30 de agosto de 2008

4 anu di blog

aniversário

















No dia 31 de Agosto de 2004, incentivada por amigo, abria Os Momentos, um blog constantemente tentado pelo jornalismo, e dado a reflectir sobre a cultura no seu sentido vivente, não descurando um olhar sobre os media, com forte enfoque na televisão. Nesses exactos quatro anos de estrada feitos de amizades, encontros, partilhas e reflexões escrevi quinhentos e cinco desabafos, alguns emprestados de penas que me são existencialmente queridas: sou tentava a nomear Pablo Neruda, Ferreira Gullar, Marguerite Duras, Clarice Lispector, Assis Brasil, Maiakovski, Nabokov, Jorge Luís Borges…
Também deixei por aqui frases soltas que alguém entendeu serem poemas, e hoje algumas figuram na Antologia poética Hora di bai, organizada por Francisco Fontes.
Fiz muitas amizades, algumas ilustres, outras também ilustres, revestidas de homem invisível, anónimo protector, amigo desconhecido, companheiros e companheiras... E assim vai continuar esse meu eterno Setembro, também aqui com outras estórias.

28 de agosto de 2008

The world support Obama

Example






















Nada como poder dizer as coisas como elas são: ou, pelo menos, como acreditamos que sejam. Lembro-me de numa das edições do Debate Africano da RDP África, há já alguns meses, o comentarista cabo-verdiano, José Luís Hopffer Almada, alertar a um dos seus colegas que, Obama, além das suas capacidades intelectuais e políticas garantes de uma boa presidência, a sua candidatura, em si, era uma grande vitória simbólica para América e para o mundo.

Hopffer Almada sublinhou, para o refrescamento da memória do seu confrade, que ainda na década de 60 os negros americanos sofriam com barreiras primárias para aceder aos mais básicos direitos, incluindo o de ir e vir. Isto apenas para reafirmar que a nomeação, ontem, na convenção dos Democratas, de Barack Obama como candidato desse que é um dos maiores partidos dos Estados Unidos da América é uma grande vitória para os negros, e para o mundo que pode estar a se distanciar das barbaridades iniciadas com a espoliação dos novos mundos a partir do século XV.

Esta verdade naturalizada, e intencionalmente longínqua, tem alimentado a atenção, sem precedentes, de grande parte do Globo para com as eleições nos Estados Unidos, mas não tem sido frisada, e nem cai bem. Primeiro, porque deita por terra o projecto Obama Presidente, segundo, porque não convém, nunca conveio.

Ontem, depois da nomeadação, por aclamação, de Obama, as reacções vieram em catadupa; dos colegas senadores, dos mandatários, de governantes, entre eles o Mayor de New Orleans, que sofreu “na pele” o desastre Katrina, mas se contiveram todos. Apenas o anchors da CNN reafirmava, sem constrangimentos, “este é um momento histórico. Barack Obama é o primeiro negro a ser nomeado candidato de um dos maiores partidos da América”.

Mas a procissão ainda vai no adro, e não se pode esquecer da declaração de Noam Chomsky, reconhecido linguista e activista político norte-americano, proferida em Boston, meses atrás, "O Partido Republicano, que tem uma vertente realmente fascista, conta com uma formidável máquina de difamação e vilipêndio que ainda não foi posta em marcha contra Obama, mas que sem dúvida será".

25 de agosto de 2008

Mudança de táctica

















- Decidi que quero ser artista. Não me persegue, mulher!


Assistia, domingo, ao resumo da semana no Repórter África, emitido na RTP África, e, de repente, eis que surge numa peça sobre uma reunião camarária na Cidade da Praia, uma ilustre munícipe a dizer que os praienses são autênticos “selvagens e mal educados”, e que parecem gente que nunca lidou com a autoridade. De registar que a senhora é ilustre, mereceu ouvido, e teve até direito a entrevista para dizer essas pérolas que vão contribuir, sobremaneira, para a resolução dos problemas das construções clandestinas!

Anu!

