17 de dezembro de 2008

Nós (destes tempos)

tocaderas













Nestes tempos
os estrangeiros
(aqueles que
investem nas nossas almas
e na sua incólume morabeza
na sua fiável amorabilidade
na sua fatal cordialidade
e nos amamentam
com a sua chuva colorida
metálica e cosmopolita)
disputam-nos
e aos pétreos adão e eva do pico de antónio
a génese da ilha e do banho baptismal nestas plagas
e declaram-se primogénitos
e legítimos donos da distância
que vai da ourela do mar
ao cume do monte mais alto
e do suor que a história
durante tantos séculos
fez escorrer nestas ilhas
e agora nus edénicos e hedónicos
(quase adâmicos)
se transfiguram
em corpos bronzeados
dourando-se sob o sol
e os límpidos céus do sahel insular



Cá vamos pois
badius e sampadjudos
todos muito kuls na preservação
das indispensáveis e urbanas rivalidades tribais
sem todavia, assevera o plástico mito,
descurar a híbrida e pan-arquipelágica
descendência de pós-coloniais sampadius
e o também híbrido harém de poetusas
docemente engajadas com a sensualidade
dos corpos bronzeados e emancipados
terra-longinquamente comprometidas com versos
dilacerados de engasgamento hídrico e comiseração social

Cá vamos pois
hodiernos de semi-solidão
pendularmente cansados
marcando horas errando nas peugadas da poeira
e não sei se no humor ciclotímico da bruma seca
ou se no amor urgente e clínico dos cooperantes
dos turistas dos investidores estrangeiros dos mandjacos
dos comerciantes chineses e dos demais cúmplices
deste amado e assaz lúdico purgatório…

poema: José Luís Hopffer C. Almada
título: pura eu
imagem: Abraão Vicente

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