8 de janeiro de 2009
Rede Record: da desgraça à redenção
1. Muitos já devem ter reparado no tom incisivo da grelha de programação da TV Record, canal brasileiro emitido em sinal aberto em Cabo Verde. Record é uma rede de televisão brasileira, cujos donos pertencem ao influente “bispado” da Igreja Universal do Reino de Deus (IURD). A rede (TV e rádio) é de cariz nacional e se ramifica através de dezenas de TV´s filiais estaduais e centenas de rádios pelo Brasil, e pelo mundo, (em alguns países africanos, inclusive). A tendência recente tem sido a igreja arrastar consigo o canal, e em outros têm acontecido o inverso; lá onde for permitido (como aconteceu em Cabo Verde) a regra é estarem juntos.
A Informação (o jornalismo) da Record, com a atractiva máquina de produção que em muitos casos ofusca o conteúdo, é marcadamente sensacionalista. O entretenimento cumpre e bem o seu papel “entreter”. Os documentários, alguns sobre os recônditos do Brasil, e outros sobre países e culturas estrangeiras, são bons.
A nossa atenção vai para o jogo dialéctico entre o paraíso e o inferno que perpassa o grosso da produção da record: da informação à teledramaturgia, e isso leva-nos a perceber a incessante ligação existente entre os dois ramos empresariais mais expressivos desses senhores: a televisão e a igreja.
O canal faz um esforço de priorização desmedido no sentido de configurar um “Brasil real” terrível. Basta assistir aos serviços informativos da Estação e perceber o número e a repetição de crimes transmitidos, e notar como a hipótese do agenda setting é trabalhada. Como se sabe, a realidade social, os temas de conversa, os assuntos de actualidade são montados, nos dias que correm, pelos media. Quando a sociedade é sufocada por situações limites, a saída está na busca pela redenção, na fé, num Ente superior…
O mesmo acontece com as telenovelas produzidas pelo canal: a intenção inequívoca de chocar, a luta entre o bem e o mal conhece e ultrapassa todos os seus limites (vide Mutantes); os extremos, a miséria humana, a decadência e o fosso sociais são condições sempre colocadas perante uma luz redentora e a possibilidade de regeneração.
O destrono de Júpiter, ou se quiserem, a luz no fundo do túnel, estará na mensagem que apregoa a Igreja Universal do reino de Deus, lá no finalzinho da emissão, depois de tudo…é assim em todos os lugares do mapa por onde pisa o canal “redentor”.
Os factos
2. À par dessa leitura primeira que incomoda pouquíssima gente, é justo dizer que a Record é o canal que mais cresceu no Brasil, tendo se beirado (não sei se ultrapassado) à poderosa Rede Globo em alguns picos de audiência O canal multiplica todos os dias contratos com jornalistas, apresentadores e actores de renome (muitos ex-globais).
O nível de produção em quantidade e qualidade tem aumentado, e traduz-se nos números de telenovelas e séries, coisa que a Record não fazia há 10 anos.
Levando a bandeira da fé como cartaz, a Record lança, em força, os seus tentáculos para fora do Brasil. Uma atitude que tem motivado a que outros canais do Brasil se interessem por uma maior penetração no mercado internacional.
Ineditismo
3. Independentemente de qualquer juízo que possa ser feito sobre a programação da Record, (que fosse pelo brilhantismo) é importante lembrar que a emissão desse canal em sinal aberto em Cabo Verde (com programação nacional ínfima) é provavelmente um caso inédito no mundo.
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7 comentários:
Excelente análise. É enojador a forma como eles diabolizam tudo e depois lá tratam de meter o recado" cá estamos para vos salvar".
Boa análise... A grande empresa IURD está a cumprir, e cada vez com mais qualidade e sofisticação, o seu papel. A pergunta é: a nós interessa-nos? Porque nos prestamos a essa 'experimentação' híbrida de internacionalização? Parceria estratégica?
Bom ter-te aqui, kamia.
Exactamente.
Apesar de dito, a política de programação da Record é lá com eles, (e é um problema do Brasil) mas o seu consumo aberto em Cabo Verde é uma questão que interpela a todos (devia, pelo menos).
Abraço.
É isso Fonseca. Aliás, está-se a desperdiçar um rico nicho de "parceria estratégica". As contrapartidas à emissão aberta da Record em Cabo Verde deveriam passar por uma alternativa real de produção de informação em Cabo Verde, e uma grelha de programação nacional percentualmente expressiva. A REDE RECORD tem condições para isso, e deveria ser confrontada com esse cenário.
Margarida, engano meu, ou no concurso a que concorreu a Record para obtenção de licença, uma das condições é ter "produção nacional própria" até uma determinada percentagem que julgo não negligenciável? E se sim, quem fiscaliza este estado de coisas? Melhor, para quando uma Autoridade para a Comunicação Social em Cabo Verde, independente dos partidos e dos poderes instalados? É que não são apenas as televisões. Lemos os manifestos editoriais dos nossos jornais e algo ali não bate certo, não é? Mas não devia bater certo? Como consumidor falo.
Abraço
João, engano nada, é "mais ou menos" isso. A verdade é que nunca ficou claro para ninguém em que moldes a Record Brasil emite em Cabo Verde, e quais são as exigências colocadas à Record Cabo Verde relativamente à sua produção nacional (no fundo é saber, o que separa os dois canais). Exigir e fiscalizar, porque a Estação tem condições para fazer mais.
O único puxão de orelha vindo da Direcção Geral da Comunicação, a dada altura, foi “ou a Record Cabo Verde arranca com um serviço informativo até dia X, ou perderia a licença”. Quanto à Alta Autoridade para a Comunicação Social é só puxarmos pela cabeça a ver se lembramos de alguma retrospectiva ou perspectiva no ano acabado de terminar. Nem uma palavra, infelizmente!
Abraço.
A Rede Record sempre foi sensacionalista, desde que a IURD tomou conta dele.
Mas já sabemos qual é o objectivo.
Margarida, gostei da tua análise.
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