21 de novembro de 2008

A vida dos dias...

Gustav Klimt




















Muitas histórias poderiam ser alinhavadas e recordadas por estes dias. A tua, de certeza; a tua inteira vida que surpreende todos os dias, e irrompe os anos, e o século, mostrando-se plena para quem se segue a olhar para ti. Os dias calmos, ao som das pujantes ondas “di fonti bila” que ousas, com sabedoria, desvendar e saborear. Os dias de tumúlto que ultrapassas com gargalhadas ou um simples sorriso. O jogo de “bisca” diário que, parecendo que não, é uma forma sábia de te encarares e enfrentares os dias. “Te dedico”, pelos dias, e pelos Novembros, que hás-de pisar com a mesma sabedoria e generosidade.

Em ti

Há momentos bons, de tanto se revelarem
Novembrinos
Fortes, valentes
Luzem, o brilho azul, no teu olhar.

Vou

Em busca do meu Novembro.

nota discreta: Os momentos irá fazer uma pequena pausa

19 de novembro de 2008

Cidade II


















in memoriam de João Henrique (Dick) Oliveira Barros e V. Fernandes

Eu sei!

O cerco se aperta
e, perto,
ouve-se o ganir dos cães

Na cidade da Praia de Santiago
(nesta rochosa transfiguração
da velha e antiga metáfora de cidade santa )
deus esvaneceu-se
abatido e receoso
de ser enforcado
com as cordas
do destino e do vento

E foi então
foi só então
que os mercadores
(de estórias e de outros apetrechos
da frustração do corpo e da claudicação da alma)
decidiram escolher
um novo deus
como eles
sarcástico
e detentor
do metálico dom
da gargalhada

Eu sei!

A invisível cerca
cerra o seu eco
à volta da minha alma

Que farei
sem o meu Deus
e sem a maçã
senão estilhaçar o cerco
e a sua ameaça de estoricídio
açoitar o vento
repicar os pés no chão
e retinir um djato
na cara da consonântica arrogância
dos mercadores
e dos que bailam ao vento?

José Luís Hopffer C. Almada
imagem: Lasar Segall

18 de novembro de 2008

Um instante

 Menina e o Rio Paraquassu, Brasil














Aqui me tenho
como não me conheço
nem me quis

sem começo
nem fim

aqui me tenho
sem mim

nada lembro
nem sei

à luz presente
sou apenas um bicho
transparente

poema: gullar
imagem: gondim

17 de novembro de 2008

Cultura em debate

Adenor Gondim













Promover Cultura, na sua expressão múltipla e criativa. Trabalhar para a sua sustentabilidade e preservação… são as metas do Fórum Internacional sobre a Economia da Cultura que arrancou, hoje, na Cidade da Praia. O encontro organizado pelo Ministério da Cultura reúne autoridades, promotores culturais e artistas, nacionais e estrangeiros.
Quatro dias de trabalho e que, conforme o Ministro da Cultura Manuel Veiga, marcará uma iniciativa despoletadora de mudança, transformação e certezas. O financiamento, a gestão cultural, a criação artística, o diálogo inter cultural, a sustentabilidade são as linhas-mestras deste encontro.
A falta de uma política cultural coerente e de uma visão pragmática face à preservação e promoção culturais tem sido uma das críticas unânimes dos operadores e homens de cultura em Cabo-Verde.
As responsabilidades, nesse campo, devem ser partilhadas. Quem o diz é o Presidente da República. A problemática da formação dos agentes culturais, o conhecimento das obras e dos produtos culturais e sua divulgação são os aspectos críticos. Chamadas à problemática estariam também a educação e a comunicação social como elementos integradores fundamentais do universo cultural.
E porque de simbologias e suas representatividades se vai falar nesses quatro dias de trabalho, o Presidente Pedro Pires evocou, a abrir o Fórum, as memórias de Miriam Makeba e de Pedro Cardoso, como símbolos endógenos e exógenos de Cultura.

