30 de junho de 2008

Os teus pés


















Quando não te posso contemplar
Contemplo os teus pés.

Teus pés de osso arqueado,
Teus pequenos pés duros,

Eu sei que te sustentam
E que teu doce peso
Sobre eles se ergue.

Tua cintura e teus seios,
A duplicada purpura
Dos teus mamilos,
A caixa dos teus olhos
Que há pouco levantaram voo,
A larga boca de fruta,
Tua rubra cabeleira,
Pequena torre minha.

Mas se amo os teus pés
É só porque andaram
Sobre a terra e sobre
O vento e sobre a água,
Até me encontrarem.

Neruda

27 de junho de 2008

Publicações: Afro…

Taís AraújoA exemplo da revista Raça, no Brasil, e das publicações dirigidas para negros nos Estados Unidos e na África do Sul, foi lançada recentemente em Portugal a revista Afro, dirigida «ao grande público que se identifica com os valores universais da cultura afro». É uma revista feminina, com reportagens diversificadas, e perfis vários de figuras negras de renome a nível internacional. Uma publicação que, sem sombra de dúvidas, preenche uma lacuna editorial num espaço territorial com presença (histórica, inclusive) de várias comunidades de origem africana.
A publicação pertence à Editora portuguesa Impala, e é distribuída em Moçambique, Angola e Cabo Verde.
Surfando pela net, encontrei alguns comentários injuriosos a essa revista. Neste blog, por exemplo, fizeram uma enquete nesses termos “Achas que a criação desta nova revista constitui uma boa iniciativa para a divulgação da cultura africana ou poderá ser um motivo de discriminação?” As opiniões divergem entre si.
Do meu ponto de vista, tratando-se de negócio, esta publicação, dirige-se a um franja que não se revê, enquanto consumidora, nas mil e outras publicações existentes nessa linha. E nem se vai referir aqui às outras frentes que uma revista desse tipo pode ajudar a construir nas cabeças femininas do segmento a que se dirige.

África21

Ainda sobre publicação, já nasceu o site África21digital, parceira on-line da publicação impressa com o mesmo nome. Uma revista especializada em política, economia e cooperação que cobre a actualidade de África (com especial atenção à CPLP), e a sua relação com o resto do mundo.

Nota: A actriz brasileira Tais Araújo (foto) pousou para a capa de estreia da revista Afro.

26 de junho de 2008

Gosto de gente


















Gosto de gente que conhece os meus gostos
… de gente que olha
Gosto de gente que ouve
Gosto de gente que …
…aprecia o mar,
… as ruas escuras,
… e o silêncio.

pura eu

24 de junho de 2008

(Nunca) esqueço

Clair de lune, 1893 Munch, Edvard
















"Nunca esqueço os livros. Esqueci bastante da minha vida. Salvo a minha infância e as aventuras que pude viver para fora das normas do cotidiano. Da vida de todos os dias não sei quase nada. Exceto da minha infância. O resto representa uma massa de acontecimentos paralelos à minha vida. Tem a ver com os motivos acima apontados e outros mais, sempre diferentes, como diferentes são os encontros, as amizades, as circunstâncias do amor ou da tragédia."

MD

23 de junho de 2008

Vazio de poesia

Vazio



















Foi chocante o uso "burlesco" do termo poesia na sessão desta manhã no Parlamento cabo-verdiano. Políticos de ambos os blocos discorriam em tom de paródia sobre “fazer poesia”, como que se de um labor vazio e insignificante se tratasse:
E porque poesia é poder “do mais genuíno”, lembrei-me de Maiakovski, e do seu slogan:

Brilhar para sempre,
brilhar como um farol,
brilhar com brilho eterno,
gente é para brilhar,
que tudo mais vá para o inferno,
este é o meu slogan
e o do sol.

Manuel Alegre, poeta e político português, disse também, certa vez, que: «Entre os muitos défices que avassalam o mundo, aquele de que menos se fala é talvez o mais importante: o défice da poesia. Porque não é possível resolver os outros sem que no cinzento de cada dia haja “um pouco mais de azul”».

