
1. Muitos já devem ter reparado no tom incisivo da grelha de programação da
TV Record, canal brasileiro emitido em sinal aberto em Cabo Verde. Record é uma rede de televisão brasileira, cujos donos pertencem ao influente “bispado” da Igreja Universal do Reino de Deus (IURD). A rede (TV e rádio) é de cariz nacional e se ramifica através de dezenas de TV´s filiais estaduais e centenas de rádios pelo Brasil, e pelo mundo, (em alguns países africanos, inclusive). A tendência recente tem sido a igreja arrastar consigo o canal, e em outros têm acontecido o inverso; lá onde for permitido (como aconteceu em Cabo Verde) a regra é estarem juntos.
A Informação (o jornalismo) da Record, com a atractiva máquina de produção que em muitos casos ofusca o conteúdo, é marcadamente sensacionalista. O entretenimento cumpre e bem o seu papel “entreter”. Os documentários, alguns sobre os recônditos do Brasil, e outros sobre países e culturas estrangeiras, são bons.
A nossa atenção vai para o jogo dialéctico entre o paraíso e o inferno que perpassa o grosso da produção da record:
da informação à teledramaturgia, e isso leva-nos a perceber a incessante ligação existente entre os dois ramos empresariais mais expressivos desses senhores: a televisão e a igreja.
O canal faz um
esforço de priorização desmedido no sentido de configurar um “Brasil real” terrível. Basta assistir aos serviços informativos da Estação e perceber o número e a repetição de crimes transmitidos, e notar como a hipótese do agenda setting é trabalhada. Como se sabe, a realidade social, os temas de conversa, os assuntos de actualidade são montados, nos dias que correm, pelos media. Quando a sociedade é sufocada por situações limites, a saída está na busca pela redenção, na fé, num Ente superior…
O mesmo acontece com as telenovelas produzidas pelo canal: a intenção inequívoca de chocar, a luta entre o bem e o mal conhece e ultrapassa todos os seus limites (vide Mutantes); os extremos, a miséria humana, a decadência e o fosso sociais são condições sempre colocadas perante uma luz redentora e a possibilidade de regeneração.
O destrono de Júpiter, ou se quiserem, a luz no fundo do túnel, estará na mensagem que apregoa a Igreja Universal do reino de Deus, lá no finalzinho da emissão, depois de tudo…é assim em todos os lugares do mapa por onde pisa o canal “redentor”.
Os factos
2. À par dessa leitura primeira que incomoda pouquíssima gente, é justo dizer que a Record é o canal que mais cresceu no Brasil, tendo se beirado (não sei se ultrapassado) à poderosa Rede Globo em alguns picos de audiência O canal multiplica todos os dias contratos com jornalistas, apresentadores e actores de renome (muitos ex-globais).
O nível de produção em quantidade e qualidade tem aumentado, e traduz-se nos números de telenovelas e séries, coisa que a Record não fazia há 10 anos.
Levando a bandeira da fé como
cartaz, a Record lança, em força, os seus tentáculos para fora do Brasil. Uma atitude que tem motivado a que outros canais do Brasil se interessem por uma maior penetração no mercado internacional.
Ineditismo
3. Independentemente de qualquer juízo que possa ser feito sobre a programação da Record, (que fosse pelo brilhantismo) é importante lembrar que a emissão desse canal em sinal aberto em Cabo Verde (com programação nacional ínfima) é provavelmente um caso inédito no mundo.