Mas Os momentos que está prestes a completar 4 anos de vida, parafraseando Corsino Fortes, declara-se de boca concêntrica, e pretende, a partir de Setembro, reagir friamente a esses floridos de pensamento, e dedicar-se, exclusivamente, quem sabe, a uma carreira artística qualquer. Já tem em vista uma galeria na Capital, o que faz crer serem as artes plásticas o seu novo campo de eleição. Mas, dizia…

“Depois da hora zero
E da mensagem povo no tambor da ilha
Todas as coisas ficaram públicas na boca da república
As rochas gritaram árvores no peito das crianças
O sangue perto das raízes
E a seiva não longe do coração”

Corsino Fortes

22 de agosto de 2008

Saudações Palmares

Flores para IemanjáNum dia como hoje corria o ano de 1988, o Movimento Negro do Brasil conseguiu, depois de aturadas reivindicações socio-políticas, que se criasse, por Decreto-lei, a Fundação Cultural Palmares. Uma instituição vinculada ao Ministério de Cultura que tem por finalidade “promover a preservação dos valores culturais, sociais e económicos decorrentes da influência negra na formação da sociedade brasileira”. Esta poderia ser considerada, sem sombras para dúvida, como um grande sinal de maturidade e avanço numa sociedade débil que ao longo da história, optou pela exclusão e indiferença política relativamente a uma das matrizes culturais tão definidora da sua “identidade”.

Ao longo desses 20 anos, a Fundação Cultural Palmares afirmou-se como uma importante entidade de estudo, preservação, e divulgação das manifestações culturais de raízes negras, e sobretudo, trabalhou para que os afrodescendentes brasileiros tivessem uma relação, muitas vezes de catarse, com o continente berço e tomassem consciência da evolução, no tempo e espaço, das suas raízes culturais.

Nos últimos anos, dois sucessivos presidentes da Fundação Cultural Palmares estiveram em Cabo Verde: O historiador e escritor Ubiratan Castro que participou no Simpósio Amílcar Cabral, e nos últimos anos, Zulu Araújo, primeiro na qualidade de assessor do então Ministro da Cultura, Gilberto Gil, e ultimamente como um firme entusiasta de uma cooperação cultural mais consequente entre o Brasil e Cabo Verde.
Hoje, no dia da comemoração dos seus 20 anos, a Fundação Cultural Palmares homenageia personalidades que foram importantes para o seu surgimento e afirmação: o senador José Sarney, (que enquanto Presidente da República sancionou a lei que cria a Fundação) a ialorixá Mãe Stella de Oxóssi, do terreiro de candomblé Ilê Axé Opó Afonjá em Salvador da Bahia (como uma participante activa das actividades da Instituição) e o ex-ministro da Cultura, Gilberto Gil. Os momentos saúda a Fundação Palmares e o seu presidente Zulu.

imagem: galeria Iraildes

21 de agosto de 2008

Há tempo que nunca passa

Santa Lúcia era uma cidade pacata, mas tinha cinema três vezes por semana. A qualidade dos filmes era duvidosa, e os frequentadores da tosca sala, na sua maioria, tinham uma preferência desmesurada por tramas de acção, a ponto dos seus gestos e piropos concorrerem, em grau e número, com os burlescos golpes dos lutadores na tela. Os gritos e os comentários inoportunos desse público faziam parte do ambiente, e os espectadores menos comuns, como a Letícia e o seu professor Gonçalo, estavam obrigados a fingir-se de distraídos nos seus assentos, ou a ensaiar um sorriso cordata de vez em quando.
Letícia era espectadora assídua dos filmes. Aquilo tudo a impelia para um mundo imaginário, mais ao largo, que acreditava poder descobrir e explorar. Nunca estava ali diante dos filmes que raramente a tocaram, mas algures para onde a sua imaginação esvoaçante a conseguia transportar. Gonçalo, jovem, bonito, solteiro e inteligente era o professor preferido da Letícia, amigo a ponto de suscitar em terceiros outras leituras.
Os dias e as semanas beiravam, para os dois, a uma intensa e agradável mesmeidade: Letícia e Gonçalo juntos a caminho do liceu, na biblioteca municipal, no cinema, na praça a conversarem sobre a capital, filosofia, Paris, que ele conhecera e ela não, a trocarem discos de Jacques Brel, Elsa Lunghin, Phil Collins, Mark Knopfler e Jean Jacques Goldman.
Gonçalo estava de regresso à Santa Lúcia, e Letícia tencionava partir, mas a situação nunca fora motivo de desencontros entre ambos, pois tinham o poder de viver em instantes a imensidão.
Letícia partiu, como projectara, e foi obrigada a abandonar a rotina mais apetecível de que algum dia tivera, mas Gonçalo permaneceu na Cidade. Os anos se passaram e ambos se fizeram, seguindo as pegadas dos próprios destinos.
Os filhos, os amores e as novas responsabilidades ocuparam o espaço daqueles anos de amizade cúmplice que a memória se encarregou de perpetuar.

