29 de outubro de 2005

Teixeira de Sousa lança livro

Henrique Teixeira de Sousa
“Nós pensávamos que seria sem dúvida mais aliciante se, por exemplo, o livro de Teixeira de Sousa tivesse como título "A última viagem do capitão Hilário Cardoso", afinal das contas o personagem principal do romance. Não só como dono do navio Nossa Senhora do Monte, como também, e sobretudo, um herói que, durante dois meses, luta e sofre no estreito e fechado espaço do seu camarote, entre o sagrado principio de se manter fiel à legítima esposa que o espera em S. Filipe, e as provocações de uma bela passageira que todos os dias inventa novas maneiras de tentar quebrar essa fidelidade persistente...”

Foi com estas palavras sugestivas que o escritor Germano Almeida começou a apresentar, no Mindelo, Oh! Mar de Túrbidas Vagas, último livro de Henrique Teixeira de Sousa. A obra é uma homenagem ao poeta Eugénio Tavares, não fosse o seu título o nome de uma das mornas mais belas desse ilustre filho de Cabo Verde. Foi por esta razão, está claro, que o autor não aceitou a sugestão da editora de mudar o título da obra.

O romance de Teixeira de Sousa relata a viagem de um veleiro dos Estados Unidos que passa pelas ilhas de S.Vicente e Brava. É uma forma, segundo o autor, de dar a conhecer à nova geração referências passadas deste país. “Escrever sobre aquilo que foi cabo verde é útil para a nova geração que não conheceu essa vida “nhanida” de Cabo Verde”, diz o autor, acrescentando que “cabo verde era pobre, era miserável, era miserabilista”.

Oh! Mar de Túrbidas Vagas foi editado pela Ilhéu Editora, e enquadra-se nas comemorações do 30.º aniversário da independência.
Henrique Teixeira de Sousa nasceu na Ilha do Fogo, é médido, foi presidente da Câmara Municipal do Mindelo no período colonial, e vive em Portugal há mais de 20 anos.

Obras do autor

- Contra mar e vento
- Ilhéu de contenda
- Capitão de Mar e Terra
- Xaguate
- Djunga
- Na Ribeira de Deus
- Entre duas Bandeiras
- Oh Mar das Túrbidas Vagas


Lançamento na Praia: 2 de Novembro
Hora: 18h30
Local: Sala de Conferências da Biblioteca Nacional
Apresentador: Arnaldo França
com tcv

26 de outubro de 2005

Lírios

Pedro CardosoUma casinha branca entre a verde espessura
A recordar de longe um navio do mar,
Ou formosa capela alvinitente e pura
A subir como uma ave ou uma núvem no ar;


Casto ninho de amor, alvo e perfumado, onde,
Em terna comunhão vivêssemos os dois
Ouvindo às tarde, quando o sol além se esconde,
O murmúrio da linfa e a voz dos rouxinóis…


Uma casinha assim é que ambiciono e quero
Para longe do mundo erguermos nosso lar,
Sob a bênção de Deus e dum amor sincero;

Uma casinha assim em plena solidão…
Dentro, alegres, os dois de ventura a cantar:
Eis, meu Amor, a minha última aspiração!

Pedro Cardoso, Lírios e Cravos, 1951

21 de outubro de 2005

Parabéns, Mário Lúcio

Mário LúcioÉ o selo dos encontros, desencontros e reencontros. O dono dos olhares todos que perpassam meras fronteiras materiais. Cultiva uma relação primordial com as divindades, e através delas se sente e se mostra na arte.
Os momentos dá, assim, os parabéns ao músico Mário Lúcio que num dia como hoje de 64 nascera na Vila do Tarrafal de Santiago.


Margarida: Quando lançou, no ano passado, o seu livro Vidas paralelas e o CD a solo Mar e Luz anunciou uma crise da meia-idade, e todas as implicações que daí advém. Continua, ainda hoje, nessa curva existencial?

Mário Lúcio: Continuo. Antes, os meus desassossegos tinham a ver com o tempo. Em Chã das Caldeiras apreendi uma nova noção do tempo e foi uma grande libertação. Partilho tais reflexões num livro ainda não publicado que se chama “Se eu fosse um cuco”. Hoje, os meus desassossegos têm a ver com o espaço, com os espaços pequenos, dentro e fora das pessoas. Às vezes até parece que nada valeu a pena, se o crescimento implica não caber mais.

M: Mário Lúcio se projecta, hoje, como um artista universal, com referências místicas muito difusas. Neste enquadramento despontam realidades como a cubana, a baiana, ou mesmo a lusitana. Como sintetiza na sua pessoa esses credos?

