10 de setembro de 2008

O negro, a história (suas nuances …)

ExampleComo se de uma nuvem se tratasse, resolvi transcrever alguns trechos da comunicação de Pires Laranjeira feita no Simpósio sobre os Fundadores do Movimento Claridoso, ocorrido há cerca dois anos na Cidade da Praia, em alinhavo com o escritor brasileiro Milton Hauton. Um percurso em retalhos e por geografias diversas, mas com (sentido) próprio.
"Será o povo cabo-verdiano assim tão cordial e sem preconceito rácico, como se quer fazer crer? Ou a análise das diferenças pelo prisma da classe e do grupo económico serve para encobrir a questão do preconceito rácico…?" (...)
"A visão de Baltazar Lopes é manifestamente de um arquipélago sem enfrentamentos rácicos, em que a cor da pele, segundo ele, nada significa:"(...)
"Será que o recalcamento do negro, em Cabo-Verde, foi ainda mais violento, destruidor, esmagador e preconceituoso do que outros espaços, em virtude de as ilhas serem territórios concentracionários, tendo sido tão castrador que dele pouco mais restou, a não ser ténues sintomas e o mito de ter sido especial, quase inexistente, como se os negros dessas ilhas quisessem fugir do seu passado ao fugir da sua cor?"

Dessa controversa e pendente questão, deixada por Pires Laranjeira, dou uma saltada até Milton Hatoum, não muito distante daquela, e uso um trecho do seu artigo "Contra o cinismo e o conformismo", publicado numa das edições da revista brasileira "Entre livros". Hatoum sustenta no seu artigo que, nos países colonizados, a consciência histórica e uma leitura crítica do passado são premissas para se fazer uma boa literatura. "Escritores como J.M Coetzee, Caryl Phillips e Salman Rushdie – três grandes narradores oriundos de países colonizados – escreveram romances cujos temas exploram as contradições de seu tempo e sua relação com a história, individual e nacional. É essa relação que a vertente conservadora e pós-moderna pretende suprimir, substituindo a consciência histórica por um conformismo adornado por um cinismo tão dissimulado, que bem pode rimar com fascismo."

A ausência desse enfrentamento e um divórcio evidente com a história em Cabo-Verde mais longínquo do que isso, foi um dos grandes problemas da literatura das Ilhas... a prosa e a poesia cabo-verdianas não souberam dizer "não a uma realidade inaceitável" e por isso nunca "conseguiram sugerir a possibilidade de outras histórias...". Quem fala de literatura, poderá falar hoje do cinema, da televisão, da publicidade, da arte, em geral, enquanto celebração das culturas...
"... a ficção moderna tenta fazer um recorte inventivo de uma sociedade, explorando suas contradições e tensões por meio do movimento interior dos personagens", escreve Hatoum, para quem a escrita é basicamente fruto da memória que o escritor tem do seu passado.

4 comentários:

Edy disse...

Muito bom texto miúda...pode suscitar um debate teorico interessantíssimo...quanto ao Haldor Laxness,manda-me o teu mail pessoal para edisonferreirasanches@gmail.com ou edisonsanches@hotmail.com

bjs

Anónimo disse...

isso é um post que eu chamo "toque na agua"...temas quase que proibidos...
gostei de ler...

Djinho

pura eu disse...

Pois é, mais velho. Este assunto nunca foi pauta, como certamente sabes... e por isso mesmo perdemos a nave... ou melhor, vemo-la a passar ao largo.


Bjs

pura eu disse...

Pois é Djinho... há que enfrentar as proibições tácitas, e depois perceber porque é que as nossas artes plásticas, o nosso cinema, os nossos patrimónios, apesar dos ingredientes especiais, sabem a pouco...
E depois disso, cadenciar os toques.

Um abraço.

Margarida