20 de agosto de 2008

As memórias de Patrícia

Example













"Eu sempre vivi entre o interior e a cidade". Assim respondia Manuel António às múltiplas situações de conversa e desoras a que todo homem perto da terceira idade está envolvido. Era calceteiro invicto, e mesmo quando não havia obra certa, rumava às seis da manhã à cidade das calçadas para comprar as frutas da época, e trocar dois dedos de prosa com os seus confrades. Estes, estivadores, tabaqueiros, pescadores e reformados do carreto, nunca perdiam o élan de abordar os temas eternos como as azáguas, a crise crustácea do mar, a doença de um confrade, e a morte de um mortal do seu tempo. Todo aquele cenário era de um profundo saudosismo, mesmo dos tempos em que se morria à míngua, da época em que irmãos e amigos partiram para São Tomé para o contrato nas roças. Manuel António era um homem de altura mediana, corpo firme, usava umas calças de pano de boca sino, e umas sandálias a lembrar o típico preto velho do tempo dos cativeiros, embora abdicasse do chapéu e do cachimbo. Mas a alma era de um preto velho.
Entre as conversas e umas rondas pelos mesmos locais da cidade, Manuel António nunca dispensava um café às 10 horas em casa de Joana, uma senhora mais velha, corpulenta, e dona de todas as memórias: Joana estivera em São Tomé e nunca chegara a trabalhar nas roças, por causa da doença que a importunava, e isso constituía uma das maiores relíquias da sua estada na linha do Equador. A filha que morrera aos 4 anos nas plantações envolvia-a numa profunda melancolia de que nunca conseguira libertar. Manuel António conhecia esta e outras histórias de Joana que, entretanto, faleceu, interferindo, em partes, na sua rotina impulsiva.
Os anos se passaram e a vida de Manuel António foi tomando rumos diferenciados. Deixou de ser calceteiro, a profissão de sua vida, e passou a ser guarda-nocturno nas lojas da cidade.
Patrícia conhecia Manuel António em criança, e depois de anos, passara por ele e nem o breu puro da noite o impedira de a reconhecer. A voz firme e intacta do preto velho perfurava os ventos frescos da noite, e de uma berma a outra descobriram de que fora feita a vida deles pelos anos adentro. Patrícia voltara a cruzar-se com Manuel António, desta feita, num fim de tarde, hora habitual em que Manuel António passara a vir à cidade para a sua profissão de guarda-nocturno. A jovem fitou os mesmos pés largos do velho, as rugas que apenas se insinuavam, e o porte destemido de um homem que vivera entre o interior e a cidade.
Num dia como um outro qualquer chegou à Patrícia, a triste notícia do falecimento de Manuel António. Fora encontrado tombado numas das eternas rochas em cone da Cidade de S. Pedro, depois de permanecer três dias desaparecido.
Manuel António presenciara por aqueles dias como guarda-nocturno, um assalto, e terá sido esta a causa da sua morte na cidade em que vivera e ajudara a ser.

foto: daqui

19 de agosto de 2008

Momentu Peixoto: Cédula Pessoal

José Luis peixoto













Faço perguntas às minhas próprias dúvidas e lembro-me
de um filme antigo quando percebo que não respondem:
silêncio a preto e branco.

Procuro o meu caderno de linhas direitas. Em tempos,
andei na escola e tinha a régua mais bonita da terceira
classe. Era um menino de meias e de calções.

Encontro uma esferográfica sem tampa e sei que sou
o último kamikaze antes da derrota. É sempre assim:
um sentimento trágico oriental sentido a ocidente.

O meu coração está localizado a oeste. Quero invectivar
contra a própria rosa dos ventos que me fez nascer:
multinacional sentimento trágico: milhares de filiais.

Quando começo a anotar as minhas preocupações, tão
importantes apenas para mim, já me esqueci de tudo:
os segredos esconderam-se por trás de um muro.

