19 de agosto de 2008
Momentu Peixoto: Cédula Pessoal
Faço perguntas às minhas próprias dúvidas e lembro-me
de um filme antigo quando percebo que não respondem:
silêncio a preto e branco.
Procuro o meu caderno de linhas direitas. Em tempos,
andei na escola e tinha a régua mais bonita da terceira
classe. Era um menino de meias e de calções.
Encontro uma esferográfica sem tampa e sei que sou
o último kamikaze antes da derrota. É sempre assim:
um sentimento trágico oriental sentido a ocidente.
O meu coração está localizado a oeste. Quero invectivar
contra a própria rosa dos ventos que me fez nascer:
multinacional sentimento trágico: milhares de filiais.
Quando começo a anotar as minhas preocupações, tão
importantes apenas para mim, já me esqueci de tudo:
os segredos esconderam-se por trás de um muro.
Restam as metáforas, alinhadas por ordem de presumível
intensidade. Escuto-as no meu walkman tonto e desaprendo
outra vez de ser infeliz.
de Gaveta de papéis (ed. Quasi, Portugal). José Luís Peixoto
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