Diversidade Cultural

A troca de experiências vai ser uma modalidade forte desse fórum. Destacamos, por exemplo, a presença do Presidente da Fundação Cultural Palmares do Brasil, Zulu Araújo. Uma das fortes recomendações dessa Instituição (parceira do MC) às autoridades culturais de Cabo Verde, vai no sentido da implementação e do seguimento da convenção da UNESCO sobre a Diversidade Cultural. Um elemento que, conjugado com os incentivos e a legislação, fortalece as políticas públicas para a promoção e divulgação da cultura nos países em desenvolvimento.

foto: adenor gondim

16 de novembro de 2008

Penso em ti












EU PENSO em ti nas horas de tristeza
Quando rola a esperança emurchecida
Nas horas de saudade e morbidez
Ai! Só tu és minha ilusão querida
Eu penso em ti nas horas de tristeza.

Vê quanta sombra me escurece o seio!
Que palidez sombria no meu rosto!
Tu és a única luz da treva em meio
Tu és a minha estrela do sol posto...
Contigo a sombra não me tolda o seio.

Quando a teus pés o meu viver s'escoa,
Esqueço a minha sorte, o meu martírio,
Minh'alma como a pomba em sangue voa
Para ir se abrigar à tua, ó lírio,
Quando a teus pés o meu viver s'escoa ...

Bendito o riso desses lábios túmidos!
Bendito o meigo olhar tão peregrino!
Como o sol abre a flor nos campos úmidos
Crenças desperta o teu divino olhar...
E o riso, o riso desses lábios túmidos

Ai! volve! volve peregrina estrela...
Minh'alma é o templo de um amor suave
À tua espera o lampadário vela...
À tua espera perfumou-se a nave...
Ai! volve! volve peregrina estrela!

Saudade

Em todos os Novembros “te dedico” peregrina estrela. Sempre ao teu brilho que atravessa
o tempo, sigo olhando para ti. Castro Alves (poema), Adenor Gondim (foto), duas cintilações que povoam o teu vasto céu.

Um abraço…

A Adenor, pela manhã de Novembro, e pelas três alegrias de ver e ser.

15 de novembro de 2008

Intermezzo (na tela)

Wagner Moura





















No Brasil, muita gente, em determinados círculos, assume que assiste às telenovelas para as criticar. Não sei como funciona noutras paragens onde existe uma cultura de teledramaturgia. De todo o modo, este tipo de crítica é um exercício de interpretação saudável (quando for desapaixonado) que revela muito do real, ou da sua construção. O certo é que o embalo da crítica desemboca no apego, e no final estão todos a cogitar o desfecho de cada personagem. Mas há sempre aqueles que conseguem resistir tanto à crítica quanto ao passatempo.
Pessoalmente, interesso-me pela dramaturgia e consigo sempre me surpreender com um ou outro detalhe de representação. Um actor secundário que se impõe e, em se tratando de uma obra aberta, vai ganhando mais presença; um outro, cujo desempenho não encaixa como o previsto no desenrolar do trama, e vê o seu destino redesenhado, e por aí fora.
Desta feita, tenho prestado atenção em Wagner Moura, o vilão Olavo Novaes, da telenovela "Paraíso Tropical": um executivo ambicioso que se apaixona por uma prostituta e, nesse misto entre o sensível apaixonado e o durão ambicioso, vai ser implacável e surpreendente.
Wagner Moura assume-se como um homem do teatro. Do palco, ele saltou para o cinema, brilhando (como vilão) no papel do polémico capitão Nascimento em "Tropa de Elite". Ele terá proferido esta frase: "O teatro me liga ao sagrado". Mais um baiano que aprecio muito.

Momentos fantásticos

Muchachade espaldas 1925, DALI





















Inicialmente quis que esse blog se chamasse "moments", em inglês mesmo, dando ares de leveza e detalhes, mas depois tive a impressão que podia confundir e parecer um diário romântico. Nada contra o estilo, entretanto. O objectivo, de facto, era falar de assuntos que ficaram (no presente e no passado) pela sua pertinência, pelo detalhe, pelo interesse e, sobretudo, pela poesia. A ideia era, e continua a ser, um compromisso com o trabalho e a honestidade. Momentos fantásticos que, pela sua generosidade intrínseca, acabam sendo de encontros e partilhas (de toda a casta).