(Ler de novo) Essex na Ilha do Maio

Essex













Cabo Verde assumiu-se sempre como uma importante placa giratória da navegação atlântica, pois aqui se cruzavam nas viagens de ida e de regresso, a rota da Guiné, a rota do Congo/Angola e a rota do Cabo e daqui aportavam à ida os navios do Brasil e os da rota das Índias de Castela. Assim, pela enorme importância geo-estratégica tiveram, a cada tempo, o seu auge, diversos espaços cabo-verdianos:
A Ilha do Maio também se insere nesse roteiro. No livro “No Coração do Mar”, do jornalista e historiador norte-americano, Nathaniel Philbrick, existem relatos interessantes da passagem da embarcação Essex pela Ilha do Maio. O navio baleeiro Essex foi atacado em 1820 por um cachalote enfurecido e afundou. Este acontecimento foi tão comentado nos Estados Unidos quanto o naufrágio do Titanic no século XX. O episódio inspirou Herman Melville a escrever sua obra mais conhecida, "Moby Dick". O historiador Nathaniel Philbrick, por sua vez, reconstituiu a história na obra “No coração do mar” em todos os detalhes, apoiado em ampla pesquisa e fontes inéditas. Uma tragédia vivida por pessoas reais – alguns cabo-verdianos, possivelmente.
O Porto da Ilha do Maio é narrado no livro de Philbrick como "uma enseada que servia de porto, onde montes pontiagudos de sal branco – obtidos dos largos salgados do interior da ilha – aumentavam a sensação de desolação do cenário…"
Os barcos americanos ancoravam no Maio para se abastecerem do Sal, de panos de terra, de frescos e de porcos. Outra curiosidade que confirma o peso histórico das ilhas na rota atlântica.

22 de junho de 2008

Outra Grande Senhora





















“Ela fala francês, inglês, espanhol, adora romances policiais e tem quatro livros publicados, Maria Stella de Azevedo Santos, 83 anos, a Mãe Stella, é a Mãe-de-Santo mais respeitada da Bahia. À frente do Ilê-Opô-Afonjá, há 32 anos, ela revolucionou o terreiro afastando-se das celebridades e colocando os políticos em seu devido lugar. Com vocês a líder religiosa que quebra tabus e foge dos estereótipos.”
Saiba mais sobre Mãe Stella, aqui, numa reportagem da revista tpm assinada por Tom Cardoso.

20 de junho de 2008

Duras Lembranças

Marguerite Duras Uma das escritas eternas que guardo em mim saiu da pena de Marguerite Duras. A dureza, a densidade, a confidência, e a profundidade são as marcas que se impregnam nos seus livros. São igualmente de notar as suas marcas cinematográficas: a adaptação ao cinema das suas obras O Amante (1984) Moderato Cantabile (1958) e a escrita do argumento do inesquecível Hiroshima meu amor (1959).

Os eixos de sua escrita giram à volta de conflitos familiares, relações amorosas, paisagens marcantes, política (no seu sentido diverso), e a morte, numa urgente ânsia de falar de si... Duras soube, na sua escrita, dar vida à dor, ao ódio, ao amor, e à desilusão: a condição humana.

Toca-me tudo que vem desta senhora falecida em 1996, e me acontece, em momentos decisivos, estranhamente, (de nunca tê-la alcançado) sentir em lembrança a sua escrita.

Deixo aqui um trecho definitivo que ilustra a vida, o amor, a morte, e a eternidade: os pilares da escrita de Duras.


"Anos depois da guerra, depois dos casamentos, dos filhos, dos divórcios, dos livros, ele veio a Paris com a mulher. Telefonara-lhe. Sou. Ela reconhecera-o logo pela voz. Ele dissera: queria só ouvir a sua voz. Ela dissera: sou eu, bom dia. Ele estava intimidado, tinha medo como dantes. A sua voz tremia de repente. E com o tremor, de repente, ela voltara a encontrar a pronúncia da China. Ele sabia que ela tinha começado a escrever livros, soubera-o pela mãe dela que voltara a ver em Saigão. E depois dissera-lho. Dissera-lhe que era como dantes, que ainda a amava, que nunca poderia deixar de a amar, que a amaria até à morte."