M.L: Eu comecei por mostrar o meu país ao Mundo. E Simentera cumpriu e esgotou esse papel. Agora quero mostrar o mundo ao meu país, o mundo que o mundo desconhece. Sou todo o meu percurso. Antes fazia música como missão, hoje faço-a como líbido.

M: Enquanto artista, tanto na escrita como na música, flutua num espaço transcendental, muitas vezes, pouco acessível. Qual é a sua missão enquanto homem das artes?

M.L: A minha missão enquanto homem das artes é a luta contra a mediocridade. Desde criança que diariamente enfrento essa realidade. Acredito que a compreensão do mundo através da estética evita em primeiro a violência. E como os medíocres têm medo de se sentirem marginalizados num futuro já visualizado, fazem a luta do marido que chega tarde à casa. Mas, não desisto, porque tenho filhos, e porque sou covarde nessa realidade. De modo que só me sinto seguro nessa utopia da grande alma humana.

M: Mário Lúcio tem sido um selo dos encontros. Encontros que mexem com a história, com os sentimentos, e num plano mais infinito, com a própria existência. Como encara o seu encontro (ou será reencontro) com Gilberto Gil. E como gostaria que isso fosse apreendido, tendo em conta a dimensão desse astro? Terá esta preocupação receptiva?

M.L: Eu nunca procurei muita coisa na vida. Mas sempre achei. E nessas andanças tenho tido a sorte de me encontrar com gente grande. Nos atraímos mutuamente. Assim foi com Manu Dibango, com Maria João e Mario Laginha, com Paulinho da Viola, com Gilberto Gil, com Luis Represas, com Nacia Gomi, com muita gente. Sentimo-nos bem e dá-nos um gozo enorme fazermos alguma caminhada juntos. São encontros casuais. Até o Simentera foi um encontro casual. Pode parecer falta de modéstia, mas eu não me sinto pequeno junto das grandes personalidades. Sinto-me às vezes pequeno junto de gente pequena. Conto-lhe esta: eu, há uns anos, fui visitar um pai de santo em São Paulo. Esperei na sala, e quando ele apareceu, estendeu-me a mão e disse-me: “Benção, meu pai”. Ele achou que eu estava num rango superior. E tem sido assim com todos. Abraçam-me e recebem alguma coisa que só eles sabem e apreendem. Eu tomo essa devoção. E tomo na mesma medida que eu dou. Leia Mais

20 de outubro de 2005

TabankaMar homenageia Ildo

Ildo LoboUma gala intitulada “Nôs morna”, em homenagem ao malogrado Ildo Lobo, selou a inauguração do TabankaMar na noite de ontem. O espaço que marcou a vida da Prainha nos anos 70 e 80 renasce, em força, com uma proposta ousada. Promete movimentar a capital cabo-verdiana com música ao vivo, exposições e tertúlias literárias. Uma provocação.

A abertura do TabankaMar é um convite ao público praiense em apoderar-se, de novo, da Prainha e transformá-la num ponto vital das convivências da Praia Paixão Atlântica.

Um espaço agradável, vizinho do mar, mergulhado em cores e motivos sugestivos.
A noite de ontem funcionou, sobretudo, como um motivo para se recordar Ildo Lobo que num dia como hoje de 2004 nos deixava. As músicas que marcaram a sua carreira ecoaram das vozes de Tito Paris, Rosa Mestre, Djoya, Mirri Lobo, Albertino e muitos outros. Foi uma noite de emoções fortes, presenciada pelos familiares do malogrado, e por tantos outros que reconheciam no Lobo solitário uma das maiores expressões musicais destas ilhas.

Como o legado é para viver, o novo espaço da capital pretende se associar a este princípio. Tito Paris e os seus convidados, Djoya e Jenifer, têm já encontro marcado no TabankaMar, este sábado, às 23 horas, e no domingo às 21 horas.

19 de outubro de 2005

Encontros

ExampleExampleIolanda de Pablo Milanez, fechou, sob o signo de mestiçagem, o encontro, na Praia, entre Mário Lucio e Luis Represas. Um encontro que resulta dos tantos desencontros que a vida nos proporciona. A própria mestiçagem, neste caso musical, na proposta de Luis Represas, nada mais é, do que uma síntese de um percurso de história, e de vivências.
O concerto UniVersus foi um momento de reencontro de povos, de cultura, de ritmo e de lugares. Tarrafal é revisitado com alma e espiritualidade na voz de Mário Lúcio e cruza com o sabor lusitano oferecido por Represas.
Filhos de Ogum e Oxum, Mário Lucio e Luis Represas selam no plano de suas divindades o cruzamento entre espiritualidades transversais que perpassam as especificidades espaciais, e reflectem os mil olhares do mundo.
O show de ontem confessou alguns lugares, outros nem por isso. Era preciso? Cada um viajou ao seu universo interior. Cuba de Pablo Melanez é, entretanto, assumidamente, um berço infinito dessas duas figuras.
O grupo de dança contemporânea, Raiz de Polon, fechou o ciclo cortando ao meio o espectáculo, e permitindo entender a coerência de uma concepção que iniciou pelo afirmar das individualidade Mário Lúcio e Luis Represas. Foi, sim, uma proposta de encontros, de síntese e, sobretudo, de mestiçagem. A música, mas também a história e o amor têm esse poder.

