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"Será o povo cabo-verdiano assim tão cordial e sem preconceito rácico, como se quer fazer crer? Ou a análise das diferenças pelo prisma da classe e do grupo económico serve para encobrir a questão do preconceito rácico…?" (...)
"A visão de Baltazar Lopes é manifestamente de um arquipélago sem enfrentamentos rácicos, em que a cor da pele, segundo ele, nada significa:"(...)
"Será que o recalcamento do negro, em Cabo-Verde, foi ainda mais violento, destruidor, esmagador e preconceituoso do que outros espaços, em virtude de as ilhas serem territórios concentracionários, tendo sido tão castrador que dele pouco mais restou, a não ser ténues sintomas e o mito de ter sido especial, quase inexistente, como se os negros dessas ilhas quisessem fugir do seu passado ao fugir da sua cor?"
Dessa controversa e pendente questão, deixada por Pires Laranjeira, dou uma saltada até Milton Hatoum, não muito distante daquela, e uso um trecho do seu artigo "Contra o cinismo e o conformismo", publicado numa das edições da revista brasileira "Entre livros". Hatoum sustenta no seu artigo que, nos países colonizados, a consciência histórica e uma leitura crítica do passado são premissas para se fazer uma boa literatura. "Escritores como J.M Coetzee, Caryl Phillips e Salman Rushdie – três grandes narradores oriundos de países colonizados – escreveram romances cujos temas exploram as contradições de seu tempo e sua relação com a história, individual e nacional. É essa relação que a vertente conservadora e pós-moderna pretende suprimir, substituindo a consciência histórica por um conformismo adornado por um cinismo tão dissimulado, que bem pode rimar com fascismo."
A ausência desse enfrentamento e um divórcio evidente com a história em Cabo-Verde mais longínquo do que isso, foi um dos grandes problemas da literatura das Ilhas... a prosa e a poesia cabo-verdianas não souberam dizer "não a uma realidade inaceitável" e por isso nunca "conseguiram sugerir a possibilidade de outras histórias...". Quem fala de literatura, poderá falar hoje do cinema, da televisão, da publicidade, da arte, em geral, enquanto celebração das culturas...
"... a ficção moderna tenta fazer um recorte inventivo de uma sociedade, explorando suas contradições e tensões por meio do movimento interior dos personagens", escreve Hatoum, para quem a escrita é basicamente fruto da memória que o escritor tem do seu passado.
4 comentários:
Muito bom texto miúda...pode suscitar um debate teorico interessantíssimo...quanto ao Haldor Laxness,manda-me o teu mail pessoal para edisonferreirasanches@gmail.com ou edisonsanches@hotmail.com
bjs
isso é um post que eu chamo "toque na agua"...temas quase que proibidos...
gostei de ler...
Djinho
Pois é, mais velho. Este assunto nunca foi pauta, como certamente sabes... e por isso mesmo perdemos a nave... ou melhor, vemo-la a passar ao largo.
Bjs
Pois é Djinho... há que enfrentar as proibições tácitas, e depois perceber porque é que as nossas artes plásticas, o nosso cinema, os nossos patrimónios, apesar dos ingredientes especiais, sabem a pouco...
E depois disso, cadenciar os toques.
Um abraço.
Margarida
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