Por conseguinte…

"Os momentos" tornou-se um blog que emite exclusivamente pontos de vista da sua autora, além de factos, informações e entrevistas, todos publicados com sentido de responsabilidade, trabalho e respeito pelas opiniões outras. Parâmetros, aliás, que orientam a lisura de quem
escreve estas linhas na sua profissão de jornalista.
Considerar alguns dos textos aqui publicados de mais ou menos felizes, e discordar do seu teor, é direito que assiste a quem se dá ao trabalho de acesso a este site. A autora destas notas escreve regularmente neste blog, pesquisando muito para fazer alguns dos textos aqui publicados e fá-lo por puro brio, sim senhor. Ela é a mesma que faz, por iniciativa própria e à margem de qualquer agenda imposta, os programas emitidos na Televisão de Cabo Verde, conhecidos e apreciados por muitos. Programas também emitidos na RTP África, e exibidos em vários encontros internacionais organizados sobre Cabo Verde. Neste particular, o modesto, mas autêntico, portfolio da autora fala por si e retrata quem está por detrás de certas posições e posturas.

Antes que anoiteça

Em verdade, ela só responde às reacções dirigidas à sua pessoa, coisa, aliás, que certos não conseguem fazer nem mesmo nas entrelinhas e nas frases dúbias que revelam o carácter de quem as profere. Margarida Fontes não está mandatada para falar do serviço público da Televisão de Cabo Verde e muito menos de casos obscuros que levaram a atitudes enérgicas tomadas pela administração da RTC em relação a gritantes fretes de um certo jornalismo a "piratear nestas ilhas" .

O breu

Seria certamente mais bem sucedida uma certa senhora no seu esforço de pintar "frescos" de um jornalismo de pacotilha, que não lembram a assessorias mais bem urdidas, se a mesma se desse ao trabalho de olhar Cabo Verde sem exotismos tanto para o bem como para o mal, como mandaria um jornalismo com ética e deontologia, não importando a nacionalidade e origem de quem o faz. Mas seria pedir demais. Enquanto uns, como escreve, fazem notícias com base em press releases, outros, têm como fontes de eleição para as suas reportagens "de fundo", informações viciadas de brochuras turísticas, e revistas de bordo, quando não de assessorias políticas.

Pela "claridade"

A Jornalista Margarida Fontes, como se recorda, teve sempre a oportunidade de escolher entre um jornalismo enpacotado, engomado, e encomendado a peso de ouro, e a lida na Televisão de Cabo Verde. Ela escolheu fazer jornalismo sério, isento e sem fretes. Escolheu também fazer um blog de autenticidade e de posturas que, nem sempre, sossegam "verdades instituídas" e seus gladiadores. Cada um sabe do que lhe preenche a alma.

14 de novembro de 2008

Piratas das Ilhas

Piratas






















Exportação de azeite falsificado para Cabo Verde faz dois arguidos em Portugal”. É triste ler esta notícia, muito triste, porque não fica pelo azeite. O problema não está na infracção que acontece a todo o lado com qualquer um, e que pode ser minimizado com mais controlo. O problema, sempre acho, está na cabeça e na atitude das autoridades cabo-verdianas. É só ver como grupos e indivíduos chegam a este país e tornam-se empresários de noite para o dia, quando se sabe que nos seus países, alguns, não passam de fugitivos da polícia. Alguns desses casos são noticiados na Imprensa, e os larápios continuam soltos e a aldrabar tudo e todos. Slavery mentality e os seus tentáculos…

Novos escribas

Tem sido notório e crescente, aqui e acolá, a multiplicação de artigos de jornais e posts na net de jornalistas que decidem vir a Cabo Verde tentar a sorte, e mais não fazem do que espartilhar o nome do país. Já tentei pensar que talvez seja isso fruto da juventude, gana de dizer, demonstração de bravura, ou alucinação… sim, porque alguns, nos seus países de origem, só tiveram a sorte de publicar em jornais dos corredores universitários.
Essa malta precisa trabalhar mais, despir-se de preconceitos e olhares outros, e entender Cabo Verde nas suas múltiplas nuances: um país que sobreviveu às secas, à fome, à miséria, à escravatura, à colonização: um grande país de brava gente! Sim, um país que padece de falhas, deficiências, várias, que está ainda a aprender muita coisa, mas caminha com cabeça erguida. Quando decidirem apontar os males, porque os há, chamem nomes aos bois, falem dos vossos patrões. Os “dons” que pagam os vossos chorudos salários.