Restam as metáforas, alinhadas por ordem de presumível
intensidade. Escuto-as no meu walkman tonto e desaprendo
outra vez de ser infeliz.

de Gaveta de papéis (ed. Quasi, Portugal). José Luís Peixoto

14 de agosto de 2008

O Atentado














"Não há felicidade sem dignidade e não há sonho possível sem liberdade..."

"Não devolvemos à rosa a sua graça ao pô-la numa jarra, desnaturamo-la; julgamos embelezar o nosso salão mas, na realidade, apenas desfiguramos o seu jardim..."

"Podem tirar-te tudo, os teus bens, os teus anos mais belos, todas as tuas alegrias e todos os teus méritos, até à última camisa, mas restar-te-ão sempre os sonhos para reinventar o mundo que te confiscaram..."

Frases que ilustram dois mundos que nunca se cruzam. Estão em diferentes páginas do livro O Atentado de Yasmina Khadra. Uma narrativa fulminante que mostra o drama de um cirurgião árabe naturalizado israelita, que dedica a vida à sua esposa amada e a uma carreira distinta de cirurgião. De repente, num intenso dia no hospital, provocado por um atentado, descobre que a bombista suicida é a sua propria mulher. Daí em diante, depois do grande choque, regressa às contradições, e à humilhação de que fugira a vida toda. Uma história viva e cativante.

13 de agosto de 2008

Acontece
















Bateram à minha porta em 6 de agosto,
aí não havia ninguém
e ninguém entrou, sentou-se numa cadeira
e transcorreu comigo, ninguém.
Nunca me esquecerei daquela ausência
que entrava como Pedro por sua causa
e me satisfazia com o não ser,
com um vazio aberto a tudo.
Ninguém me interrogou sem dizer nada
e contestei sem ver e sem falar.
Que entrevista espaçosa e especial!

Neruda

12 de agosto de 2008

Olhares e inversões...


















A RTP África emitiu ontem mais um documentário de Carlos Brandão Lucas, desta feita sobre a realidade histórica e cultural de S. Tomé e Príncipe. Uma produção da RTP África com enfoques diferentes daqueles a que estamos habituados a ver sobre as ilhas do equador. “Coro das Palavras” é uma incursão pela identidade dos forros que em 1953 se recusaram a trabalhar na roça nas plantações do cacau, e, cuja sublevação, deu origem ao Fevereiro de horror. O programa incide ainda sobre o primeiro grito da negritude da África Lusófona no livro "Coração em África" do pan-africanista Francisco José Tenreiro, as questões de identidade, a oralidade, e a luta pela independência; resgata as estórias, os contos e os poemas na língua dos forros, e os autores que usam o crioulo na sua escrita.
O filme tece um olhar crítico sobre o percurso das Ilhas através da sua literatura, e foi interessante perceber a tendência evidenciada por alguns escritores santomenses, como Albertino Bragança e outros, que já não privilegiam nos seus escritos temas ligados às roças.
Carlos Brandão Lucas é um conceituado realizador e documentarista português que, em parceria com a sua esposa a produtora Marina Brandão Lucas, já realizou vários trabalhos de cariz histórico, cultural e antropológico sobre os países de Língua Oficial Portuguesa, Portugal, Brasil e os Açores. Cabo Verde é tema recorrente dos seus documentários.

Novos Tempos...

Soube pela televisão que a Câmara Municipal de S. Filipe se associou à festa de S. Lourenço, e que agora, tal como nas outras festas de santo, a celebração eucarística divide a cena com os artistas da onda. O autarca, quando instado a falar do custo da operação, disse que nesse tipo de inovação (?!) se investe muita energia positiva e esforço humano, e que esta é mais “uma via de potenciação do turismo local”. O edil não perdeu a oportunidade de dizer que essa festa tem também uma forte componente religiosa.
Já o pároco, diante da inversão dos papéis, lamentou a pobreza material, financeira, cultural e espiritual dos paroquianos locais, e apelou a uma mudança de mentalidade.
O que dizer se a peça do “festival” foi emitida antes da eucaristia e da procissão? Novos tempos...