18 de outubro de 2005

Força de Cretcheu


Ca tem nada nes' vida
mas grande qui amor,
se Deus ca tem medida,
amor inda é maior,
amor inda ê maior
maior que mar, que céu
ma de entre otos cretcheu
di meu inda ê maior

Crecheu más sabe,
É quel que é de meu.
El é que é chabe
Que abrim nha ceu...
Crecheu mas sabe
É quel
Que q'rem...
Se já'n perdel
Morte já bem...

Ó força de cretcheu,
Abri nha asa em flor
Pam pode subi ceu,
Pam bá pidi simenti
De amor coma es di meu,
Pam bem da tudo gente,
Pa tudo conchê céu!

No dia nacional da cultura, Os momentos lembrou da canção de amor que encerra a dimensão lírica do nosso grande Eugénio Tavares. Uma força qualquer...

17 de outubro de 2005

Recordar Eugénio Tavares

Eugénio TavaresEugénio de Paula Tavares nasceu na Ilha Brava a 18 de Outubro de 1867, filho de Eugénia Roiz Nozolini Tavares e de Francisco de Paula Tavares.
Foi um poeta popular e erudito que deu uma grande contribuição para Cabo Verde no plano do nativismo.
Enquanto intelectual, teve um percurso paradigmático do intelectual cabo-verdiano nos fins do século XIX.

Os estudiosos consideram Tavares um dos grandes cultores da língua portuguesa, trabalhada em suas diversas formas. Exímio na prosa e no verso, mas também como polemista consequente de panfletos cívicos e políticos, alguns dos quais explicam as perseguições que teve durante a vida.
Era igualmente um exímio, senão mesmo, uma figura modal no concernente à língua cabo-verdiana, sobretudo nas suas opiniões em prol da língua materna e nas suas composições musicais.

Eugénio Tavares considerava o reconhecimento da língua crioula, à par da portuguesa, como uma questão da cidadania. Um bilinguismo que simboliza, em todos os títulos, a complementaridade do homem cabo-verdiano.
Em verdade, Eugénio Tavares interpela-nos a um olhar não apenas historiográfico como também mítico.

Muitos descrevem-no pela faceta de mornista. Complexidade que extravasa ao reconhecimento por parte de outros intelectuais, contemporâneos e outros. Eugénio Tavares, entre sua gente, não é reconhecido apenas como poeta, compositor ou polemista. Ele é lembrado, sobretudo, como uma figura mítica. Protagonista de vários episódios líricos muito lembrados na ilha.

14 de outubro de 2005

Mayra: a global

Mayra AndradeA cantora cabo-verdiana, Mayra Andrade, residente em França, participa, no próximo dia 17, num debate sobre cultura na Associação Francesa da Acção Artística.
Pequeno país, pequena cultura? É essa a pergunta, no caso de Cabo Verde, que cabe à jovem artista responder. Nesse encontro estarão presentes personalidades da cultura de países como Bolívia, camarões, Arménia e outros.

O tema do debate gira em torno do papel das pequenas culturas na era global, em que as grandes indústrias e infra-estruturas culturais dominam o mercado. A globalização parece, na visão de muitos, aproveitar-se dos pequenos países. A penetração internacional da música, do cinema, e da literatura dos países pequenos será uma das preocupações do encontro.
A diferença entre um pequeno país pobre e um pequeno país rico é um outro debate que se impõe.

A Associação Francesa da Acção Artística foi criada em 1922, por intelectuais e diplomatas franceses, com a ideia de melhorar os contactos artísticos entre a França e os outros países. Promove obras de artistas franceses no exterior, e facilita a entrada e permanência em França de artistas estrangeiros, sempre através de relações bilaterais de cooperação. A AFAA é dirigida, hoje, pelo escritor francês Olivier Poivre d'Arvor.

10 de outubro de 2005

18 de Outubro na Brava

Ilha da BravaTudo isso me parece uma luz no fundo do túnel. A que vai iluminar, não se sabe se de vez, a cinzenta ilha da Brava. A proposta do deputado do PTS, Jorge Silva, passou no parlamento, e 18 de Outubro – data do nascimento de Eugénio Tavares – é o dia nacional da cultura. Nesse dia começam as obras de recuperação da Casa de Eugénio Tavares, sita na Vila Nova Sintra. A mesma que em Junho passado recebia noites ”rijas” de festas de jovens bravenses, com a permissão da Câmara Municipal, claro!