13 de novembro de 2008

O imprescindível “manduco”

Pedro cardoso













Há 66 anos, falecia, na Cidade da Praia, Pedro Monteiro Cardoso, um dos mais consequentes intelectuais de Cabo Verde. Aquele que, por vezes e em plena noite colonial, tinha o pseudónimo de AFRO. Era natural da Ilha do Fogo, com mais precisão da Cidade de São Filipe.
Pedro Monteiro Cardoso pertenceu, com Eugénio Tavares e José Lopes, à chamada (por uma certa crítica escolástica, diga-se de passagem) Geração dos Nativistas. Polemista, poeta e prosador do melhor gabarito nacional, ele cantou a caboverdianidade, a insularidade crioula e a africanidade. Também se posicionou como um activista em prol da língua cabo-verdiana e do folclore de Cabo Verde, com incursões incisivas sobre o folclore foguense.
Foi fundador, proprietário, director e editor do jornal O Manduco (Fogo, 1923-1924) e, juntamente com João Lopes (S. Nicolau, 1884-1979), foi responsável pelo jornal (socialista) Cabo Verde (S. Vicente, 1920-1921), tendo colaborado em vários outros jornais cabo-verdianos e portugueses.
Sessenta e seis anos sobre a morte de Pedro Monteiro Cardoso, temos a vaga impressão que uma verdadeira homenagem ainda não lhe foi feita. Vale ressaltar que o antropólogo Manuel Brito Semedo lança, hoje, em S. Filipe o livro Pedro Cardoso “Textos Jornalísticos e literários”, no âmbito de uma série de actividades organizadas pela casa Dja`r Fogo.
Gostaria de ver assumidamente a cidade de São Filipe, e Cabo Verde, numa reflexão sobre a vida e a obra do seu filho dilecto …

Desabafo

Com emoção conheci há poucos dias um neto de Pedro Cardoso, e soube que um filho do poeta (muito adoentado) ainda vive na zona de Fazenda na Cidade da Praia. É lamentável perceber que o coveiro do cemitério da várzea não consegue indicar a campa do malogrado poeta: uma demonstração de desleixo generalizado. Ocorreu-me logo a imagem de Eugénio Tavares e a facilidade imensa dos bravenses em indicar a sua eterna morada. Desabafos apenas, lamentos…

Bibliografia do poeta

Primícias (Lisboa, 1908); Caboverdeanas (Lisboa, 1915), Jardim das Hespérides (Vila Nova de Famalicão, 1926), Duas Canções (Lisboa, 1927); Algas e Corais (Vila Nova de Famalicão, 1928); Hespérides. Fragmentos de um poema perdido em triste e miserando, naufrágio (Vila Nova de Famalicão, 1930); Folclore Caboverdeano (Porto, 1933); Conferência no "Teatro Virgínia Vitorino" (Praia), em 30 de Dez. 1933 (Porto, 1934); Cadernos Luso-Caboverdianos. 3 volumes: (1) E mi que ê lha’r Fogo (Fogo, 1941), (2) Ritmos de Morna (Praia, 1942), (3) Sem Tom Nem Som (Praia, 1942); e Lírios e Cravos (Ermesinde, 1951).

10 de novembro de 2008

Orgulho e Pesar

Makeba













“Os momentos” remarca com um misto de pesar e “orgulho” o falecimento hoje, aos 76 anos, da cantora sul-africana, Miriam Makeba - foto -, aquela que foi a mais combativa e internacional cantora do continente africano. Com um estilo único combinando o jazz, o folk e outros ritmos tradicionais da África do Sul, Miriam Makeba soube cantar em nome da África, e contagiar os palcos e artistas de boa parte do mundo; a dor, a opressão, mas também a liberdade, o sonho, e o futuro: Mamma África, Pata Pata e Malaika foram hinos do mundo.
“People think I consciously decided to tell the world what was happening in South Africa. No! I was singing about my life, and in South Africa we always sang about what was happening to us — especially the things that hurt us”.
Miriam Makeba cantou até ao último dia de sua vida, como sempre quis.

Premiados

José Luis Tavares, poeta, e Glaucia Nogueira, jornalista brasileira que reside em Cabo Verde, foram dois dos nove premiados no II Concurso Literatura para Todos promovido pelo Ministério da Educação do Brasil.
O valor do prémio é de 10 mil reais, com posterior publicação. José Luis Tavares foi galardoado com a obra inédita “Os Secretos Acrobatas” e Glaúcia Nogueira com a versão infantil de “O Tempo de B. Léza – Documentos e Memórias", primeiro livro da autora.
Aos dois amigos os meus parabéns.