O Amante

18 de junho de 2008

Blindness: quero ver













"Blindness" é o mais novo filme do realizador brasileiro Fernando Meirelles (o mesmo de Cidade de Deus). Durante a rodagem do filme, Meirelles manteve um blog onde descrevia os passos mais importantes da rodagem de "Blindness", uma adaptação cinematográfica do romance Ensaio Sobre a Cegueira de José Saramago. Interessante exercício.
No post nº 12, intitulado “Sobre filmar em SP, Síntese e Culpa” Meirelles confessa, a dada altura, uma ideia que chama atenção: “Descobrir qual é a imagem/síntese de um filme me parece tão importante quanto conseguir formular um “story-line” (resumir o filme em apenas uma frase). Em “Blindness” eu não sei exatamente qual será esta imagem/síntese, mas sempre imaginei um filme opressivamente luminoso. Em nossas 12 semanas de filmagens, conseguimos bons momentos de brancura e agora torço para que no meio das 45 horas de material rodado ou dos 3.888.000 fotogramas expostos, haja ao menos um que consiga traduzir esta história. Se não houver paciência, pois as filmagens já acabaram”
As filmagens já acabaram e o filme abriu o Festival de Cannes 2008, mas como afiançou, na altura, o realizador, não será esse o filme que o mundo irá assistir (a estreia está prevista para Setembro), porque o trabalho passará por uma última fase de montagem, depois das várias a que foi submetido.
"Blindness" é uma co-produção entre o Japão, o Canadá e o Brasil, falada em inglês. A ideia, dizem, foi antecipar a Hollywood com uma homenagem ao Nobel Saramago, e à sua definitiva obra.

O fim: Não-coisa

a coisa poética















O que o poeta faz
mais do que mencioná-la
é torná-la aparência
pura — e iluminá-la.

Toda coisa tem peso:
uma noite em seu centro.
O poema é uma coisa
que não tem nada dentro,

a não ser o ressoar
de uma imprecisa voz
que não quer se apagar
— essa voz somos nós.

16 de junho de 2008

Não-coisa: II

Poster do dadaísta Kurt Schwitters, 1930
















... só o sabes no corpo
o sabor que assimilas
e que na boca é festa
de saliva e papilas

invadindo-te inteiro
tal do mar o marulho
e que a fala submerge
e reduz a um barulho,

um tumulto de vozes
de gozos, de espasmos,
vertiginoso e pleno
como são os orgasmos

No entanto, o poeta
desafia o impossível
e tenta no poema
dizer o indizível:

subverte a sintaxe
implode a fala, ousa
incutir na linguagem
densidade de coisa

sem permitir, porém,
que perca a transparência
já que a coisa ë fechada
à humana consciência.

Nota: Neste exercício de post faço uma associação entre a desconstrução (rebeldia) poética de Ferreira Gullar, e o imperativo dadaísta de Kurt Schwitters (poster). Ambos encontraram no non-sense um caminho seguro para a arte de exprimir: um exercício suado de reflexão, autocrítica e criatividade.

13 de junho de 2008

Gullar: Não-coisa

Flôr













O que o poeta quer dizer
no discurso não cabe
e se o diz é pra saber
o que ainda não sabe.

Uma fruta uma flor
um odor que relume...
Como dizer o sabor,
seu clarão seu perfume?

Como enfim traduzir
na lógica do ouvido
o que na coisa é coisa
e que não tem sentido?

