8 de setembro de 2010
Do Jornalismo Cultural
nota pura 1: Depois de semanas de interregno, passei pelo blog de João Branco e deparei-me com uma entrevista que fizera a Alex Silva no Jornal A Nação. Nela encontro duas questões repetentes nas entrevistas que o autor de Café Margoso tem feito ultimamente, não sei se como jornalista ou como alguém que entende de cultura.
João Branco: Costuma-se dizer que Cabo Verde é um lugar onde os artistas nascem com demasiada facilidade por via da comunicação social...
Alex Silva: A comunicação social tem uma grande responsabilidade no actual estado de coisas. Não sabem diferenciar, não há especialização, acabam por gerar mal-entendidos. Vê-se um miúdo a tocar e temos a comunicação social a dizer que é dos melhores guitarristas de Cabo Verde. Não há pessoas formadas nessa área cultural. Especializadas nessa área. Um jornalista que muitas vezes está a entrevistar um jogador de futebol é o mesmo jornalista que vai entrevistar um artista. Acaba por ser natural que ele tenha as suas limitações.
João Branco: Isso passa pela falta de formação em jornalismo cultural...
Alex Silva: Exactamente. Ou seja, existem uma série de elementos que são importantes e não são considerados hoje. Não basta haver produção artística. Não basta que esta tenha qualidade. Tem que existir todo um acompanhamento. Na comunicação social tem que haver gente especializada. Tem que haver ao mesmo tempo curadores, tem que haver críticos, quer dizer, faltam todos estes elementos que poderiam contribuir para que pudesse haver em Cabo Verde um pensamento voltado para a arte.
nota pura 2: Nunca cheguei a perceber o que João Branco pretende alcançar sempre que se refere a uma formação em jornalismo cultural: essa afirmação é outra das situações cabo-verdianas que também provocam as suas confusões na cabeça das pessoas, e talvez seja por isso que temos assistido, impávidos e serenos, a muitos artistas a fazerem jornalismo porque entendem de cultura. Uma situação diametralmente proporcional aos jornalistas que falam de cultura sem saber do que estão a falar.
O jornalismo cultural (ainda que esteja na génese do próprio jornalismo) consta, enquanto disciplina, do currículum das escolas e faculdades de comunicação/jornalismo de todo o mundo, assim como comunicação política, comunitária, e outros campos pertinentes. A especialização de que tanto fala João Branco acontece, se quiser, a partir dessa base, começando pelo interesse do estudante, passando, posteriormente, pela dedicação do profissional, que vai depender completamente da orientação e organização das redacções. As abordagens mais densas, subjectivamente elaboradas, (para além do narrar para todos os públicos os bens culturais) entendeu-se (quando no século XVII o jornalismo tornou-se um campo) reservar aos espaços de crónica, normalmente feitos por jornalistas/escritores, artistas e críticos.
Portanto, não existem profissionais do jornalismo em Cabo Verde inacessíveis às coisas da cultura, assim como não existem incompreensões absolutas relativamente a outras matérias sociais (no senso objectivo do termo). As lacunas que existem, todos os extremos aqui apontados, são o espelho da falta de rigor, de definição e de agressividade editorial reinantes em alguns órgãos de comunicação deste país. E, mais, não é invertendo os papéis que haveremos de resolver o problema.
Subscrever:
Enviar feedback (Atom)
9 comentários:
Uiii!!!Ao que parece,o jornalismo económico deve ser um lugar reservado exclusivamente aos formados em economia,só deve escrever sobre desporto um jornalista que saiba jogar futebol ou basquetebol ou que o jornalista político tem de ser formado em ciência política...qualquer dia alguém vai defender que um entrevistador tem de ter uma especialização em qq coisa...
para terminar,só uma sugestão: devias,ou melhor,deves escrever um post a explicar porque em cv "os artistas nascem com demasiada facilidade via comunicação social".Sem dúvida,daria um post interessante para debater..
a Instituição Jornalismo corre perigo por estas bandas a cada dia que passa... e com a complacência de alguns lavradores do ramo...
Edy, a sugestão é boa e vai ser acatada.
Bem verdade.
Parece que, com a mesma Facilidade que por cá se concede passa-se por jornalista.
E mais, Facilidades para 'ser' o que se julga ser, e que dificilmente 'seria' no seu sítio de origem.
E esse tipo de comportamento nada mais é que a sina dos que conseguem coisas com Facilidade.
No início das entrevistas da rubrica Dôs, do jornal A Nação, escreve-se: «Uma conversa quinzenal entre João Branco e um artista cabo-verdiano, em tom descontraído, sobre a arte, a vida e as nossas pequenas inquietações.» e foi pena a jornalista Margarida ter escamoteado esta parte. Naturalmente, não faço as entrevistas enquanto jornalista, não o sou e nunca me assumi como tal. Faço as entrevistas enquanto criador. Por isso o título da entrevista: «Dôs». Dois artistas, frente a frente, falando de cultura e de criação artística.
E penso, modéstia à parte, que o conjunto destes depoimentos podem dar pistas interessantes a quem se interessa por estas coisas da cultura. Incluindo jornalistas de reconhecida competência como a Margarida.
Esta não é a essência da questão, Branco, e no quesito proposta da rúbrica, existem decisões questionáveis e bastante discutíveis... (não há escamoteamentos, e sim posicionamento). Eu penso aquilo que escrevi no post. As pistas são boas e figurariam bem numa crónica, meu caro.
Para assinar por baixo em relação à essência do post da Margarida Fontes. Pela simples razão de que, como diz o Edy, se confunde as coisas quando se procura pôr o dedo na ferida das lacunas que existem no nosso Jornalismo Cultural. Lacunas que existem de facto, mas originadas por um sem número de posições e decisões não tomadas por quem de direito. Decisões políticas, na sua maior parte, mas também decisões de chefes de redacção e de profissionais… JB, uma conversa é uma conversa… assim como uma entrevista é uma entrevista. E o ‘Dôs’ tem sido tudo menos uma conversa. Dando uma achega em relação à recorrente crítica em forma de pergunta, da tal ‘facilidade’ dada a artistas, o que falta é uma outra coisa: a crítica. Que é um outro departamento. Além das limitações mil do nosso jornalismo…
Senhores doutores, donos do saber:rubrica de jornal é sem acento no u. Rúbrica, com acento significa assinatura. Não é assim que aprendemos na escola? Eu tenho apenas quinto ano.
Antonio D´Almeida
A tua achega é lapidar, Fonseca. Um artista lança um disco, ou faz uma exposição, tem a cobertura informativa: nessa cobertura ninguém dirá que ele é um génio, ou que o seu trabalho não presta... se se tratar de uma pérola no oceano em matéria de escrita, de pintura ou de música há-de aparecer um crítico para dizer da sua justiça, respitando (isso é importante) as balizas da neutralidade e do rigor. Não um critico que decide promover um amigo colega, mas sim fazer um trabalho X....
Sr. António D´almeida, agradeço a sua correcção. Da próxima, esforço-me mais.
Margarida, sem dúvida uma alma viva neste cenário de cultura em que a identidade tende a morrer.
Um tal JB aparece, não se sabe de onde e com que background, e já é um ás na cultura em CV. Tem-se mesmo que falar na facilidade com que as coisas acontecem nesta terra. Caramba!!
Enviar um comentário