, lê aquela dedicatória que, dentre outras confissões, ensaia... Endeless love, baby!
Mirta tem pensado na melhor forma de livrar-se desse livro que lhe causa tanta estranheza, e da mania de levar a vida tão a sério.
Enquanto isso, escuta de Caetano... "Um disco de energias concentradas", afiança o músico.

Tó Alves

Falando de obras, afigura-se como a pérola cultural do momento o lançamento do disco de Tó Alves, Hô mãe mas justa. Uma homenagem a Cabo Verde, como tem afirmado o artista nas entrevistas à Comunicação Social. As músicas são todas composições do cantor, sendo a primeira faixa, Vóz Dildoro, escrita em parceria com o músico Kim Alves, seu irmão. Tó elege coladeira e morna como emblemas do seu primeiro disco, há muito pensado e fruto de alguma elaboração. A faixa nº 3, Sperança ta fazeu Sonhá tem um quê de samba... um embalo só, numa voz absolutamente livre.
De referir, que Tó Alves assumi-se como um dos embaixadores da música cabo-verdiana no mundo. Pertenceu à banda de Cesária Évora durante anos, e teve, antes disso, juntamente com seus irmãos e pai Djonsinho Alves, uma longa estrada musical. À par da interpretação madura, esvoaçante e surpreendente de Tó, vai uma nota positiva para as fotografias (pela qualidade e direcção) da capa do disco.

O quê: Lançamento do CD Ho mãe mas justa
Quem: Tó Alves
Quando:
26 de Janeiro
Local: Tabanka Mar

19 de janeiro de 2007

Da carreira musical


Grupo Finaçon
Uma pergunta pessoal. Porque é que os nossos artistas chegam ao ápice de suas carreiras musicais e, de repente, caem em cascata?
Alguns tendem a criticar a comunicação social e os agentes culturais (o governo, críticos, produtores...). Outros vêem na ausência de registos a causa da fraca valorização de importantes nomes do passado, ainda que recente.
O facto é que o grupo Finaçon e os seus elementos, o próprio Bulimundo e alguns dos seus músicos, mais recentemente Livity com destaque para Jorge Neto, para não falar de uma fileira deles, não se sentem valorizados pela contribuição incontornável que deram à música cabo-verdiana num momento crucial do seu percurso.
Basta ter dois dedos de prosa com Zézé di nha Reinalda, Jorge Neto, Beto Dias (enquanto ex. líder dos Rabelados) para perceber que convivem com essa mágoa. Para além do que fazem agora, muitos desses artistas querem ser lembrados pelo seu passado, pela sua entrega à música num momento de procura, de busca de uma identidade.
Numa entrevista recente que fiz com Djinho Barbosa percebi esse sentimento também nele que fez parte do grupo Abel Djassi, emblema musical dos anos 80 em Cabo Verde.
Dois problemas se colocam, no meu ponto de vista. Os artistas gerem mal (geriam mal, pelo menos) a sua carreira em Cabo Verde, ou sequer têm (tinham) noção da necessidade dessa gestão… e nós, os outros, não sabemos valorizar os actos no tempo, e ter a noção exacta do seu papel embrionário. Perceber que nada acontece por acaso e que Finaçon, Bulimundo e tantos outros músicos que marcaram época devem, sempre, merecer a nossa admiração.
Hoje, quando falamos de carreira musical, pensamos na Cesária Évora, que abriu as rotas internacionais para Lura, Maria de Barros, Mayra, Tcheka e outros… músicos que sobem todos os dias os palcos de Paris e Londres e nunca deram um espectáculo na Ilha da Brava. Um novo problema das carreiras musicais criolas…

15 de janeiro de 2007

O luminoso


Para falar com Deus é preciso estar só…
Uma lata existe para conter algo
Mas quando o poeta diz lata
Pode estar querendo dizer o incontível…

Por isso, não se meta a exigir o conteúdo ao poeta
Ao poeta cabe fazer com que na lata venha caber o incabível…

Essa música acordou-me, ontem, de uma soneira preguiçosa em S.Filipe... as músicas de Gilberto Gil distraem-me de tudo que é tarefa. Retive a letra acima, pela TV, de um show que ele deu em Portugal, na cerimónia em que recebia o título de Doutor Honoris Causa pela Universidade de Aveiro. Um gesto que reconhece o trabalho do Ministro da Cultura mais famoso do mundo, numa assumida missão de inclusão cultural no seu país.
“Uma relação amena entre uma mãe e um filho”… foi com esta simplicidade profunda e característica que Gil ilustrou o actual relacionamento entre Portugal e Brasil.
Por tudo, e sobretudo pela sua luminosidade, Gil é figura recorrente deste blog. A letra acima é parte do seu álbum – Gil luminoso – gravado em 1999 e relançado recentemente. Um trabalho que sintetiza o brilho espiritual e filosófico dessa grande figura da música mundial. Preciso Aprender a Ser Só (título de uma canção do álbum), por isso quero ter esse disco comigo.