A linguagem dispõe
de conceitos, de nomes
mas o gosto da fruta
só o sabes se a comes

Continua…

11 de junho de 2008

O sapo abocanha

Sapo












Ao ler, aqui, o que escreveu Abraão Vicente, percebi que alguns blogs, ou talvez o colectivo dos blogs cabo-verdianos foram interpelados pelo batráquio dançarino, (através do Caro bloguista) no sentido da sua “debandada geral” para o Sapo.CV. Depois de terem conseguido, sem grande esforço, conteúdos de todos os media do país, jogam uma outra cartada inocente, para nos convencer de que só temos a ganhar se aliarmos ao animal. Querem ver-nos a dançar esse patético funaná. PT, que vendo com olhos de ver não passa de uma boa provocação.
Mas sobre este assunto, não terei muito a acrescentar ao que escreveu Gil Évora na última edição do Jornal A Semana. Apenas gostaria de citar um trecho muito prático desse mesmo artigo que, oxalá, sirva para alguma coisa.
"Ao viver das receitas de publicidade num mercado exíguo, e onde apenas 7 e 8% da população possui ligação à Internet – graças ao não menos escandaloso tarifário praticado pelo seu patrão português da CVT-, a tendência dos menos avisados será retirar a publicidade que sustenta os portais e jornais cabo-verdianos, e outros “media on-line” que divulgam Cabo Verde mundo fora, e aplicá-lo no Sapo CV transferindo automaticamente mais alguns largos milhares de euros para Portugal".

5 de junho de 2008

Eco (logia)

arte













“Muitas vezes, é necessário uma crise para que aceitemos a realidade. Perante a crise do clima, as empresas e os governos começam a compreender que, em vez de ser proibitivo em termos de custos, combater o aquecimento global pode mesmo reduzir as despesas e revitalizar a economia.”

Ban Ki-moon, Secretário-Geral da ONU, por ocasião do Dia Mundial do Ambiente

Chomsky: Racismo, Obama

Noam















O lingüista e ativista político americano Noam Chomsky prevê que os democratas obterão maioria no Senado e no Congresso sob a liderança de Barack Obama nas eleições do dia 4 de novembro, mas que o republicano John McCain vencerá as eleições presidenciais.

São duas as razões que, na opinião de Chomsky, impedirão, com toda probabilidade, que o candidato democrata seja proclamado o primeiro presidente negro da história dos EUA: o racismo que subsiste na sociedade americana, sobretudo no sul do país, e a falta de escrúpulos dos republicanos na hora de desqualificarem seus rivais.

Fonte: Efe

Um cego

Old man
















Não sei qual é a face que me mira
quando miro essa face que há no espelho;
e desconheço no reflexo o velho
que o escruta, com silente e exausta ira.
Lento na sombra, com a mão exploro
meus traços invisíveis. Um lampejo
me alcança. O seu cabelo, que entrevejo,
é todo cinza ou é ainda de ouro.
Repito que perdi unicamente
a superfície vã das simples coisas.
Meu consolo é de Milton e é valente,
porém penso nas letras e nas rosas.
Penso que se pudesse ver meu rosto
saberia quem sou neste sol-posto.

Poema: Jorge Luis Borges
Tradução: Renato Suttana

3 de junho de 2008

Anthony Hopkins

Zé Cunha, ao comentar o post sobre Spacey, fez uma acertada referência ao Anthony Hopkins, e senti tentada a acrescentar algo mais, chamando à cena esses dois actores, pela sua intensidade dramática como vilão.

Existem similitudes entre Spacey e Hopkins, e cada um se afirma em cenários diferentes. Kevin Spacey actua com discrição, (ao mesmo tempo com expressividade) e não é propriamente um homem de grandes embates. Um excelente coadjuvante, e pelo que se percebe, tanto ele, quanto os directores sabem disso, e enquadram com competência o facto.

Hopkins consegue ser um extremoso psicopata, bastante expressivo e dominador. Tanto assim é, que já esteve, variadíssimas vezes, na pele de grandes nomes da humanidade: Nixon, Picasso, Adolf Hitler, Charles Dickens …
Mas uma coisa é certa, tal como Anthony Perkins (Psico, 1960) e Malcolm McDowell (Laranja Mecânica, 1971), Anthony Hopkins será para o cinema um eterno psicopata, o que compromete, acho, a sua actuação em outros papéis (da perspectiva de quem o assisti, apenas).