10 de agosto de 2008

O meu Agosto

Example














10 di Agostu. É assim tradicionalmente chamada a festa padroeira de S. Lourenço, no Fogo, que acontece todos os anos nessa zona no norte da ilha. Foi sempre uma celebração fortemente religiosa seguida, ao fim da tarde, de pequenos bailes populares. O dia era também de encontros de gentes da ilha, com forte presença de pessoas que vinham das localidades mais ao norte do Fogo, e dos emigrantes. As pessoas da cidade também participavam, e havia transporte regular de diferentes localidades que fazia de S. Lourenço, nesse dia, o ponto mais movimentado da Ilha. Em todos os Agostos, lembro-me de, no dia 10, falar dessa festa em que sempre participei em criança, nas missas e no convívio paroquial, acompanhada da minha mãe e do meu irmão. O dia em que admirava de soslaio a velhice do falecido Padre Fidelis, pároco capuchinho da localidade por largos anos, naquela época fora do activo.
Lembro-me ainda, e com saudades, de, nesse dia, aproveitar sempre para pegar boleia de moto de volta a S. Filipe, enquanto os outros aguardavam pelo carro. É que nas festas de santo no Fogo o desfile de moto faz parte dos programas recreativos, e ainda que hoje tal não faça, existe ainda sempre uma presença significativa de motos nas festas. E todos conheciam todos, por isso, era segura uma criança ir de boleia. Hoje não me parece que assim seja.
Hoje, não sei se 10 de Agosto continua a ser aquela festa de encontros que decorria à volta da igreja e do cemitério. Não sei se ainda o dia 10 continua a ser a data de oficialização de alguns namoros, e a garantia de conquistas para alguns jovens mais tímidos. Não sei se ainda existe aquela áurea sacra especial que emprestava grandeza ao dia. Hoje não tenho muito a dizer desse Agosto que fez parte mim.

imagem: Pollock

9 de agosto de 2008

(De tudo) um pouco

os dias





















http://www.alfa.cv/ : seguindo esse endereço, todos os caminhos vão dar ao Jornal "A Nação" online. Mais um espaço de informação e reflexão sobre a actualidade das ilhas e a sua diáspora. Uma publicação generalista, com mostra de alguma inovação em relação aos demais jornais onlines (a introdução de flashes noticiosos). Esse item dá sinais de uma proposta diferenciada na actualização das notícias.
O semanário surgiu no mercado cabo-verdiano há cerca de dois anos com uma linha editorial peculiar orientada para os leitores cabo-verdianos, bem como para os da diáspora. "A Nação" está online, e o momento é de definição. Como contribuição, Os Momentos sugere que o jornal encontre melhores vias de explorar a interactividade com os cybers leitores e não a ditadura do anonimato que impera nos seus confrades.

Os dias passam por mim
e sempre os vejo a passar
por mim e pelos lugares que sou.

pura eu

8 de agosto de 2008

Spiga: testemunho dos tempos




















Princezito apresenta, hoje à noite, na Assembleia Nacional, o seu primeiro álbum, intitulado Spiga (Espiga, em português). Um nome táctil que está ligado, do ponto de vista simbólico, à realidade sociocultural cabo-verdiana (as estórias, os contos, as personagens, as fomes, as esperanças e os mitos) e à sua própria trajectória enquanto músico. Essa tem sido uma das muitas respostas que flui nas entrevistas que Princezito tem concedido sobre o disco. Tendo havido uma cobertura intensa, digamos assim, desse trabalho, suponho que as leituras jornalísticas sobre o disco foram feitas. Faltam agora, eventualmente, resenhas mais analíticas que ajuízem a devida dimensão do músico e do seu disco.
Spiga me parece um disco maduro e genuíno enquanto projecto; do ponto de vista estético, está muito bem conseguido: a profundidade (ainda que aparentemente informal) das letras e a versatilidade na interpretação não se deixaram ofuscar pelo aturado arranjo de Hernani, fazendo de Spiga um disco cheio de personalidade. As suas estruturas rítmicas, melódicas e harmónicas, apesar das linguagens do disco, foram bem doseadas e lhe deram características inconfundíveis e de muita consonância.
Do ponto de vista de conteúdo, movida não por um gosto pessoal, mas por algum distanciamento a que tento me habituar, não deixaria de sublinhar aqui a complexidade transcultural do disco: o entrecruzar de referências que vai desembocar numa cabo-verdianidade pós-moderna (enquanto síntese) e pujante, raramente demonstrado nos trabalhos discográficos que têm surgido entre nós. Um Cabo Verde que nasce da escravidão, mas que nunca descurou o azul do mar, um Cabo Verde badio, preto e civilizado, um Cabo Verde que até consegue a proeza de "tirar" um "Tchoru Cantadu".
Princezito é, de facto, um genuíno Batucador, um transformador desse ritmo originário de Santiago num misto de culturas, de estórias, de dor, de alegria, e de cores. O batuko que entoa as letras de Princezito é cabo-verdiano, cubano, negro, branco, macho, fêmea. Esse batuko dá a cadência e a clave da marcha de Cabo Verde.

