17 de fevereiro de 2010

José Luís Tavares, a propósito da oficialização do crioulo

crioulo




















“Sou pela oficialização plena e em paridade com o português, ainda que, no meu entendimento, se esteja a apegar demasiado à questão formal, legal e constitucional. Não menosprezando o aspecto da dignidade constitucional, penso que o actual articulado permite um conjunto de realizações e cujas virtualidades estão longe de estar esgotadas. O que é preciso é levar à prática, e até às últimas consequências, todas as possibilidades legais existentes. E para isso é preciso que o próximo governo, seja ele de que partido for, tome de forma decisiva a questão em mãos transferindo-a para o ministério da educação (com um ministro com abertura, empenho e sensibilidade para a questão, sem prejuízo do papel que o ministério da cultura deva continuar a ter), pois é aí que se joga, decisivamente, o sucesso na aprendizagem e uso da língua caboverdiana; a criação de uma unidade de missão adstrita à presidência do conselho de ministros, enquanto não é criado o instituto da língua caboverdiana, uma das principais recomendações do fórum de dezembro de 2008. Bom, dir-me-ão, para isso tudo é preciso haver recursos.”

Acha que há alguma mão oculta preterindo a oficialização da língua cabo-verdiana e por que razão?

“Eu não sei se há uma ou mais mãos ocultas ou não, mas o que eu tenho notado é que existem algumas movimentações, sem que isso possa ser tomado como algo conspirativo, e que elas incluem cabo-verdianos e não-caboverdianos. No que tange aos caboverdianos que são contra a oficialização, podemos dividi-los em várias categorias. Uns, por um déficit de consciência cultural e identitária; outros por razões de poder, pois enquanto o português continuar a ser a única língua formal de Cabo Verde aqueles que possuem o seu domínio ficam na posse de um capital social e simbólico não negligenciável; outros ainda por razões de reivindicação regionalista que encontraram um pretexto para as suas, talvez, justas queixas, usando a questão da língua como cobertura; e ainda aqueles que, se calhar por culpa nossa, não fazem ideia sequer do que se está a discutir.

Quanto aos estrangeiros as suas contribuições são bem-vindas, desde que se restrinjam ao âmbito técnico-científico. A questão social e política é com os caboverdianos, e só com eles. Por isso espantei-me, e muito, quando me disseram que um jornalista caboverdiano teria perguntado ao ex-ministro português Morais Sarmento o quê que ele achava da oficialização da língua caboverdiana. Que eu saiba o senhor Sarmento não é linguista e Cabo Verde é um estado soberano há trinta e cinco anos. Choca-me que haja caboverdianos que ainda não tenham interiorizado isso e que agem perante lisboa como se ainda fôssemos uma das suas possessões ultramarinas.”

in: expresso das ilhas
fotu: denise portes

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