Nino Vieira e Amilcar Cabral nas matas da Guiné
Sempre apreciei cronistas com capacidade de tematizar, indivíduos que escrevem sobre temas de interesse que muitas vezes estão lá, sem ninguém dar por eles; e acho mesmo que esses são uma mais valia para qualquer jornal, porque complementam, em vez de estar a repisar em factos da actualidade que merecem, como não podia deixar de ser, tratamento jornalístico pelo órgão.
Escrevo a propósito do último artigo de Onésimo Silveira no Jornal A Semana intitulado "O poder político africano". Um texto bastante elucidativo, e que ganha mais força hoje com o assassinato do Presidente da Guiné Bissau, João Bernardo "Nino" Vieira.
Escrevo a propósito do último artigo de Onésimo Silveira no Jornal A Semana intitulado "O poder político africano". Um texto bastante elucidativo, e que ganha mais força hoje com o assassinato do Presidente da Guiné Bissau, João Bernardo "Nino" Vieira.
Com um rasgo didáctico que lhe é peculiar, Silveira começou por definir Poder em duas frentes, primeiro como “arte de comandar a natureza”, e finalmente “a arte de comandar os homens”; num percurso evolutivo e dialéctico pontua o surgimento das bases do poder político, depois a configuração jurídico-legal do exercício do poder nas sociedades modernas. “A fonte do Poder é a lei e a ela ficam sujeitos tanto os que prestam obediência como os que mandam”, escreve.
Caracteriza extensivamente o estado moderno, na sua composição institucional, e discorre sobre as faculdades do poder político desse sistema de estado.
Tudo isso, diz Onésimo Silveira, é uma herança que o ocidente partilhou com a África “num quadro de alienação quase completa dos valores de cultura e de civilização africanos dentro do qual podemos realçar os conceitos de poder político genuinamente africano, que serviu de força motora aos impérios e reinos africanos”.
Várias décadas depois da independência, muitos países africanos continuam mergulhados em instabilidade, o que, segundo Silveira, revela o desencontro entre “a sociedade africana de raiz tradicional” e o novo sistema de governo de “perfil ocidental”.
Sem querer pontuar exaustivamente o artigo de Silveira, sublinharia uma expressão como esta: “a falta de convergência entre Direito e Estado acaba por legitimar interferências particulares que minam a soberania da lei”.
Onésimo Silveira não atribui como causa de todos os males africanos esse transplante mal sucedido, pondera criticamente sobre ele. Pondera também sobre as bases da nação que foram completamente ignoradas pelos colonizadores, que nunca encararam seriamente as estruturas socioculturais tradicionais africanas; pondera ainda sobre as precariedades institucionais, sobre o esvaziamento dos mecanismos clássicos de governação, sobre uma “massa crítica acanhada” e “uma cidadania anémica”.
À guisa de conclusão, Onésimo é peremptório: “À medida que a África negra se distancia da independência, ou seja, da era colonial, é penoso constatar que ela se encontra ainda bipartida entre os fundamentos da tradição e as aspirações à modernidade. A convergência entre Direito e Estado parece estar ainda bem longe de acontecer; O processo de integração nacional está virtualmente parado no tempo”.
Os assassinatos ocorridos, ontem, na Guiné Bissau, do general Tagmeh Na Waieh e de João Bernardo "Nino" Viera confirmam, em toda a linha, as análises de Onésimo Silveira. E mais, o anúncio feito pelo Estado Maior das Forças Armadas de que “o exército irá garantir a ordem constitucional no país” é prova inequívoca de tudo aquilo que escreveu o Colunista.
Uma vida a morrer
O texto de Onésimo Silveira fala da África Negra, e fala indiscutivelmente de uma figura como Nino Vieira (69). Um nome indissociado ao percurso do Estado soberano Guiné Bissau: Foi combatente da Liberdade da Pátria, onde ganhou o seu nome de guerra “Nino”; foi eleito Primeiro-Ministro em 1978 e chegou à presidência do seu país em 1980, através de um Golpe de Estado que derrubou Luís Cabral, e ditou a cisão do PAIGC.
Com a democratização da Guiné Bissau, Nino Vieira ressurge na arena política e, depois de uma disputa renhida com Kumba Ialá (1994), e uma segunda volta nas urnas, torna-se no primeiro Chefe de Estado democraticamente eleito na Guiné Bissau. Em 1998 devido a uma tentativa de golpe contra o governo, Guiné Bissau vive o seu pior momento; uma guerra sangrenta entre facções pró Nino e Ansumane Mane. O exílio (1999), anos depois o regresso (2005), a presidência de novo em 2005: tudo a acontecer num misto de instabilidade política e acentuadas fragilidades económicas, ultimamente com fortes interesses narcóticos de permeio.
Na madrugada de hoje Vieira não resiste, tomba de um golpe mortal…
Parafraseando Albatrozberdiano, "É o regresso da instabilidade nesse País. Em como isso afectará Cabo Verde será uma matéria para a reflexão de todos. É uma grande ângustia a situação em Bissau com o reinstalar do círculo infernal. Quo vadis?"
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