28 de março de 2011

Carlos Matos: Crioulidade na Conservatória


Carlos Matos





















“Os momentos” conversou com o pianista e professor de música Carlos Matos via facebook. Ele, na sua residência na Holanda, e nós, por cá, algures, no arquipélago.

Aos 5 anos, quando acompanhado da mãe foi assistir a um show do grupo Voz de Cabo Verde, soube que rumo dar à sua vida. Queria ser músico e um homem do piano. Começou a estudar música aos 9 anos. Fez conservatória, basicamente para música clássica, mas veio despertar-se para a música cabo-verdiana bem depois, após um repto da própria conservatória. Do retorno às raízes, Matos leva a música cabo-verdiana à conservatória, e surge o primeiro projecto World Music Orchestra Codarts de que se torna maestro.

O músico que admite que na adolescência “não gostava da música de Cabo Verde”, descobriu depois um mundo de possibilidades rítmicas, estéticas e culturais. “Eu descobri que você pode desenvolver a música cabo-verdiana, em muitos aspectos”, diz. “Comecei, em 1995, com a minha primeira banda acústica Nostalgia onde aprendi o básico da música cabo-verdiana tradicional, e descobri as minhas raízes, não apenas como músico.” Em termos de banda, integrou ainda os Koladance e o emblemático grupo Rabelados.  No seu percurso, além de vários artistas e bandas estrangeiros, Matos já acompanhou nomes nacionais como Luis Morais, Ildo Lobo, Titina, Boy Ge Mendes, Tito Paris e muitos outros.

Cabocubajazz, a Banda, o Disco





















Em 2008, com o famoso percussionista alemão Nils Fischer, ele funda uma banda e agora veio o primeiro disco: Cabocubajazz - Rikeza e Valor. Pela plástica e pela gramática, sem perder-se das raízes todas, este disco materializa o pensamento musical de Matos. Ritmos juntos, cubanos e cabo-verdianos, todos crioulos; jazz é cabo-verdiano, mas é também cubano. As vozes também são partilhadas: Dina Medina, Grace Évora e o colombiano Alberto Caicedo. A banda também é uma amálgama de nacionalidades: Sérvia, Colómbia, Estados Unidos, Senegal, Alemanha, Curaçao e, claro, Cabo Verde.
A experimentação permanente que sela a carreira do pianista também está plasmada no seu primeiro disco, Caboverdianismo.

Formação musical

Carlos Matos, filho de pais cabo-verdianos, nasceu há 39 anos, e sempre viveu na Holanda. No próximo ano prepara-se para rumar às ilhas e ensinar música na Universidade de Cabo Verde. O Pianista tem um olhar muito preciso sobre a música cabo-verdiana. Entre nós, grava-se muito, mas não é o suficiente, entende.
“A chave do desenvolvimento da nossa música é a EDUCAÇÃO. Estamos conscientes de que a nossa música é reconhecida mundialmente por causa de Cesária Évora e outros, agora é a hora de preparar a nova geração com a nossa música tradicional. Organizar workshops, masterclasses com grandes guitarristas como Báu, Voginha, Kim Alves, Paulino Vieira, pianistas como Tututa, Chico Serra e Toy Vieira. Se não começarmos agora, dentro de 10 a 15 anos algum conhecimento desaparecerá.”
É nesse sentido que o pianista desenvolve um projecto de ensino para as crianças; a ideia é encontrar métodos adaptados para tocar a coladeira e a morna. “Como é que o povo japonês pode cantar jazz e fado? Porque existem livros e professores!” É o exemplo que nos deixa.

O Rumo, a estética

O pianista demonstra uma visão positiva sobre o rumo da música cabo-verdiana, mas também fala em alguma inquietação. “Estamos numa fase em que começamos a ser maduros nas escolhas artísticas, o que é bom. Não temos mais a necessidade de copiar o zouk, por exemplo, para torná-lo nosso. Gostaria que voltássemos mais às nossas raízes, para criar algo novo a partir daí. É como uma língua: se você quiser jogar com a gramática, você tem que conhecê- la bem, certo? Miles Davis disse uma vez: If you want to break the rules, you have to know them first!”

Carlos Matos tem em Luís Morais a imagem de uma figura paterna. “Ele incorpou a música cabo-verdiana”. O legendário instrumentista é primo de Carlos Matos, o nosso, hoje, homem do piano.

27 de março de 2011

Cabo-verdiana mulher...




















I (...)


