26 de junho de 2009
Perdemo-lo aos 50 anos
In memoria (momentos, Abril 2008)
Já circula pelo mundo uma edição de luxo CD/DVD do Thriller de Michael Jackson, para comemorar os 25 anos daquele que foi um marco na produção de videoclips. Pela primeira vez um realizador, em 1983, desenhou um enredo para um clip de televisão. Só a partir desse lançamento, é que músicos e produtores do mundo todo começaram a se preocupar em ter pequenas histórias narrando as músicas. Antes, não se tinha essa inclinação narrativa e estética da canção na tela. Para muitos, Thriller tem muito de cinema, uma curta-metragem autêntica. Para recordar aqui
Esta foi apenas uma das tantas inovações protagonizadas por Michael Jackson na sua lendária passagem por este mundo.
25 de junho de 2009
Por via do cinema
O escultor belga Renzo Martens (foto) que é também realizador de cinema considera a imagem da pobreza em África um produto de exportação, assim como o é o petróleo, o couro, o café, etc... Uma estrutura que gera milhões de dólares que beneficiam a muitos, menos aos pobres que são os verdadeiros donos dessa “riqueza”. Martens falava a propósito do seu filme Episode III: Enjoy Poverty, (parte de uma tríade) um documentário rodado, durante dois anos, no Congo que trata da especulação da imagem da pobreza em África, (Menção honrosa do Alba Film Festival 2009).
Este Sábado, depois da telenovela Duas Caras, acompanhe a fala de Martens e outras opiniões substantivas sobre o cinema, na Televisão de Cabo Verde.
O melodrama (ontem e hoje); a beleza no cinema: da palavra à imagem, num cheiro do que foi o Festival de Cinema de Alba, (Itália 2009) com Marco Ponti (Realizador), Bruno Fornara(Director artístico do festival) e Maurizio Porro (Crítico de cinema). Um festival de cinema que se (nos) proteja para além da imagem.
(Se) Oriente
Os momentos faz uma pausa, para depois voltar ... até breve!
17 de junho de 2009
Liberdade
Este animal
que trago no peito, por dentro, acocorado
remordendo o silêncio
- como salalés roendo o barro –
perfurando as sombras com os seus olhos grandes
Escavando sulcos no silêncio,
Acocorado.
no peito
retesando os músculos, pronto para saltar
este animal que no estreito
silêncio de mim se agita
e abre a enorme boca pronto para gritar.
Este animal que em mim se move
em mim habita
este animal que ninguém poderá jamais domesticar.
José Eduardo Águalusa
15 de junho de 2009
Cidade Velha: maravilha ou património mundial?
O concurso As Sete maravilhas de origem portuguesa no mundo, heroicamente promovido por algumas Instituições lusas, incomodou a muitos nos Países de Língua Oficial Portuguesa, menos em Cabo Verde.
Por cá, o que se viu, depois da eleição de Cidade Velha, e como se tudo não bastasse, vieram as autoridades a congratularem-se com a votação, e a considerarem, inclusive, que esta neo (apropriação) irá ajudar na candidatura de Cidade Velha. Como se a decisão da UNESCO já não estivesse tomada, para o bem ou para o mal.
De concreto esse concurso português não ajudaria em nada na candidatura do Sítio Cidade Velha. De recordar que uma das possibilidades da UNESCO incluir Cidade Velha na lista de património da humanidade, está ligada à consolidação do projecto Rota de Escravos, projecto criado em Benin em 1994 exactamente com o fito de rememorar a tragédia da escravatura, e promover a investigação sobre essa que é considerada a maior deportação de seres humanos na história da humanidade, crime que contou com a participação activa de Portugal.
Essa "maravilha" que é Cidade Velha surgiu do e para o Tráfico de Escravos. Antes da sua especificidade arquitectónica (muito festejada pelo concurso), e do puro e simples fluxo de pessoas, é de salientar o peso memorial da subtracção de seu espaço de milhares de almas, da morte de outros milhares, da exploração, da diminuição humana, tudo em nome da expansão Europeia e da descoberta de Novos Mundos. Feito erigido à custa da vida de milhares de seres humanos que, em vez de repúdio e condenação, continua cinicamente a ser celebrado.
