29 de outubro de 2009
Das paixões: jornalismo e poesia
A última edição da Revista Máxima trouxe uma reportagem com jornalistas que em horário nobre “invadem os ecrãs e conquistam - os portugueses – pela assertividade da sua informação". Uma dessas jornalistas, Conceição Queiroz (esq.), foi nossa colega na Televisão de Cabo Verde, é moçambicana, e trabalha na editoria de Grande Reportagem da TVI. A São, como a chamo, teve uma passagem conturbada, mas muito significativa na nossa televisão pública na qualidade de Chefe de Informação. Virada para um jornalismo cidadão e sem amarras, incompatibilizava-se no dia-a-dia com o funcionalismo instalado, e o insidioso cerco do(s) poder (es). Conceição Queiróz é fiél à sua paixão. Parabéns...
Se eu fosse um padre
eu, nos meus sermões,
não falaria em Deus nem no Pecado
- muito menos no Anjo Rebelado
e os encantos das suas seduções,
não citaria santos e profetas:
nada das suas celestiais promessas
ou das suas terríveis maldições...
Se eu fosse um padre eu citaria os poetas,
Rezaria seus versos, os mais belos,
desses que desde a infância me embalaram
e quem me dera que alguns fossem meus!
Porque a poesia purifica a alma...
a um belo poema - ainda que de Deus se aparte
- um belo poema sempre leva a Deus!
nota: M. Quintana (para Tchalé, Alex, Canto da Boca, e Ana Carolina) em nome da poesia pura...
26 de outubro de 2009
A verdadeira arte de viajar
A gente sempre deve sair à rua como quem foge de casa,
Como se estivessem abertos diante de nós todos os caminhos do mundo.
Não importa que os compromissos, as obrigações, estejam ali...
Chegamos de muito longe, de alma aberta e o coração cantando!
Mário Quintana
21 de outubro de 2009
Horas sem tempo
1. "Os momentos" vai de férias, e isto poderia não estar aqui escrito, mas a verdade é que a blogosfera é um espaço relacional muito sensível, e isso não é pouca coisa. Interlocutores com interesses e disposições dos mais diversos, onde a afectividade e a partilha determinam estradas.
2. Retiro-me por uns dias… para a companhia das horas que não obedecem ao tempo.
Mário: o inorgânico
20 de outubro de 2009
Nova África: a oportunidade do discurso
José Maria Neves exibe a partir de agora mais um título: Doutor Honoris Causa pela Universidade Cândido Mendes, Rio de Janeiro. Na TCV ouvimos do Reitor dessa Instituição que o fortalecimento da democracia cabo-verdiana deve muito ao trabalho do primeiro-ministro, "um seguidor de Amilcar Cabral". Neves, por sua vez, diz que Cabo Verde tem se despontado como uma nova África, mais promissora, onde a boa governação é uma premissa.
Bem ou mal, esse princípio se ramifica e vem ganhando consistência, e prova disso é o dito Reitor citando o discurso de Obama em Istambul, referindo a Cabo Verde como um exemplo extraordinário em África.
Mas numa coisa havemos de estar de acordo: durante algum tempo, a estabilidade e a democracia cabo-verdianas fez nascer em nós (mais uma vez) um discurso e por vezes a sensação de estarmos distantes da África, mais próximos do abstracto atlântico e da Macaronésia. Uma visão redutora que já não resulta, apesar da Parceria Especial com a União Europeia (que também se dá no âmbito da nova África).
Diante disso, ganha a oportunidade do discurso, até porque sabemos que as disputas, a nível interno, não dependerão desse emblema de "estabilidade e boa governação" que rende muito lá fora.
19 de outubro de 2009
Jornalismo vs culto de personalidade
Esperei para ver em algum jornal on-line, impresso, ou outro fórum qualquer, uma reacção da Universidade Jean Piaget à carta da Presidente da Câmara Municipal de S. Vicente endereçada ao Conselho de Administração da RTC (alguns trechos foram publicados no A Semana on-line): as questões da forma como foram colocadas são por si só subsídios para fundas abordagens sobre o “hábito jornalístico nas ilhas” e, sobretudo, a visão enviesada que alguma classe política cabo-verdiana tem desse metiér. A Universidade Jean Piaget, como a única instituição que se dedica ao ensino do jornalismo neste país, tem por obrigação encarar este desafio. Personalidades como Isaura Gomes estão tão mal habituadas, a ponto de começarem a exigir, sem pejo algum, tratamentos “jornalísticos” especiais, enquanto autoridades. Diante disso, faço o meu legítimo exercício nas alíneas seguintes:
1. As reuniões ordinárias das Câmaras Municipais não merecem ser elevadas à categoria de notícia, porque fazem parte da rotina da equipa camarária que, a priori, sabe-se, foram eleitas também para tomar decisões. Uma cobertura transforma-se num servilismo (que se convencionou tomar por um direito adquirido) para mostrar o quanto trabalham os eleitos municipais.