O Presidente do Instituto de Investigação e Promoção Culturais – Carlos Carvalho, avançou na última edição impressa do A Semana que a ideia é construir igualmente uma estátua. De frisar que o único monumento erguido, até hoje, na Ilha, em memória de Eugénio Tavares, é o busto da praça central, construído pelos Amigos da Brava nos Estados Unidos.

Ainda no dia 18, vai ser atribuído, provavelmente, nas terras de Luís Loff de Vasconcelos (é bom lembrar) – falamos ainda da Brava – o prémio Cidade Velha. São vários concorrentes, e, segundo o A Semana Online, o vencedor poderá ser conhecido hoje: Zelinda Cohen, historiadora e co-autora dos três volumes da História Geral de Cabo Verde, Manuel Brito Semedo, Presidente do Instituto Internacional da Língua Portuguesa, e Emanuel Charles de Oliveira, (lança, brevemente, uma obra sobre os naufrágios nas águas de Cabo Verde) são alguns dos concorrentes. O prémio Cidade Velha foi criado, este ano, com o intuito de incentivar estudos sobre a história das ilhas.
Que venha a ser esta, pelo menos simbolicamente, a tão esperada hora da Brava.

Foto: Cabo Verde Online

4 de outubro de 2005

Viagem ao miolo de Cabo Verde

Foto: Jorge Marmelo
Crianças di praiaCabo Verde não é África, lemos e ouvimos dizer por mais de uma vez. É capaz de ser certo. Mas “nun tardinha na kambar di sol”, conforme diz uma morna de B. Leza, vendo os rostos dos negros brincando na areia escura das praias da cidade da Praia, conversando com os camponeses que regressam das fazendas da costa Leste da ilha de Santiago, com as moças equilibrando baldes de água no alto da cabeça, ou deixando o olhar flanar pelos mocetões que fazem ginástica diante do mar da Laginha, no Mindelo, apetece que África pudesse ser toda como Cabo Verde. Pobre, é certo, mas também morna, amena, bela, sem pestes nem guerras. “Terra sabi”, como no poema de Joaquim Manuel Andrade.
Os turistas são como são. E, quando se lhes fala de Cabo Verde, imaginam, como se acometidos por um reflexo pavloviano, praias de areia branca e mar azul, habituados que estão aos folhetos turísticos dos operadores que instalaram nos arredores de Santa Maria do Sal uma cidade de hotéis e “resorts”, “bungalows”, lojas de “souvenirs”, apoios de praia, estabelecimentos de aluguer de pranchas de surf e “buggies”, lambretas e bicicletas. O paraíso turístico, tal como o imaginam os ocidentais nos seus mais plastificados sonhos, existe também em Cabo Verde, rodeado, porém, de um terreno árido e desértico, onde quase nada medra. Tão inóspito que parece bonito.
O paraíso turístico existe e, diga-se, ainda está a crescer. Nos próximos meses deverá, por exemplo, abrir o gigantesco e pavoroso Club Hotel Riu Funana, com duas mil camas e a arquitectura de Medina árabe que um grupo económico espanhol teletransportou para o deserto da ilha do Sal. “Porque é que eles (os italianos) não pedem para nos fotografar?”, pergunta, visivelmente irritada, Liliana, de 13 anos, depois de, com um irmão mais pequeno ao colo, ter sido rodeada por um exército de câmaras fotográficas. Dizer o quê? Afixado com fita-cola na parede do fontenário da vila portuária de Palmeira, um cartaz anuncia o “grande espectáculo” de Nelo Jackson, imitação local do norte-americano Michael. Os italianos passam à margem.
Para aqueles que viajem para “Kabiverdi” para conhecer Cabo Verde tal como o país de facto é, está, portanto, na hora de fazer como o capitão Kirk no série televisiva “Star Trek” e pedir: “Beam me up, Scotty”. Ou, melhor ainda, entrar num barco ou num dos acanhados ATR-42-300 da TACV que asseguram as ligações aéreas entre as ilhas e ir à procura do espírito da “morabeza” e de tudo o que de mais autêntico existe nestes nove grãos de terra semeados no Atlântico: grogue, ponche, sopa loron, cachupa, atum, fontenários, camiões-cisterna, mangas miúdas, mornas, vinho do Fogo, coladeiras e sorrisos alvíssimos. “Tut dret?”. Bate tudo certo, sim. O povo de Cabo Verde é pobre, mas tem a maior das riquezas: sabe sorrir. Leia Mais

Texto de Jorge Marmelo, publicado no suplemento Fugas do Jornal Público, no dia 26 de Agosto de 2005.