7 de novembro de 2008

O paradigma Obama

















Desde a campanha para as primárias do Partido Democrata que Barack Obama galvanizou a atenção dos Estados Unidos e do Mundo, certamente, num primeiro momento, pela cor da sua pele. Não que uma simples coloração mais pigmentada fosse, por si, indício de boas capacidades. Obama chegou onde chegou por causa do seu percurso de grande mérito, de uma capacidade de liderança surpreendente e de uma qualidade intelectual sem precedentes. Entrementes, a questão racial marca presença incontornável na América e ela não poderá ficar fora de uma análise complexa. Do meu ponto de vista, os analistas nacionais e internacionais não devem fugir a tal remarque…
A eleição de Obama, para os negros da África e a vasta Diáspora Africana, mais precisamente os afrodescendentes, é por demais histórica. É ver as lágrimas de emoção nas faces do activista Jesse Jackson e apresentadora televisiva Oprah Winfrey no momento do comício da vitória em Chicago; É ouvir a entrevista de uma centenária negra americana que incrédula se emociona com a eleição de um presidente negro e se recorda da época em que não podia votar porque os negros não tinham esse direito. Chorei também eu, aqui em Cabo Verde, assistindo ao júbilo indescritível, um misto de sublimação e orgulho dos americanos (jovens, sobretudo), perante a "magia" e o brilhantismo de um presidente mestiço (filho de um negro e de uma branca), eleito num País que, nos últimos anos, vinha acumulando descrédito e odioso aos olhos do Mundo.
Registo com satisfação a esperança que renasce em África, um continente devastado sob todas as perspectivas, com a chegada à Presidência do País mais poderoso do Mundo de um afrodescendente. O vilarejo queniano Kogelo onde residem os familiares de Obama, faz fronteira com Uganda, que é vizinha de outras Áfricas, outras nuances de uma mesma matriz. As mães de todas as diásporas negras choraram de alegria no dia 4 de Novembro.
Que o exemplo de Obama sirva de inspiração não só para a América, mas para o Mundo. Que um país como o Brasil, onde os negros ainda ocupam patamares vergonhosos de cidadania, comece a se posicionar para um cenário de mais equilíbrio e oportunidades para todos.
A construção de um novo mundo passa, sim, pelo empowerment dos negros, e pelo reerguer do continente africano. Yes, We Can. Este é o paradigma subjacente, mas nem por isso esquecido, que me soe aventar nesta hora em que Baraka Obama se tornou o 44º Presidente dos Estados Unidos da América!

6 de novembro de 2008

O poder e Obama*














Poderia começar este artigo por trocar a ordem das palavras deste título: Obama e o Poder. A retumbante vitória de Obama nas eleições norte-americanas soa para os EUA e para o Mundo com o som fonético e, sobretudo, com o valor semântico de um verdadeiro «hossana». «Hossana», do hebraico «hoshi’anna» quer dizer: «salva, peço-te». Obama, no contexto actual da situação dos EUA e do Mundo, encarna essa petição: «Salva-nos».
Quem estendeu esta passadeira para esta triunfal entrada de Obama na Casa Branca foi George W. Bush. Bush deixa a mítica branca residência com o mais baixo índice de popularidade de sempre (26%). Nos EUA e no Mundo havia um enfado muito grande por este homem que, simbolicamente, guarnecido do maior poder do Mundo estava a cavar a mais profunda onda de falta de confiança. A crise financeira actual, melhor dito, a crise do sistema financeiro foi óbito final de dois mandatos que denegriram o papel motor dos EUA face ao estado do Mundo. Iraque, Afeganistão, Irão, Palestina, Israel, não são apenas nomes e histórias de países. São capítulos, dossiês, alforges de problemas que a administração Bush deixa em legado ao próprio Obama. E só por manobra ilusionista ou fraca consciência do estado actual dos EUA e do Mundo alguém pode ignorar que o caminho de Obama está cheio de minas e armadilhas.
Obama chega em ombros à Casa Branca porque do fundo do túnel surgiu o custo zero de toda a esperança. Praticamente desconhecido, sem ter andado nos corredores do Poder a ter de cumprir falsas promessas, homem simples, a bem dizer meio negro, meio branco, «nascido a pulso» como tanta aprecia a mitologia americana, com uma mensagem da força do que pode valer o querer, com um apelo forte e renovado de que o «sonho americano» ainda está por cumprir, de linguagem simples e voz firme e sonora, Obama, por seu mérito e não só, reunia as óptimas condições para ser o vulto e o promontório de uma nova réstia de esperança para todos aqueles que estão em vias de perdê-la por completo. E se são indesmentíveis as qualidades pessoais de Obama, as circunstâncias conjunturais da actualidade encontraram nele o modelo exacto, para numa operação de marketing político numa democracia e que acima de tudo é profundamente mediática, montar uma campanha eleitoral de indiscutível êxito. Como já alguém disse, neste sentido, até o nome ajudava, era verdadeiramente um nome de marketing Barack Obama. A mobilização do eleitorado multiétnico norte-americano foi grandiosa. O entusiasmo contagiante. O ambiente de festa na saudação da nova era que despontava tornou-se empolgante. Obama é o novo presidente dos EUA.
Obama chegou ao Poder. A partir de agora começa a maratona da gestão desse poder conquistado e conferido pela grande maioria dos norte-americanos. De um poder que deixará de ser apenas de Barack Obama mas da Casa Branca. O mesmo seja dizer da poderosa teia de poder que governa os EUA.
Não é só a crise financeira e do próprio sistema que traz as incertezas dos tempos que vivemos. É a própria crise dos «fundamentos do sistema democrático como a legitimação e justificação do poder» em profunda mudança (Timóteo Alvarez, em «Gestão do Poder diluído», 2006).
É importante para o Mundo que Obama não se transforme em mito, mas no novo nome do Poder.