II

A minha mãe vendia pão ao luar
E mel às crianças da beira-mar
                     Pagavam moeda
Moeda de carvão
E marulho da moeda
                      no mergulho do mar alto
E por vezes
A fidúcia do rosto
                       sem timbre de selo branco

III

Antes da manhana
                         Ela ia
De baía em baía
                      peregrina
Amando
            no útero das veias
                  a voz uterina dos navios
Na ilha
A minha mãe é ilha nua
Por Dezembro rasgando
              o seu inverno chita.


Corsino Fortes

26 de março de 2011

Falal Manu...



pura eu: diálogo intergeracional...Dj Baby T, Boy Ge Mendes, Mark G, e Manu Lima: é o futuro.

23 de março de 2011

Morna
























“Canto que evoca
coisas distantes
que só existem
além
do pensamento,
e deixam vagos instantes
de nostalgia
num impreciso tormento
dentro
das nossas almas…
Morna
desassossego
voz
da nossa gente,
reflexo subconsciente
em nós
das vagas ao longo das praias;
(…)
musicando rapsódias em surdina
nos tectos das casas pobres…»

(teu) Jorge Barbosa

Nesta casa pobre que gostavas de visitar... agora sem ti... descanso eterno.

20 de março de 2011

Notas minhas

Example



















1. Some Kind of Funny Porto Rican. A Capeverdean American Story. Não falarei da opção estética que poderia ser tanta e inumerável para uma realizadora do calibre de Claire Andrade-Watkins. A própria faz-se de narradora e, de certa forma, personagem deste filme (cabo-verdiana americana de segunda geração). Parte da sua casa, da sua família e das suas inquietações profundamente existenciais para nos contar uma história emocionante da diáspora cabo-verdiana. Localiza Cabo Verde como espaço de identidade, narra traços fundamentais da sua história e enquadra a conjuntura socioeconómica da vaga da emigração de cabo-verdianos para os Estados Unidos. Os primeiros africanos a entrarem nos Estados Unidos fora do contexto migratório da escravatura. Lança um olhar sobre a América do século XIX, percorre os seus meandros, para depois centrar-se em Fox Point, pequena cidade no Estado de Rhode Islands - a Capverdean land. A vida desses crioulos portugueses, o trabalho, a sociedade, o lugar da música, uma malha da memória que não se reencontra jamais. O filme de Claire Andrade-Watkins é uma contribuição incontornável para a máxima da Caboverdianidade.

2. João Bosco (foto) actuou 18 de Março na Cidade da Praia, depois de o ter feito no Mindelo. Também não irei esmiuçar sobre este vulto da música brasileira. Não tendo palavras, apenas ficaria pela evasão causada. Um espectáculo memorável, cheio de poesia, palavras tácteis, boa energia e memória. É o próprio a dizer que de um povo fala pela forma como preserva e reaviva a sua memória. Aliás, o que me fascina em muitos nomes do Brasil, onde se inclui Bosco, é a forma generosa e decisiva como cantam os seus. João Bosco vindo a Cabo Verde, nos lembra Tom Jobim, Elis Regina, Dorival Caimmy, Carlos Drummond de Andrade, João Cabral de Melo Neto e fá-lo numa preocupação de conjunto cultural muito para além da pura performance musical, transcendendo o canto. É um artista que convida, provoca e subverte, com profunda inquietação. Daqueles que acreditam que a vida é uma viagem de todos. E para todos. Não esquece nem da pedra (símbolo primordial), e rende homenagem aos cabralinos poetas da pedra, os do Brasil. Seria bom que ele regressasse à casa com a memória dos nossos poetas da pedra, temo-los muitos. Um deles, inclusive, cantou a pedra no seu mais recente disco - Mário Lúcio, nosso Ministro da Cultura. João Bosco continua na estrada de Manuel Bandeira e Jorge Barbosa. Essa nuance é que não se pode evadir.

3. O Governo novo toma posse segunda-feira. O ideal seria saber o que genuinamente pensam os cabo-verdianos desta nova proposta de José Maria Neves. O povo é quem mais ordena, como rezaria a emblemática canção portuguesa. Entretanto, sendo praxe, ficam os cem dias de graça para a serenidade de todos…

13 de março de 2011

Democratas...
