2. As reuniões de Conselho de Ministros, salvo em raríssimas excepções, alinham-se na mesma normalidade da primeira, por isso, mostrar todas as quintas-feiras os tantos decretos e projectos de lei aprovados e apreciados pelo Governo só serve para cansar os telespectadores e reduzir à completa nulidade o trabalho jornalístico.
3. Nada mais desinteressante do que um ministro, autarca, director-geral, ou presidente de instituto de regresso ao país, que resolve dar uma conferência de imprensa para falar dos encontros, ganhos e acordos efectuados no exterior. E o jornalista que não esteve presente terá ou não motivos para duvidar desses relatos!?
4. Assinatura de acordos, não importa os domínios, é outro assunto que deveria passar ao largo. A quem, a quantos, e de que forma interessa assistir ou ler sobre a assinatura de um acordo para a obtenção de recursos que visam isso ou aquilo?
5. A título de exemplo, a visita de Catarina Furtado a Cabo Verde não é assunto para cobertura jornalística. E a sua apreciação sobre o nosso Programa de Saúde Reprodutiva, seguida da declaração de que “em Cabo Verde estamos melhores” não deveria merecer qualquer destaque jornalístico, por razões óbvias.
6. Todos sabem que a Senhora Presidente da Câmara Municipal de S. Vicente é a autoridade máxima da ilha, mas "exigir" aos jornalistas que não dêem voz off nas peças em que participa, e dispensar atenção especial à sua pessoa, em detrimento dos “inferiores hierárquicos” da ilha é, sem dúvida, das reivindicações mais alucinantes e inadequadas que uma autoridade conseguiu colocar em forma de carta. É caso para perguntar, nestas paragens, quem anda a dar as cartas no jornalismo?!
17 de outubro de 2009
Les choses qu`on dit, et toi
1. Comemora-se manhã o dia nacional da cultura, data que começou a ser assinalada em 2006 em homenagem ao poeta escritor e jornalista, Eugénio Tavares, nascido a 18 de Outubro de 1867. Consta que as comemorações deste ano acontecem fincadu na raiz para satisfazer os críticos que em celebrações anteriores apelidaram de elitistas algumas actividades levadas a cabo. Pessoalmente, desconhecia esse barulho. Curiosamente, nisso tudo, o que salta à vista é a febre dos museus: em 2005 nas comemorações ocorridas na Brava, o Ministério da Cultura inaugurou, depois de parcialmente recuperada, a casa onde viveu Eugénio Tavares, que seria imediatamente transformada em museu. O espaço continua inactivo, como se sabe, e partindo daí, pode-se inferir “a dinâmica” dos outros “museus” do país, euforicamente inaugurados nessa data que se repete a cada ano.
2. Club Voz di Povo desponta como um lugar agradável e badalado em pleno coração do Plateau. O espaço anexo à sede da Associação dos Jornalistas de Cabo Verde, vai se compondo à mercê dos frequentadores, e parece que veio para ficar. Para já, cinema documental às quintas, e música ao vivo às sextas são ofertas garantidas: a ideia da gerência é preencher cada dia de semana com um programa diferente. O espaço que é acolhedor oferece também opções de estada: a penumbra do interior, o frescor do pátio, ou a informalidade da entrada. Carlos Veiga, novamente presidente do MPD, deu uma passada rápida no club, na quinta passada.
3. “Um marciano que decida conhecer os cabo-verdianos através dos fóruns electrónicos seria capaz de pensar que somos um povo em guerra civil declarada”, José Vicente Lopes.
4. Acredito inabalavelmente nas coincidências da vida.
13 de outubro de 2009
Carla: la dame essenciel
Depois das polémicas palavras de Nicolas Sarkozy dirigidas aos emigrantes (principalmente africanos) em França, enquanto Ministro do Interior, e de muitos outros atropelos ministeriais, nada fazia prever que ele viria a ter uma passagem tolerável na Presidência da República. Até o momento, Sarkozy tem provocado algumas supresas, mormente no plano internacional, e deixado em relativo silêncio os seus opositores. Mesmo antes da eleição de Barack Obama, aproximou-se calorosamente do futuro presidente dos Estados Unidos, e hoje são uma espécie de melhores homólogos, numa analogia a melhores amigos.