6 de janeiro de 2007

Identidade...

ExampleAssisti, ontem, ao documentário "Identidade em Trânsito" no Palácio da Cultura Ildo Lobo, no Plateau. De cara gostei, pelo trânsito de gente interessante que lá havia, na sua maioria ex. estudantes no Brasil, inclusive o nosso Primeiro Ministro. Esse documentário é o trabalho de fim de curso de dois brasileiros. A escolha foi acertada e o tema era inédito, diga-se de passagem. O trabalho é manifestamente consistente, sobretudo pelas pistas de abordagem que levanta. Identifiquei-me com alguns dos depoimentos, vivi muitas das situações narradas e, com saudade, escrevo estas linhas. É que o Brasil não deixa ninguém indiferente. Muito menos aqueles que lá viveram. Apesar dos assaltos, das favelas e dos muitos males que assolam esse país, ele nos interpela a uma relação recorrente. Pessoalmente, terei para todo o sempre a minha identidade em trânsito por causa do Brasil e, particularmente, da Bahia. Faltou dizer no documentário (e digo-o aqui) que no Brasil reencontramos as nossas raízes negras e quedámo-nos em reconciliação (?) com a nossa história. No Brasil, vivenciamos experiências culturais enraizadamente nossas que aprendemos (ou nos ensinaram) a esquecer. Ali, dançamos ritmos nossos que por um esforço de distanciamento nunca conhecemos. Aceitamos finalmente a nossa mestiçagem e, afoitos, regressamos para resgatar o tempo perdido. Haja Brasil! Era sim o Poema de Jorge Barbosa que afirmara dessa morfologia e semântica, "Eu gosto de você Brasil/ Porque você é parecido com a minha terra". E agora pergunto: como transita a identidade daqueles que outros mundos ganharam? A identidade cabo-verdiana esteve em trânsito ao longo da sua história, e poucas vezes se teve a real dimensão das perdas e dos ganhos, humanamente falando. A nossa identidade (ainda bem) continua transitando...

... Almodóvar

ExampleA Televisão de Cabo Verde emitiu, ontem, o filme "La mála Education", do realizador espanhol, Pedro Almodóvar. E não é que em pleno acto passou por dois cortes cirúrgicos! Até parece que quem escalou a sua emissão não sabia do que se tratava! Quero crer que optaram conscientemente por essa censura purista... e recuso a acreditar que desconhecem os afrontamentos prioritários dos filmes de Almodóvar.
A propósito, "La mála Education" é, para mim, dos mais implacáveis filmes desse estranho, mas demasiadamente interessante homem. Pareceu-me um absurdo. Definitivamente, há narrativas, cuja verbalização a nossa memória de catequese coíbe. Freud a explicar...

3 de janeiro de 2007

2007... teatro

"Quem é que vai ser esta noite?" é o título da peça de teatro que inaugura as lides das artes neste 2007, na Cidade da Praia. Acontece nos dias 4, 5 e 6 no Centro Cultural Português da Praia, às 20h30. À pergunta da peça, "respondem" a jornalista Matilde Dias, e Micaela Barbosa, formada em teatro.
A peça é uma adaptação de “The Dumb Waiter” do dramaturgo Harold Pinter, Prémio Nobel da Literatura de 2005, e pode ser globalmente definida como uma batalha de posições entre dois seres humanos.
"Quem é que vai ser esta noite?" partiu de uma ideia, posteriormente, trabalhada em grupo, em todas as vertentes. Daí os participantes atribuírem uma importância fulcral à questão conceptual do trabalho, na medida em que possibilitou um envolvimento diferente. Devido a essa experiência, considerada enriquecedora, é intenção do grupo dar continuidade a o que chama de "diálogo" num novo formato e com mais abrangência ao nível do público e agentes do teatro.
“Quem é que vai ser esta noite?” é uma encenação de João Paulo Brito. A entrada é gratuita para maiores de 14 anos.