Duvido que os historiadores cabo-verdianos não tenham percebido a ligeireza com que foram promovidas essas tais maravilhas, nomeadamente o sítio Cidade Velha. Mas cai mal criticar, escrever no jornal e denunciar mais um disparate da “metrópole”… Mário Fonseca já dizia (sobre tamanha dependência) tratar-se de uma doença que foge às tentações do diagnóstico.
Num dos textos/protestos sobre o assunto, o catedrático português, Boaventura Sousa Santos, diz que “por um critério mínimo de justiça histórica, as instituições que patrocinam este concurso devem exigir à empresa total transparência de contas e que os lucros sejam integralmente destinados à recuperação dos monumentos.” Pelo menos isso...
13 de junho de 2009
Escrever
O acto da escrita é um corpo a corpo com o anjo,
e anjo é uma criatura divina,
o indivíduo que tenta brigar com um anjo será derrubado.
Só uma figura fabulosa podia lutar com um anjo,
o que faz da escrita uma luta perdida de antemão.
Escrever (não como um acto de projecção)
é uma atitude completamente existencial,
uma forma de viver que para a maioria é ridícula.
Mário Fonseca
11 de junho de 2009
Quem conhece Arménio Vieira...
A cidade da Praia e Cabo Verde continuam sob o efeito do Prémio Camões 2009. Para muitos, tudo ainda parece um sonho. Há dias foi a tertúlia em homenagem merecida, na pracinha do Café Sofia, local habitual do Conde de Silvenius, aliás Arménio Vieira. Ali, entre uma bica e uma cavaqueira, joga-se xadrez e vê-se o frenesim do Plateau, que já se afirma cosmopolita. Mas não pretendo falar dessa noite que foi maravilhosa, porque conseguiu reunir gente, na sua maioria, amiga e que conhece e aprecia a escrita criativa de Arménio Vieira. Se alguém duvida que vá aos canhenhos ou se remeta aos pergaminhos...
O que me traz a estas linhas é o ventilado, mas redondamente alegado, desconhecimento da obra de Arménio Vieira por parte das pessoas. E que o poeta vinha sendo marginalizado, senão mesmo ostracisado, pelo establishment, algo que conota a alguma falácia.
Faço minhas as palavras de Jorge Carlos Fonseca, quando este remata (em entrevista ainda não publicada) que “quem conhece a literatura cabo-verdiana conhece indubitavelmente Arménio Vieira”. Algo bem diferente de dizer (como se intenta) que AV tem sido marginalizado, posto de lado ou mesmo depreciado.
Eleito por esta sociedade antes, muito antes do Prémio Camões, Arménio Vieira tem sido um dos poetas mais celebrados entre os seus pares e os apreciadores de boa poesia e da boa prosa. Os que conhecem o Poeta noutros contextos, diferentes destes celebratórios, sabem que, para os novíssimos da literatura cabo-verdiana, ele tem sido um referencial e sempre o rodearam com admiração, corte que raros, raríssimos, têm merecido.
Aqueles que – sendo doutos e sapientes, em capas de funcionários, médicos, juristas, bloguistas e jornalistas, entre outros - desconheciam AV, serão os mesmos que também desconhecem a cerne de Eugénio Tavares e Pedro Cardoso; tão pouco se imaginam no cais de Jorge Barbosa; não passeiam pela poética indomável de Mário Fonseca, Oswaldo Osório e Jorge Carlos Fonseca; nem ousam voar pelo existencialismo de Valentinous Velhinho, Filinto Elisio, Mário Lúcio Sousa, José Luíz Tavares ou José Luis Hopffer Almada. Por isso, a generalização aqui não procede. É falaciosa até…
Volto a Jorge Carlos Fonseca quando este diz que AV é o único que leva uma verdadeira vida de poeta. Distante da política, do escritório, boémio, livre, sem fato e gravata. Irreverente, inquieto e indomável… per natura. E é nessa condição que também tem merecido a admiração espontânea dos que o rodeiam. O disparate que o reconhecimento do Prémio Camões 2009 virá repor as coisas não cola e passa ao largo. Pela voz de Fátima Fernandes, ouvimos que Arménio Vieira vem sendo estudado e apreciado em vários quadrantes nacionais, inclusive académicos.
Repito: quem conhece a literatura cabo-verdiana conhece Arménio Vieira. A edição, a promoção da leitura, a merecer um olhar mais conseqüente e crítico, é uma questão que atinge a todos os autores, de resto.