Mas tudo isso reside no plano das percepções, o que conta na política. Internamente, não se pode dizer que é tudo maravilha. Até porque a notícia de indicação do filho sem experiência para a presidência da maior empresa financeira do país, não combina muito com o que acabamos de escrever.
Carla
Parece, entretanto, que enquanto Ministro do Interior, Sarkozy levava uma vida um pouco sem graça, e com laivos de stress (é o que transparecia). Lembre-se que o homem mais poderoso da França era tido entre os franceses como um anti-intelectual, pouco dado às lides das artes, da música, do teatro. Tudo isso vem mudando depois do seu casamento com a italiana Carla Bruni, modelo e cantora oriunda de uma família rica e “in” de Torino. A imprensa, nomeadamente francesa, tem registado e dado realce, nos últimos tempos, às saídas artísticas e descontraídas do presidente sempre na companhia da primeira-dama que, apesar das amarras do título, não mudou em essência os seus bons hábitos.
A propósito… o tal ditado: atrás de um grande homem existe sempre uma grande mulher.
foto: daqui
Sua Boca e Olhos Seus
Sua boca nunca eu soube
Nem a cor dos olhos seus
Sei que depois que os vi
Nunca mais vivi.
Mário Fonseca
12 de outubro de 2009
Falo de Ti às Pedras das Estradas
Falo de ti às pedras das estradas,
E ao sol que e louro como o teu olhar,
Falo ao rio, que desdobra a faiscar,
Vestidos de princesas e de fadas;
Falo às gaivotas de asas desdobradas,
Lembrando lenços brancos a acenar,
E aos mastros que apunhalam o luar
Na solidão das noites consteladas;
Digo os anseios, os sonhos, os desejos
Donde a tua alma, tonta de vitória,
Levanta ao céu a torre dos meus beijos!
E os meus gritos de amor, cruzando o espaço,
Sobre os brocados fúlgidos da glória,
São astros que me tombam do regaço!
Florbela Espanca, in "A Mensageira das Violetas"
10 de outubro de 2009
Saul Bellow
“Através das frestas da persiana passou a fixar as rochas castanhas do parque, salpicadas de mica, e o optimista verde de Junho que em tudo se infiltrava. Em breve se cansaria, à medida que as folhas alastrassem e Nova Iorque impregnasse com a sua fuligem o Verão. Era, contudo, especialmente belo agora, pleno de vida em todos os pormenores – os rebentos, os pequenos ramos e as formas verdes subtilmente entumescendo. A beleza não é uma invenção humana.”
in Herzog: pág.20.
nota pura: quem assim escreve não é humano
9 de outubro de 2009
Obama, Saúde Mental, 2011...
1. Barack Obama foi laureado pela Comissão Nobel entre duzentos candidatos com o Nobel da Paz. O argumento da comissão referencia que Obama “destacou-se no seu primeiro mandato pelo seu esforço em prol de um mundo livre de armas nucleares, e no combate às mudanças climáticas”. Mas há mais: Guantánamo, a sua passagem pelo Gana e Egipto e as mensagens que semeou nesses países, o diálogo com o Irão… a grande batata quente chamada Afeganistão. E sobretudo, o diálogo com o mundo árabe. Paradoxalmente, pensamos, a distinção só irá complicar as difíceis decisões que o Presidente dos Estados Unidos tem pela frente, mas pronto, estamos eufóricos por Obama, por inconfessáveis razões.
2. Comemora-se hoje Dia Mundial da Saúde Mental, e mais uma vez a dirigente desse serviço aparece na TCV falando de projectos de formação de formadores: nunca percebo onde pretendem chegar com essa visão a longo prazo! Lembro-me, nos anos anteriores, de discursos semelhantes, ideias parecidas, e nada de concreto que beneficiasse as pessoas afectadas por esta doença. É sabido que em Cabo-Verde dois médicos abnegados dão tudo de si em prol da saúde mental: Manuel Faustino e Daniel Silves Ferreira. Ocorre-me agora as crónicas do Sr. Zuca Lima Barber, enfermeiro residente na Ilha do Fogo há largos anos, denunciando a situação deprimente em que vivem os tantos doentes mentais da Cidade de S. Filipe, sem que as autoridades, em momento algum, movessem uma palha.
3. À minha volta já é 2011!
