Em Cabo-Verde fala-se muito na emigração para a América, mas existem poucos relatos pessoais capazes de ilustrar a fractura familiar e social que isso significou para a psique cabo-verdiana.
Pessoalmente, acompanhei, na minha infância, algumas estórias relacionadas a esse drama cabo-verdiano. Muitos familiares dos meus avós e bisavós saíram em vapores para a América e nunca mais voltaram para a sua ilha natal. Talvez por essa razão doa tanto lembrar o desaparecimento do barco Matilde, que, há meio século, partiu da Brava a caminho da América. Oitenta e tal pessoas morreram nessa tragédia. Um monumento que carrega o nome de todos os desaparecidos, na zona de Fajã d`água, na Brava, simboliza esse momento que tanto me intriga a alma.
A minha avó paterna não chegou a conhecer os pais, que embarcaram para a América, no início do século XX, deixando-a bebé na guarda de uma tia. Sempre me chocou o facto da minha avó ter perdido contacto com os pais. Ela dizia que destruía todas as cartas que recebia deles. Era a crença de que viriam mais e mais cartas…Certo dia, pararam as cartas e ela nunca soube dos pais, porque nunca guardara os envelopes que continham os endereços. Anos mais tarde, os seus filhos também foram para a América, mas não chegaram a encontrar os rastos dos avós, que, provavelmente, tiveram outros filhos nas terras do Tio Sam.
Lembro-me, com igual deslumbramento, da minha avó materna a contar, com eternidade no olhar, a saga de duas tias (irmãs da mãe) que, num rompante, chegaram em casa eufóricas e informaram que já tinham se alistado para ir para a América. Pegaram nos seus poucos pertences, puseram-nos num saco e embarcaram. Nunca mais regressaram. Sabe-se que com os anos e o surgir das gerações, mudaram o nosso apelido Andrade para Andrews. Ouvem-se histórias esparsas de um ou outro Andrews crioulo, mas é tudo…
Trarei, numa outra oportunidade, mais histórias tristes, das tantas que ouvi…
2 comentários:
Fico à espera! Historias como essas merecem ser resgatas. Que bela serie de programas não dariam! Será que pode vir a acontecer?
Gostei muito do programa de ontem.
Muito obrigada, Carla! Fico contente que esta primeira história triste, de tantas, tenha tocado alguém. Podem, um dia, quem sabe, ir parar à TV…
Parabéns pelo seu blog!
Margarida
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