10 de junho de 2009
Brava ilha (in ressonâncias)
Há momentos na vida das populações e dos povos em que só medidas e atitudes de alguma radicalidade por parte deles conseguem potenciar uma mudança de postura das autoridades, sobretudo quando o arsenal argumentativo normal se revela inadequado ou ineficaz de todo. Creio que os bravenses, a não ser que pretendam abandonar a ambição de querer continuar a existir, como entidade autónoma, diferenciada e digna, não têm outra alternativa que não seja a de obrigar, forçar, chantagear se necessário, (...)
eco de: Jorge Carlos Fonseca
9 de junho de 2009
Sou um poeta (apenas isso)
(...)
Fica a sugestão, não te ofereço
o texto. No entanto, se fores poeta,
dentro de ti o mar se abrirá ao canto.
apareça na: tertúlia em homenagem ao poeta Arménio Vieira, a ser promovida pelo Ministério da Cultura, 9 de Junho, na Pracinha do Café Sofia, logo mais às 18:30.
8 de junho de 2009
Pedro Pires joga a última cartada
O Presidente da República visitou hoje o município da Ribeira Grande de Santiago, a poucos dias do encontro de Sevilha, onde a UNESCO vai deliberar entre 22 a 24 de Junho próximo sobre a candidatura da Cidade Velha a Património da Humanidade.
Uma visita simbólica, na medida em que o Governo de Cabo Verde, através de uma Comissão Técnica, já formulou a Candidatura da Cidade Velha junto à UNESCO e aguarda, com muita expectativa a decisão definitiva.
Carlos Carvalho, presidente do INIPC diz-se confiante no trabalho da comissão técnica, mas desvaloriza a ansiedade dizendo aos jornalistas que“ se não ganharmos a candidatura, ninguém vai morrer”. As coisas são como são, diz o poeta e somos forçados a concordar.
A visita de Pedro Pires ficou entendida como mais um acto de Magistratura Cultural, já que desde o início tem mobilizado interesses, junto da UNESCO, inclusive, para a divulgação do sítio Cidade Velha. Para Pires o sítio é um património, e por isso, ganhando ou não, deve-se trabalhar para o futuro.
Considerada, mercê do seu valor histórico e patrimonial, o Berço da Nação Cabo-verdiana, a Candidatura da Cidade Velha a Património Universal, poderá, para além de dar visibilidade a Cabo Verde como um pólo de turismo histórico e de conhecimento, reposicionar a geopolítica em relação à criação da Rota dos Escravos, um dos grandes objectivos da UNESCO.
In locu (a história é outra)
Por outro lado, há questões práticas a ponderar: um serviço de guia que convença, potenciar e dar vida aos monumentos, criar um circuito cultural sólido que contemple Cidade Velha como pólo atractivo, e trabalhar afincadamente para a inserção do sítio na Rota de Escravos. O que se vê, neste momento, são algumas iniciativas privadas de cariz turístico que começam com alguma promessa para tempos depois, quase sempre, caírem no esquecimento.
A impressão que se tem é que as autoridades reivindicam para si, cada um a seu tempo, mais ou menos protagonismos, em vez de conjugar esforços e ideias concertados a favor do reconhecimento daquele que é o incontornável berço da cabo-verdianidade.
Expectativas, algum entusiasmo e também angústias dominam os espíritos de uns e outros em relação à introdução da Cidade Velha na lista do Património da Humanidade. Entretanto, muitos têm sido os apoios à iniciativa.
A procura de um passado que poderá determinar o futuro da nação cabo-verdiana.
foto: daqui
4 de junho de 2009
Conde de Silvenius: prosa e poesia
Troco as voltas à metáfora
fazendo de conta que Aristóteles
e o seu alfarrábio de tropos
valem tanto como esse velho
Mar Morto onde os peixes,
de tanta secura, já nem sabem
se são peixes ou pedras de sal.
Assim, embarco e sigo,
sem que eu saiba
em que ponto no rio ou mar
bifurca a prosa e, nítido,
Se vê o poema.
nota pura: depois do Prémio Camões cabo-verdiano a pergunta: a prosa ou a poesia do Conde de Silvenius? O próprio prefere os seus poemas, e elege “MITOgrafia” (a última) como sua obra de peito. Manuel Veiga, o Ministro da Cultura numa resenha publicada em Cabo Verde: insularidade e literatura elege “Eleito do Sol” como o romance de ruptura na literatura cabo-verdiana. Ler a resenha da obra aqui.
