24 de março de 2009
Mais cinema
“Não quis fazer o que todos fazem: levar soluções aos africanos e dizer-lhes que nós, os ocidentais, vamos ajudá-los a superar a pobreza. A situação é forçosamente aquela, há que saber aproveitá-la.”
Numa certa perspectiva, essa visão confrontada sobre a pobreza e o sofrimento, poderia ser condenável, se o autor dessas palavras não tivesse demonstrado de forma desafiante o (s) significado (s) da sua colocação. Quando o artista belga Renzo Martens partiu para Congo para realizar, durante dois anos, Episode III: Enjoy Poverty (2008), tinha em mente isso mesmo: fazer um filme que explorasse “a estrutura montada” do maior produto de exportação africano: a pobreza e o sofrimento humano. Um “empreendimento desumano” perfeitamente naturalizado e explorado por muitos, menos pelos pobres.
Os jornalistas que vão em busca de furos de reportagem nos campos de refugiados, as organizações humanitárias, as grandes empresas ocidentais que exploram os recursos naturais (nesse caso, o ouro congolês), quando os trabalhadores dessas mesmas minas vivem abaixo do limiar da pobreza, os fotógrafos especializados em ângulos da desgraça, etc. Renzo entra no quotidiano, está na aldeia; nos casebres, convive e até se mostra no filme. “Porque não aproveitam a vossa pobreza?” Tentem encontrar os melhores ângulos fotográficos dos vossos casebres, das crianças desnutridas, da face da mulher violada” .
O banco mundial e a “monetarização” do país; a política e os políticos; nós, os outros, e uma pobreza intacta e virulenta. Nada escapa a Renzo…
Episode III: Enjoy Poverty mereceu uma menção honrosa do júri do Infinity Festival, e “despoletou muito debate no concurso para a premiação”. É que o realizador, sendo um artista, (escultor) não está necessariamente ligado a fórmulas fílmicas, assume papéis, interage com o espectador, algumas vezes de modo irónico, mas perfeitamente assumido enquanto proposta intelectual.
O filme é parte de uma tríade que começou com Episode I, emergency food distribution and the role of the cameras (Kenia, 2002) e vai fechar em síntese. Poderia ser apenas mais um documentário sobre a desgraça humana, mas Episode III, para Renzo, é arte. Foi exibido inicialmente em museus, em vez de salas de cinema, e o seu autor recebeu grandes elogios, e duras críticas (que oscilam da genialidade ao cinismo) pela sua provocação. Renzo Martens é belga, mas vive e trabalha na Holanda.
Nota
A TCV, numa parceria com o Alba Film Festival, irá oportunamente apresentar um documentário sobre tendências e linguagens contemporâneas do cinema, com participação de realizadores e críticos de cinema como Marco Ponti, Bruno Fornara, Maurizio Porro e Renzo Martens.
foto1: placa do filme
foto2: Renzo Martens e "pura eu", clicados por Claúdio Matráxia
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