Bom fim-de-semana
8 de outubro de 2009
Viagem para os cais de sempre
1. Hoje, bem cedo, fiz um programa peculiar na companhia de um operador de imagem. Saímos às 7 horas do Cais da Praia no Princess Marine, e uma hora e 40 minutos depois já estávamos ancorados no Cais de Vales Cavaleiros, na Ilha do Fogo. De seguida, tempo apenas para o desembarque dos passageiros e cargas, seguimos rumo à Ilha Brava, e 15 minutos depois entramos no Cais de Furna. Não demoramos muito na Brava, tempo apenas para beber uma água, enquanto enbarcavam os passageiros da Ilha de Nhô Eugénio. Voltamos com o mesmo pique e uma e media da tarde, abraçamos o Cais da Praia.
Um verdadeiro acontecimento que vai abrir um novo episódio na até então precária ligação marítima inter-ilhas a nível de Sotavento. Estreitando distâncias e dinamizando a circulação de pessoas, esta aquisição chega numa altura crítica, em que algumas ilhas, como a Brava e Maio, já davam sinais de isolamento agravado. Agora, todos os dias, Maio, Fogo e Brava estão logo ali, a pouquíssimas horas da Capital.
2. O Cais dos Vales Cavaleiros, apesar dos discursos e de infindáveis promessas continua a ser o de sempre. Ano entra, ano sai, nada muda. Nem o barracão que serve de lanchonete consegue surpreender, pelo aspecto, já que os salgados e a cachupa guisada marcam o paladar. Inesquecível mesmo continua a ser as piadas dos estivadores da minha ilha.
3. Sobre o porto da Furna, na Ilha Brava, não diria muito diferente; mas aí a desolação é mais profunda, e o deserto de gente indicia um profundo abismo ilhéu.
5 de outubro de 2009
Nós filosofia...
(…) “tanto a filosofia como a política têm de ser de promixidade.”
“Nós encontramos o Primeiro-ministro no Café Sofia, na Praia, os governantes vão tomar banho na Quebra Canela e encontramos também o professor de filosofia a ter uma relação muito próxima com os estudantes. Essa ideia da filosofia da afectividade, encontrámo-la aqui na prática. Quando se fala de filosofia, a primeira ideia que vem a pessoa são terrenos meramente conceptuais. A filosofia aqui tem de cheirar à vida.”
fala: Carlos Belino (professor de Filosofia na UNI-CV), in: Expresso das Ilhas
imagem: Tchale Figueira
2 de outubro de 2009
Mário Lúcio ganha "Prémio Carlos de Oliveira"
“A obra se distingue de todas as outras apresentadas a concurso”. Esta é a primeira nota da acta do júri em relação ao “Novíssimo Testamento”, romance do músico e escritor cabo-verdiano Mário Lúcio. O livro foi o vencedor do Prémio Carlos de Oliveira, destinado aos escritores em língua portuguesa, numa lista de 67 obras concorrentes. “Novíssimo Testamento” é uma fábula que nasce de uma revelação fotográfica, em que Jesus Cristo é uma mulher, e conhece assim novos desafios e provações.
O autor que recebeu a notícia do prémio com uma gargalhada disse que “nesse novo mundo, nessa nova era, Jesus após a ressurreição, no livro, é uma mulher, e isso coloca uma outra leitura do mundo, outras construções, outras imaginações..."
O País Santoral que é Cabo Verde é o palco do "Novíssimo Testamento" de Mário Lúcio. As ilhas de Santiago, São Vicente e Santa Luzia, e um apanhado das suas reminiscências perante Jesus Cristo dão o mote à obra.
“Em S. Vicente onde tudo é levado a uma vivência mais divertida, Jesus se sente uma super star no Carnaval”. Ou em Santa Luzia onde Jesus faz a sua travessia do deserto e diz que “a única ilha com nome de mulher e nunca teve um filho nas suas entranhas”.
Um domínio da escrita “notável”, “uma poderosa efabulação”, “muito humor”, e um forte “domínio do religioso” são outros itens pontuados pelo júri. O romance de Mário Lúcio escrutina o Novo Testamento, numa perspectiva histórica, e explora todas as dúvidas pós ressurreição vividas por Jesus. Tudo isso, graças à tolerância do Cristianismo, disse-nos Mário Lúcio.
O valor do prémio literário Carlos de Oliveira é de 5.000 mil euros, e será suportado pela Câmara Municipal de Cantanhede, (Portugal) uma das promotoras do concurso ao lado da Fundação Carlos de Oliveira. A publicação da obra também será assegurada pela autarquia.
Infância
Sonhos
enormes como cedros
que é preciso
trazer de longe
aos ombros
para achar
no inverno da memória
este rumor
de lume:
o teu perfume,
lenha
da melancolia.
Carlos de Oliveira, in 'Cantata'
bom fim-de-semana
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