Nós por aqui, vamos continuar a fazer o que sempre fizemos… Conde é Prémio Camões 2009: celebremos!!!
3 de junho de 2009
Arménio, o indomável Conde
Arménio Vieira recebeu, ontem, ao fim do dia, a notícia, vinda do Brasil, de que havia sido consagrado com o Prémio Camões. Não dormiu a noite toda, os telefonemas de amigos não permitiram. Cedo, hoje, naturalmente teríamos que fazer a entrevista de praxi para o telejornal. O curioso é que, de repente, vários jornalistas circulavam entre a casa do Conde e o Café Sofia numa informalidade e sentido de ocasião que vale a pena ser registada. E lá foram acontecendo as entrevistas num tom absolutamente comedido e descontraido característico do poeta. Arménio Vieira contava com o Prémio Camões, mas não tão cedo. Calcula que o seu lado de poeta tenha pesado mais do que o de prosador na ora da decisão, até porque se considera um poeta, sobretudo. O telefone não parava de tocar, jornalistas, amigos, poetas, primeiro-ministro…
Facto curioso de um jovem de nossa idade (a mesma de Cristo, já agora) querendo saber porque razão estão tantos jornalistas à volta do senhor. Recebeu o Prémio Camões, o maior reconhecimento à literatura em língua portuguesa, respondemos.
A notícia do Prémio Camões, foi recebida em Cabo Verde, com pompa e circunstância e já provocou o pronunciamento das autoridades políticas e culturais. Para o Ministro da Cultura o galardão será uma lufada de ar fresco para a Literatura cabo-verdiana que tem sido “assombrada”, digamos, pela música, é o pensamento do ministro. Para o primeiro-ministro, o Prémio Camões ao “eleito do Sol” engrandece Cabo Verde.
Claridoso desassumido?
Arménio Vieira, que tem uma obra já referenciada na história literária das ilhas, mais pela qualidade que pela quantidade, pertenceu a geração dos escritores nacionalistas, onde pontificavam nomes com Mário Fonseca, Onésimo Silveira, Oswaldo Osório e Ovídio Martins.
Com a Independência Nacional, Arménio Vieira surge com uma escrita mais universalista e de cariz existencialista, sendo um dos arautos da nova poética de Cabo Verde, definida recentemente, pela analista literária Fátima Fernandes, como a de Claridade Desassumida.
Na sua bibliografia constam, além do “Eleito do Sol” e do “No Inferno”, ambos em prosa, dois marcantes livros de poesia, nomeadamente “Poemas” e “Mitografias”.
Conhecido em meios intelectuais como “Conde de Silvenius” em virtude das metáforas sobre a lenda dos vampiros e seus significados, Arménio Vieira é uma figura sui generis, tanto em estilo de vido, como em sua trajectória existencial.
Preso pela Pide, em 1961, com o primeiro contingente dos presos políticos cabo-verdianos, Arménio Vieira continua até hoje um cidadão irreverente e indomável. Sobretudo, no referente à postura estética presente na sua poética que ora deslumbra a língua de Camões, o seu grande patrono.
nota pura: até que enfin temos mais fotos do Conde na Internet: aqui
Bravo, Arménio!
Arménio Vieira ganha Prémio Camões
Arménio Vieira é o primeiro escritor e poeta cabo-verdiano a ser distinguido com o Prémio Camões e o quarto em África lusófona. Sem dúvida o maior reconhecimento à literatura cabo-verdiana em língua portuguesa e um super prémio. Depois do brasileiro João Ubaldo (2008), Arménio Vieira, o Conde, recebe o mais importante galardão literário da língua portuguesa de há muito desejado e merecido por Cabo Verde. E porque de apoteose camoniana falamos, escolhemos para celebrar um poema/homenagem de Arménio ao poeta de Vida Severina (por entre cabras e pedras), outro artesão em Língua de Camões, João Cabral de Melo Neto (Prémio Camões 1990).
Sabido que o voo
não se prende ao chão,
do qual não é unitário
nem tão-pouco afim,
já que o pássaro
só no sonho encontra sua estação
e a razão por que voa,
diga-se que o bloco,
pesado e concreto
não é substância
que inspires
quem ao voo se rende
João Cabral, no entanto,
sendo Z de uma recta
em que Dante é o A
encontra no feijão,
e na pedra, mesmo
na cabra, isto é,
na pele da cabra
que a seca secou
sua musa e seu canto
Isto muda, coisas
enfim em que o sem jeito
se junta à ausência
do ponto em que
a linha começa
e, mesmo assim,
sem que haja
casca e gema,
o pinto nasce
Sendo um pássaro,
completo e canoro,
sobe no ar e canta.
