7 de novembro de 2007
Retalhos do tempo
1. Creio ter já escrito neste blog o meu fascínio pelas tardes. Não propriamente todas, mas principalmente aquelas que me fazem recordar aquele momento único, o entardecer em S. Filipe. A tarde que me pressentia entre a serenidade e a traquinice, entre a tristeza e a alegria. Curiosamente, nunca mais a senti igual. Mas prossigo na busca dessa leveza de outrora. Com esperança…
2. Sou uma mulher de poucos amores (devo ter dito uma blasfémia, mas é a pura verdade). Uma das pessoas que amo de coração completou esta semana 104 anos. Ela é minha madrinha, provavelmente a mulher mais velha de S. Filipe. Um monumento da Cidade. Felismina Mendes é o nome dessa madre, mais conhecida por Nha Filó, a dona de todas as estórias. É ainda lúcida. Mas lembra de cor algumas estórias, que de tanto repeti-las, podem nos induzir ao erro. É do encanto, apenas. A proeza de ter cruzado décadas feitas de tudo.
Ela cultiva uma relação especial com a televisão. As telenovelas, os filmes, o noticiário encantam-na. Nutre uma saudade eterna, pelas estórias que conta, do Dr. Teixeira de Sousa, um amigo e grande médico que também escreveu romances, que ela nunca leu.
Nha Filó é um arquivo vivo, basta consultar. Uma senhora alegre, que nunca teve filhos, mas cresceu com crianças à volta. Hoje, continua assim. Entram pela meia-porta, pedem água, assistem à TV, e depois se despendem. Tê manha nha Filó.
Foi conhecer a América só na década de 80, porque não quis ir antes. Muitos antes, na década de 50, quando o seu pai comprou Ernestina, o barco que cruzava o atlântico com cabo-verdianos rumo à América. O pai, Henrique Mendes e o irmão, Arnaldo Mendes, eram partes da tripulação, e desse manancial de vida, Nha Filó guarda pérolas memoráveis.
Felismina Mendes sempre permaneceu em S.Filipe à espera das estórias que chegavam para depois partirem. E continua lá, à espera do tempo…
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11 comentários:
Que história linda, Margarida!
Meu amigo, Jorge.
Estas são apenas pinceladas da vida de uma grande senhora.
Oi Margarida
Por falar em Entardecer em São Filipe, ver o dia a morrer lá do presídio tocou-me de tal maneira que acabei fazendo uma música chamada Bila, dedicada àquela Cidade.
Força.
Adoro essa música, Djoy. Estás de parabéns.
Prezada Margarida, não nos conhecemos, mas tenho gostado muito do seu site. mesmo de londe, da distante Miami, dá para matar saudades das coisas da terra, com qualidade e gosto.
Mantenhas,
Alvaro Ludgero Andrade
Realmente o entardecer da nossa cidade é um espectáculo maravilhoso!! É das coisas que mais tenho saudade e de que mais falo.
Não fazia ideia que o pai da Nha Filó foi proprietário do Ernestina:) Ela é um bom exemplo de muitos "arquivos vivos" que temos em São Filipe e que devem, por isso, ser eternizados em livros.
Beijos
Katy
Oi, Guida,
Agora deixaste-me arrepiado de verdade. Sabes, tenho um fascínio especial pelo Fogo, já tive a oportunidade de visitar quase todos os seus povoados. Mas tenho igualmente um fascínio que não sei bem de onde veio, confesso, por tudo o que se relaciona com "Ernestina", já devorei quase todo o seu site institucional, que conheci através do blog da Carla Amante, e até hoje gosto de saber de histórias relacionadas. Saber que a filha do dono ainda está lá em São Filipe deixou-me sinceramente emocionado. Da próxima vez que for àquela ilha, vou "cobrar-te" que me faças a ponte com Nhá Felismina, gostaria muito de conhecê-la.
Abraço,
Paulino
Prezado Ludgero, já eu não posso dizer o mesmo. Conheço-o dos interessantes programas que fazia na TNCV. Obrigada pela visita, e volte sempre...
Pois é Katy, a Nha Filó é filha do Nhô Henrique. A nossa ilha é um canteiro de "arquivos vivos". É só pisar as festas das bandeiras, e dar de caras com aqueles tamboreiros e coladeiras, rebentos de várias gerações. Tenho um carinho especial em relação a tudo isso, e algumas ideias...
Paulino, é de arrepiar realmente. Quando fores ao Fogo, deixa-me saber, que te faço a ponte com a ti Filó. De arrepiar mesmo são as suas estórias...
Beijos a todos.
Querida Margarida,
Sabes, fiquei com vontade de conhecer este entardecer em São Filipe... Sei que as tardes na Colina do Amparo (na minha cidade natal) e nas praias do Porto da Barra e do Bugari (aqui em Salvador) são lindas (pelo meno, pra mim). Mas como será em São Filipe? Com certeza é poema que eu não conheço. Quanto a sua madrinha, qual tal escrever um livro-reportagem (ou um vídeo) sobre ela? Pessoas como ela devem ser preservadas para sempre...
Beijos
Ricardo Vidal
O entardecer em S.Filipe lembra muito o do Porto da Barra.. por aí, dá para sentir a poesia. Anotei a sugestão. Obrigada e grande abraço.
Quando lançares o livro ou o vídeo sobre tua madrinha, nãoe suqeça de me avisar. Gostaria muito de ler/ver. Beijos de uma amigo
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