15 de setembro de 2008
Sabura na Guetu
Sabura na Guetu encaixa como uma luva num programa feito em Cova da Moura por uma produtora independente, e emitido no passado fim-de-semana na RTP África. Não gostei dos meandros e da intencionalidade subjacentes ao referido programa, diga-se em abono da franqueza. Todavia, eu gostaria de frisar, antes de tudo, que não nutro qualquer sentimento "daninho" em relação a esse canal, que acompanho com atenção, estando aqui a exercer o livre pensamento crítico, com a melhor das intenções.
A missão do programa, como anunciou a apresentadora Catarina Furtado (certamente uma idolatrada no bairro), era mostrar que existem muitas coisas boas e gente "do bem" em Cova da Moura. Mas, a começar pela sua apresentação um tanto ou quanto debochada e redutora, não creio terem atingido esse objectivo.
Os ingredientes eram os de sempre: a mulher que faz uma panelona de cachupa; o jovem que provou ser responsável simplesmente porque conseguiu guardar uma câmera de filmar em casa, que lhe foi cedido pela produtora para um documentário; o Cromo di Gueto (apelido de um dos convidados) que é "bué de fixe", calão angolano transferido, sem propósitos (e se calhar, com estranhos propósitos) para os diálogos em questão; as crianças que dançam batuque, e são, aos olhos da apresentadora, um grande orgulho para a avó. Haviam mais casos clichés e de visões pré concebidas, que me contaram depois, mas eu tive que mudar de canal.
"Pobres coitados" que encontram razões para sorrirem num programa dessa natureza. Um programa que só reforça a sua guetização, olhares que reproduzam preconceitos de bradar aos céus, abordagens que não contribuem de forma alguma para uma integração desejável desses emigrantes. O que os "marginalizados" precisam é de cidadania e não do "tokenismo" e da "coisificação" mercê de um olhar televisivo. A integração cidadã, no sentido mais multicutural e humanístico do termo. De resto, e na sua essência, Cova da Moura não é a criminalidade de alguns dos seus moradores na condição de pária numa sociedade pretensamente democrática, mas o crime social (económico, político e, quiçá, cultural) de haver gueto e a sua reprodução insidiosa…
Mais felizardos
Outra moda que espero não pegue entre nós são reportagens de mães de famílias dos recônditos das ilhas com seis filhos para criar, mas que encontram realização nos docinhos que fazem, sempre a graças de uma ONG que precisa aparecer para justificar os subsídios que recebe... do pai da família nem sinal, mas isso não vem ao caso. A felicidade reina na família onde os filhinhos certamente irão vender doces como a mãe. Outra reprodução atroz de um exotismo que não nos interessa. Não queremos morar na "Cabana do Pai Tomás". Dignidade é outra coisa e queremo-la…mesmo com as suas dores de parto!
fotu: Rui Palha
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6 comentários:
Ui Ui miúda...andaste a ler "Sobre a Televisão" do Pierre Bourdieu?
Esse post parece inspirado nesse livro...
Li-o há mais de 10 anos, e creio tê-lo já digerido. Diria que me identifico com ele...
Sem dúvida um dos melhores livros do Bourdieu;és a primeira jornalista que me diz que gostou do livro (a maioria dos teus colegas não gosta porque o livro é pouco "amigo" em relaçao ao vosso trabalho)..também gosto do livro,por isso não canso de ler e reler...também vi um bocado do programa na rtp,a 1 mês atrás,mas não tive estômago nem paciência para continuar...
É o livro mais fechado que já li sobre as capacidades manipuladoras e de omissão da Televisão, principalmente em se tratando de canais orientados para o bichão “audiência”: uma premissa que a mim pessoalmente me arrepia. (é nessa linha que vejo a emissão da Record em Cabo Verde, por exemplo) Mas como vês, este é um ponto de vista entre outros…
Eu diria, também, que Pierre Bordieu foi um pouco implacável com o meio, que pode eventualmente (em enquadramentos outros) engendrar outras construções sociais. Ou não! O livro é duro, de facto… mas eu não consigo deixar de me identificar com ele, apesar das ressalvas… e mais: tenho-o comigo sempre, caso mude de ideia.
Gostaria também de acrescentar que "Sobre Televisão" retrata um universo temporal em que a Televisão dirigia as opiniões de forma mais absoluta. Hoje com as novas tecnologias de informação, tudo é mais relativo… concordas?
Sim,concordo com a tua afirmação se tivermos em conta todos os média no geral(TV,rádio,jornais,revistas,internet,blogues).Mas continuo a reconhecer razão e actualidade ao ponto de vista do Bourdieu no que se refere à televisão no concreto...gosto particularmente da critíca aos "fast thinker" que só querem "se fazer ver e ser vistos" e às informações e abrodagens homogêneas por parte dos jornalistas
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