João Cabral, in: MITOgrafias
2 de junho de 2009
Concurso português ignora escravidão
O concurso As 7 maravilhas portuguesas no mundo ignora a história da escravidão e do tráfico atlântico. Há mais ou menos vinte anos, vários países europeus, americanos e africanos vêm afirmando a memória dolorosa do comércio de africanos escravizados e valorizando o patrimônio que lhe é associado. Essa valorização se traduziu não somente na publicação de um grande número de obras historiográficas, mas também se expressou na realização de projetos como A Rota do Escravo iniciado pela UNESCO em 1994. Apesar das dificuldades e das lutas políticas que envolveram a emergência da memória do passado escravista das nações europeias, americanas e africanas, de dez anos para cá a memória e a história do comércio atlântico passaram a fazer parte da memória pública de muitos países nos três continentes circundando o Atlântico. Em 2001, através da Lei Taubira, a França foi o primeiro país a reconhecer a escravidão e o tráfico atlântico como crimes contra a humanidade. Também na França, o 10 de Maio é doravante dia nacional de comemoração das memórias do tráfico negreiro, da escravatura e das suas abolições. Em 2001, em Durban na África do Sul, a Terceira Conferência da ONU contra o racismo inscreveu em suas declarações finais a escravidão como crime contra a humanidade.
Em 1992, na Casa dos Escravos na Ilha de Gorée no Senegal, o Papa João Paulo II expressou suas desculpas pelo papel desempenhado pela Igreja Católica durante o tráfico atlântico.
Bill Clinton, George W. Bush, e o próprio Presidente do Brasil, Luis Inácio Lula da Silva, condenaram publicamente a participação passada de seus países no comércio atlântico de
africanos escravizados. Em 2006, Michaelle Jean, governadora geral do Canadá, escolheu o Castelo de Elmina em Gana para denunciar passado escravista. Em 2007, durante as comemorações do aniversário de duzentos anos da abolição do tráfico de escravos pela Inglaterra, foi a vez do ministro Tony Blair expressar publicamente seu profundo pesar pelo papel da Grã-Bretanha no comércio de africanos escravizados.
Em pleno ano de 2009, o governo de Portugal e instituições portuguesas como a Universidade de Coimbra, escolheram um caminho oposto ao descrito acima. No primeiro semestre desse ano essas instituições apoiaram a realização de um concurso para escolher as Sete Maravilhas
Portuguesas no Mundo. Na lista das Sete Maravilhas a serem votadas pelo público na internet (http://www.7maravilhas.sapo.pt/), constam não somente o Castelo São Jorge da Mina (Elmina), entreposto comercial fundado pelos portugueses em 1482, mas também a Cidade Velha (Ribeira Grande) na Ilha de Santiago em Cabo Verde, além de Luanda e da Ilha de Moçambique. Ao descrever esses sítios, a organização do concurso optou por omitir o uso desses lugares para o comércio de escravos. No texto descrevendo o Castelo São Jorge da Mina ou Elmina chegou-se ao cúmulo de afirmar que aquele local foi entreposto de escravos somente a partir da ocupação holandesa em 1637.
Para ser fiel à história e moralmente responsável, consideramos que a inclusão desses
'monumentos' no dito concurso deveria ser acompanhada de informações completas sobre o papel deles no tráfico atlântico, assim como sobre seu uso atual. O Castelo de São Jorge da Mina ou Elmina, por exemplo, é hoje um museu que tenta retratar a história do tráfico. Trata-se de um lugar visitado por milhares de turistas de todo o mundo, entre os quais muitos
representantes da diáspora africana que buscam ali prestar homenagem a seus ancestrais. O governo português, as instituições que apóiam o concurso e sua organização ignoraram a dor
daqueles que tiveram seus antepassados deportados desses entrepostos comerciais e muitas vezes ali mortos. Seria possível desvincular a arquitetura dessas construções do papel que
elas tiveram no passado e que ainda têm no presente enquanto lugares de memória da imensa
tragédia que representou o tráfico transatlântico e a escravidão africana nas colônias européias? Segundo as estimativas mais recentes (http://www.slavevoyages.org/), Portugal e
posteriormente sua ex-colônia, o Brasil, foram juntos responsáveis por quase a metade dos 12
milhões de cativos transportados através do Atlântico.