Escrevi em dezembro do ano passado este post onde dizia que Manuel Inocêncio seria o candidato apoiado pelo PAICV, e ontem tudo se clareou. O Ministro das Infra-estruturas, transportes e telecomunicações aparentava estar demasiado confiante e sereno. Era ele o escolhido de José Maria Neves. Os sinais eram muitos. Em São Vicente, durante a campanha para as eleições legislativas, Manuel Inocêncio era referenciado como a mão invisível que dentro do partido catapultou José Maria Neves para a liderança, e na chefia do governo, o seu braço direito. Percebe-se, portanto, que Neves tinha uma dívida para com Inocêncio. Ela já foi paga. O problema está no caminho percorrido: uma dita disputa interna no seio do PAICV que revelou ser tudo, menos democrática.
Contra fortes ventos e marés, José Maria Neves, tal como fez para a presidência da mesa da Assembleia Nacional, impõe o seu escolhido. Fá-lo e remete a um sofrimento sucumbido os apoiantes de David Hopffer Almada, e sobretudo, os de Aristides Lima, já que as sondagens davam a este último uma margem confortável de apoio.
Uma notícia recente num dos jornais on-line do país dizia que José Maria Neves queria no parlamento e na presidência da república, figuras da sua confiança e sensibilidade, para uma governação sem sobressaltos. Grave!

Democracia stribilim

Numa altura em que se advinham tempos difíceis para o país, apesar da vitória stribilim nas últimas eleições, certamente, não será o momento para se fugir de dissensões. O parlamento não é um salão paroquial, e a presidência da república está longe de ser um clube de amigos. Os dossiers/pacotes nesses dois fóruns devem ser submetidos a escrutínios exigentes, à luz da Constituição, e de uma certa cultura política e institucional, para o bem da governação e da consolidação da democracia.

Poesia

"Mon pays est une Musique"...e o poeta vive, caso contrário, somos nós a morrer devagar!

6 de março de 2011

Benin em marcha democrática



















O Parlamento do Benin aprovou, na sexta-feira passada, uma lei, promulgada pelo Presidente cessante Yayi Boni, que adia para 13 de Março as eleições presidenciais que estavam agendadas para este domingo. É a segunda vez que se muda a data deste pleito, depois da primeira alteração de 28 de Fevereiro para 6 de Março. Na base de toda a polémica está a lista eleitoral permanente informatizada (LEPI) com a chifra de 1 milhão e 300 mil eleitores não inscritos, instrumento introduzido pela primeira vez no país. Esta questão pontuou, quase por inteiro, os debates, durante os 15 dias de campanha.

A LEPI, segundo a oposição, a crer nas tendências regionais do voto, beneficia a força que apoia Boni Yayi. A longa marcha até ao Tribunal Constitucional (TC) organizada pelos 11 partidos coligados que apoiam a frente “União faz a Nação” de Adrien Houngbédji, principal opositor de Boni Yayi, foi o ponto alto dos protestos.
Como causa directa da decisão do TC, estará também uma solicitação de prorrogação da data por parte da Comissão Eleitoral nacional autónoma (CENA) no sentido de corrigir os problemas ligados à distribuição do cartão do eleitor e dos equipamentos, e no que concerne à localização das mesas de voto.

O Jogo democrático

As duas alterações podem parecer, a um primeiro olhar, imaturidade democrática ou excesso de improviso, mas não é. As eleições que acontecem sob o signo de desconfiança quando não acabam em crise, produzem um nível de descrença perigoso que repercute nas instituições. Independentemente das causas que estiveram na base dos não inscritos (desinteresse do eleitor, falta de verba, ou mau desempenho dos agentes recenseadores), é relevante a decisão de sua correção, ou da realização de eleições nos moldes tradicionais (sem LEPI).

Antes das eleições, o Benin saiu a ganhar, as suas instituições saíram a ganhar; o Tribunal Constitucional ouviu o claro protesto da oposição, o Governo/partido não é o todo-poderoso, a imprensa fez um trabalho raro em África. A sociedade civil está viva; ONG´s; Associações profissionais engajadas e politizadas no sentido líquido do termo.

A democracia no Benin, longe de algumas fábulas que se reproduzem acriticamente aqui, acolá, mostrou ser um sistema dinâmico, aberto, onde as instituições são interpeladas e reagem. Não é por acaso que o Canal France International decidiu, num exercício inédito, montar uma redacção em  Cotonou com 6 jornalistas de diferentes países africanos, para cobrir as eleições. O próprio facto das datas terem sido duas vezes proteladas, e nós, jornalistas, não podermos cobrir o pleito que só terá lugar no dia 13 de Março, serviu-nos de lição. Sinais de uma democracia africana (...) que se consolida por caminhos próprios, claros e de forma irreversível.

1 de março de 2011

Sodade, nova versão

Example























In November 2010, Seattle band Publish The Quest recorded 'Sodade' with Cape Verdean vocalist Laise Sanches. The song, made famous by the barefoot diva Cesária Évora, has a special meaning for all Cape Verdeans living on the islands and those in the diaspora.

nota pura: o disco vai estar no mundo este mês...