* Paquete de Oliveira (cedido pelo autor)

5 de novembro de 2008

Obama: o eleito

ObamaAmérica






















"Obama va régénérer la marque Amérique comme Jean Paul II a relevé la marque papauté"

Andrew Sullivan (analista francês)

4 de novembro de 2008

Impressões... e notas

picasso-femme














1. Hoje é o meu dia: a minha madrinha completa em S. Filipe 105 anos e vai cortar um bolo em Curral Grande. Como já tive oportunidade de escrever neste post, Felismina Mendes encerra um episódio interessante na história do Fogo e pour cause… deste país. É a última filha viva de Nhô Henrique, o dono de sete palhabotes que faziam as viagens Cabo Verde Estados Unidos, dentre os quais o navio Ernestina.

2. É também meu e nosso dia por causa de Obama: que já é, antes de tudo, o eleito da esperança.

1. Hoje é o último dia dedicado à conferência “Mestiçagem socioculturais e procura de identidade na África Contemporânea: o caso dos países africanos lusófonos” a decorrer desde ontem na Cidade da Praia. A iniciativa é uma parceria entre a Codesria e a UNICV, que, de si, é interessante porque demonstra o início de um afrontamento intelectual mais directo com o continente africano, que pode ser, inclusive, uma achega ao ideário da Integração regional. Gosto de ter pensamentos positivos.

2. De 6 a 9 de Novembro decorre em Salvador da Bahia o primeiro Colóquio África e Diáspora sob o lema: O lugar da mulher negra na geopolítica: refletindo sobre os desafios das lutas contra a pobreza e o racismo. Uma iniciativa da União dos Negros pela Igualdade (UNEGRO). “o objetivo mais geral é de redesenhar cartografias de fronteiras da afro-descendência, dando visibilidade a produções, práticas e projetos em que a mulher negra seja não mais objeto mas sim protagonista e sujeito.” A engrossar a lista de activistas de renome, documentaristas e estudiosos, Cabo Verde marca presença com Edeltrudes Pires Neves.

3 de novembro de 2008

Yes, we can!

Obama e Michele













Não serei o poeta de um mundo caduco.
Também não cantarei o mundo futuro.
Estou preso à vida e olho meus companheiros.
Estão taciturnos mas nutrem grandes esperanças.
Entre eles, considero a enorme realidade.
O presente é tão grande, não nos afastemos,
Não nos afastemos muito, vamos de mãos dadas.

Não serei o cantor de uma mulher, de uma história,
não direi os suspiros ao anoitecer, a paisagem vista da janela,
não distribuirei entorpecentes ou cartas de suicida,
não fugirei para as ilhas nem serei raptado por serafins.
O tempo é a minha matéria, o tempo presente, os homens presentes,
a vida presente.

Mãos dadas: Carlos Drummond de Andrade