Em respeito à história e à memória dos milhões de vítimas do tráfico atlântico de escravos,
viemos através desta carta aberta repudiar a omissão do papel que tiveram esses lugares no
comércio atlântico de africanos escravizados.
Convidamos todos aqueles que têm um compromisso com a pesquisa do tráfico atlântico
de escravos e da escravidão a repudiar que essa história seja banalizada e apagada em
prol da exaltação de um passado português glorioso expresso na suposta "beleza"
arquitetural de tais sítios de morte e tragédia.
nota pura: recebemos a petição da autoria de Boaventura de Sousa Santos via internet e já assinamos. Faça o mesmo no http://www.petitiononline.com/port2009/petition.html)
1 de junho de 2009
FESMAN arranca em Salvador
Como estava previsto a terceira edição do Festival Mundial das Artes Negras (FESMAN) teve o seu inicio simbólico no passado dia 25, dia de África, em Salvador da Bahia, Brasil. Um momento mágico cuja descrição deixamos a cargo da equipa da Fundação Cultural Palmares.
“Grandes emoções marcaram o espetáculo. Um deles foi quando Gilberto Gil abre o show musical cantando "La lune de Gorée", um lamento inspirado na história da Ilha de Gorée, de onde os africanos partiam rumo à escravidão para nunca mais voltar. Existe na ilha um monumento chamado Porta do Nunca Mais. Outro momento que comoveu a todos foi quando o mesmo Gilberto Gil, ao encerrar o espetáculo, entoou o hino do Fesman e o presidente do Senegal levanta-se da sua cadeira e fica frente ao cantor, numa reverência àquele momento ímpar na história da relação dos dois países. Um reencontro do povo negro do Senegal com seus irmãos na diáspora de Salvador.”
“Lançado propositalmente no Dia da Libertação da África, 25 de maio, o evento no Brasil "não poderia ser em outra cidade que não Salvador", conforme o presidente Lula, "por ser a capital mais negra do Brasil e porque poucas são as ocasiões tão ricas de simbolismo como esta que vivemos hoje". "É com este espírito, portanto, que celebramos hoje o início de um capítulo especial nas relações entre Brasil e África. E ele se dá justamente naquilo que existe de mais intenso na ligação de nosso país com o continente-mãe: a arte e a cultura", disse Lula”.
De lembrar, que esta edição que decorre sob o lema O Renascimento Africano homenageia o Brasil, e pretende ser, como afiançou o presidente senegalês Abdoulaye Wade no seu discurso de abertura "uma vitrine de excelência da fecunda criatividade do mundo negro e, também, um campo de fortalecimento moral e de mobilização de todas as propostas para o desenvolvimento da África".
De Cabo Verde estão confirmadas as participações de músicos e grupos nacionais, como Ferro e Gaita e Cesária Évora, e alguns conferencistas. Ainda da lista de confirmados fazem parte personalidades como o cantor Steve Wonder, os instrumentistas Manu Dibango e Salif Keita, os actores americanos Danny Glover e Sidney Poitier. Nelson Mandela, Wangira Moathar e o músico Gilberto Gil, que assume a vice-presidência do Comité Internacional de Orientação do festival, são presenças incontornáveis. Mas muitos outros ainda estão para ser confirmados. 54 países vão marcar presença no evento que vai decorrer entre os dias 1 e 14 de Dezembro no vizinho Senegal.
nota pura: do retiro com Gullar desviamos o olhar para o FESMAN, aquele que será, sem dúvida, o melhor momento de 2009
Dias sem fim
muitos
muitos são os dias num só dia
fácil de entender
mas difícil de penetrar
no cerne de cada um desses muitos dias
porque são mais do que parecem
pois
dias outros há
ou havia
naquele dia do poço
da quinta
também dentro e fora
porque não é possível estabelecer um limite
a cada um desses
dias de fronteiras impalpáveis
feitos de – por exemplo – frutas e folhas
frutas que em si mesma são
um dia
de açúcar se fazendo na polpa
ou já se abrindo aos outros dias
que estão em volta como um horizonte de trabalhos infinitos:
nota pura: poesia impalpável de Gullar... na exacta dimensão dos dias
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