O quê: Lançamento de Spiga
Local: Assembleia Nacional, Cidade da Praia
Hora: 21 horas
Músicos: Princezito (vocal) Edson Danny (Baixo), Duka (teclados), Aurélio dos Santos (Guitarra) e Márcio Rosa (bateria).

7 de agosto de 2008

Ode ao gato

















Os animais foram imperfeitos, compridos de rabo, tristes de cabeça. Pouco a pouco se foram compondo, fazendo-se paisagem, adquirindo pintas, graça, vôo. O gato, só o gato apareceu completo e orgulhoso: nasceu completamente terminado, anda sozinho e sabe o que quer.

Neruda

6 de agosto de 2008

L(atitudes) precisa-se

trabalhador negro















"Latitudes" é um programa semanal concebido por uma produtora independente e emitido pela RTP África (canal aberto em Cabo Verde), que explora conteúdos ligados aos emigrantes africanos em Portugal. Esse programa é feito por jornalistas interessados, com reportagens pertinentes, mas o mesmo não se poderá dizer das apresentadoras escolhidas para o espaço. Desde o afastamento, por motivos de doença, do malogrado jornalista Raúl Durão que "Latitudes" não conseguiu uma apresentação à altura. As entrevistas variam entre o terreno movediço do desconhecimento e as armadilhas do preconceito. As reportagens sempre conseguem alavancar o espaço a ponto de cativar a atenção dos telespectadores mais interessados. Mas quero crer que existem deslizes imperdoáveis e, ontem, aconteceu um deles.
O convidado era Jorge Carvalho, Chefe da Missão Para-olímpica Portuguesa e a edição era dedicada aos atletas de origem africana que irão representar Portugal nos Jogos Olímpicos de Pequim. Havia também uma outra reportagem sobre os atletas deficientes de Angola que estavam, em trânsito por Portugal, a caminho da China.
No decorrer da entrevista, a apresentadora (jornalista?) jogou essa pérola: "assistimos ao sucesso no desporto dos africanos em geral: quenianos, afro-americanos. Existe alguma característica genética especial que leva a isso?" O entrevistado, visivelmente embaraçado, tentou mostrar à senhora que para ao bom atleta era preciso dedicação, treinar muito, endurance. E que na história da humanidade nunca se conheceu outro método que não seja esse para se conseguir sucesso no desporto.
Em verdade, tem sido recorrente a visão rácica, senão mesmo racista, do desporto e da capacidade desportiva afecta à origem racial. As teorias, desde Montesquieu, passando para as de Gobineau e de Chamberlain, caíram por terra, tanto pela razão da ciência como pela ciência da razão. Disparates como o branco mais racional e o negro mais emocional, o branco mais cerebral e o negro mais sexual, o branco mais forte e o preto mais resistente, hoje são inconcebíveis pela opinião pública e já não entram na pauta dos jornalistas que se prezam. Somente mentes preguiçosas, desatentas e preconceituosas se predispõem em pleno século XXI a propagar, mormente através do jornalismo, tamanho desajuste de pensamento. A apresentadora em questão, cometeu o erro estrutural, perante o silêncio dos que já perderam a indignação nesta nossa opinião pública.
Enquanto a caravana e a sua cartilha passam, os "intelectocratas" locais preferem combater a "manada caseira" e vilipendiar (como narciso fazia) por erros de português (a nossa segunda língua) os jornalistas da TCV.

foto: Adenor Gondin

5 de agosto de 2008

Gato beato


















Adorava acompanhar a vizinhança à igreja, não perdia uma missa.
Comia correndo em sua bandeja e seguia a Clarissa, a Melissa...
Chegava de mansinho, ouvia a reza com atenção.
Não fazia nem um barulhinho, até queria tomar a comunhão.
Era bonito, garboso, elegante e faceiro. Andava pelos bancos orgulhoso, achando-se o mais bonito do mundo inteiro.
Assistia a casamento, não perdia um sermão. Estava na igreja a todo momento, fazendo a adoração.

Josete Maria Vichineski